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Festival do Rio: Cobertura – Parte 4

amandaAmanda (idem, Mikhael Hers, 2018)

Como o cotidiano é interpelado e como interpelar o horror. A mudança de tom de Rohmer à ancorar seus personagens na cidade como um martírio é uma escolha esmagadora. Um filme de muitas sutilezas e que merece revisão e fica o eco da última cena do filme, das mais impactantes desde Phoenix.

morto não falaTyrel (idem, Sebástian Silva, 2018)

Espécie de versão mumblecore de Corra! no qual Silva se torna mais econômico que seus últimos filmes e asfixia seus personagens pelas lentes e planos fechados. Tal escolha lentamente transparece o tribunal armado no qual o espectador é testemunha e júri. Um raio-x das dicotomias da América, a terra da liberdade.

morto não falaLonga Jornada Noite Adentro (Long Days Journey Into the Night, Bi Gan, 2018)

Um conto de retomadas como suporte de um desejo estético que notoriamente se esbalda quando o filme necessita dos óculos 3D. A aura onírica, os longos planos-sequência e o reencontro fabuloso fazem mais sentido que a primeira parte que se divide no lamurio do cinema de Wong Kar-Wai e a poluição de Jia Zhang-Ke.

what_you_gonna_do_when_the_worlds_on_fire__che_fare_quando_il_mondo_e_in_fiamme_still_1O que Você Irá Fazer Quando o Mundo Estiver em Chamas? (What You Gonna Do When the World is on Fire?, Roberto Minervini, 2018)

A mudança de abordagem no cinema de Minervini é algo a ser notado, porém neste caso ele está mais próximo da releitura de métodos. Basta citar Game Girls que também está na programação do Festival do Rio para lembrar a frontalidade deste e a a forma rudimentar de Minervini. O filme talvez more nas frestas de George Washington de David Gordon Green e é curioso pois é mais funcional quando registra as relações de afeto ao invés da inclinação política e histórica.

morto não falaMiriam Mente (Miriam Miente, Natalia Cabral e Oriol Estrada, 2018)

Aqui cabe a simples questão da sintetização do assunto em prol de seu impacto. Miriam Mente mastiga o assunto através de uma jovem negra inserida na realidade da classe alta da República Dominicana. O filme se resume a achar meandros que justifiquem a discussão e deixa para atrás o foco principal que é levantado com poucos minutos de filme.

monrovia indiana wisemanA Camareira (La Camarista, Lila Avilés, 2018)

Notoriamente um filme que se priva do passo adiante na análise social e existencial para obedecer cartilhas de um certo cinema letárgico e extremamente atual. Curiosamente um filme que fala tanto sobre a infeliz tarefa de sobreviver pelas forças de um emprego. O filme de Avilés é um conto de repetições, que desenha seus ensejos e não os realiza, tão apático quanto sua protagonista.

vox-lux-natalie-portmanVox Lux (idem, Brady Corbet, 2018)

Música pop e o canto dos demônios, e a farsa da estrela decadente. A austeridade formal do Corbet drena toda a energia desse mundo criado desde o prólogo, desde antes da primeira tragédia acontecer, e por mais que exista impacto, o sentido dele parece avulso, como uma forma de se legitimar pela suposta elegância que a crueldade traz. As relações causais aqui tentam equivaler o culto às celebridades com o culto à violência, misturando de forma irresponsável a gravidade da extensão dos atos de cada uma, comentando suas cenas com a verborragia acadêmica que espera explicitar didaticamente um sentido político e metafórico no que vê – como quando encontra um inacreditável paralelo metafórico no estado emocional dos Estados Unidos pós 11 de setembro com o que a cantora provocava nos fãs. E por mais que haja habilidade de Corbet na hora de passar a claustrofobia do segundo ato parece que na hora de tomar decisões além do mero estilístico ele apele para esse narrador intrusivo e implacável para pontuar os atos bíblicos dessas ações cheias de um mal-estar atribuído a um mal muito específico, sugerido ao nomear os atos como Gênesis e Regênesis.
É o tipo de filme com olhos inquisitivos sobre a música pop por achá-la vazia de conteúdo, e cujo consumo pode apenas ser através da ironia, o que certamente o impede de melhores digressões além da capa do bom gosto. É delirante sobre seu alcance e a importância de sua personagem e suas mensagens, e mesmo assim, talvez pela ilusão de grandeza, através dessa formalidade posuda existe uma energia querendo ser liberada, uma inconsequência temática, por mais vazia e sem conexão ela seja; nesse sentido é meio o Mommy do Brady Corbet. (por Gabriel Papaléo)
asako-netemo-sametemoAsako I & II (idem, Ryūsuke Hamaguchi, 2018)
Autodestruição em duas vias. O que surpreende no filme de Hamaguchi é como ele, dentro de arquétipos, é mutante, numa brincadeira do amor como o grande gênero do cinema – dele escoarão o suspense, o terror, a comédia. Disso Hamaguchi tira grandes momentos, em destaque na segunda metade, quando o martírio é mais agudo e o arrependimento a chave para a morte.
tarde_para_morir_jovenTarde Para Morrer Jovem (Tarde Para Morir Jovem, Dominga Sotomayor, 2018)
O hoax do filme no circuito de festivais me parece óbvio justamente pelo o que costumam ignorar na escolha de filmes – o formalismo como via de comunicação. Sotomayor se inclina ao registro e se interessa mais em aparar arestas que de fato construir conflitos. Está completamente longe da inovação e tampouco do destaque nesta prática. No fim o que resta é um pedido de passividade aos seus tempos e personagens e que dessa vez curiosamente foi bem aceito.
monrovia indiana wisemanMonrovia, Indiana (idem, Frederick Wiseman, 2018)
Wiseman continua um grande investigador. Aqui, o sonho americano é demolido pela estrutura, no ato da observação de um local de paz, tão ermo e belo que aspira intenções tão monstruosas em suas frestas. Wiseman, como sempre, se abstém do comentário, mas é incisivo em seus planos, seus tempos e desta vez, numa espécie de reencontro com a frontalidade de Titicut Follies, vela e enterra seu país com orações e armas.
tarde_para_morir_jovenEleições (idem, Alice Riff, 2018)
Reflexo natural: acompanhar eleições de um grêmio estudantil num colégio estadual em São Paulo como analogia às estratégias políticas das eleições presidenciais. É curioso que o filme ganha contornos muitos semelhantes aos interesses dos eleitores de Haddad e Bolsonaro, porém o que realmente reforça o filme de Alice Riff é sua análise livre do cotidiano desses jovens para além dos muros. Neste nicho involuntário, enfim, temos um filme.
asako-netemo-sametemoAssunto de Família (Shoplifters, Hirokazu Koreeda, 2018)
Curioso ver Koreeda deixar seu lado Ozu num conto propício para tal e readaptar livremente Crazy Family de Sogo Ishii. A partir daí, acrescentar suas características básicas acerca da identificação e afeto é um grande risco que o diretor aceita. É um filme certamente mais livre para dialogar com as emoções, mas é notoriamente problemático para unir os blocos organizados, principalmente no terço final.
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Festival do Rio: Cobertura – Parte #3

morto não falaMorto Não Fala (idem, Dennison Ramalho, 2018)

O suprassumo do horror. Do gore ao terrir, o filme condensa com sucesso todas as formas modernas do gênero sem tocar em sua espinha dorsal. Trama bem desenvolvida e aura de suspense intactos por todo o filme. Arrisco a dizer que desde Garrett e Mojica não via o cinema de gênero tão bem representado.

morto não falaPássaros de Verão (Pajaros de Verano, Ciro Guerra e Cristina Gallego, 2018)

Funcional como um drama familiar e muito interessante como um western do descarrego do sudoeste, o filme opta pela primeira opção como base. Há a intenção dos diretores da ideia de quebra de ciclo no qual os rituais e tradições falam mais alto que a ganancia e que desemboca num filme afetado por diversas frestas históricas logo desligadas pelos diretores.

morto não falaTHF – Aeroporto Central (Central Airport THF, Karim Ainouz, 2018)

Ainouz mais próximo de Côté que Wiseman para observar a vida daqueles que estão entre o refúgio de guerra e o retorno para o caos. Literalmente presos no THF, estes homens têm o cotidiano filmado mais de forma invasiva que observacional, no qual seus contrapontos poéticos parecem desafinados com o que a câmera que intenta engolir seus personagens mostrara até então.

morto não falaImagem e Palavra (Le Livre d’image, Jean-Luc Godard, 2018)

Godard mais interessante quando ressignifica imagens a favor do cinema do que do dispositivo. Para o dispositivo o diretor volta às origens históricas-políticas e desassocia o filme do valor das imagens. Temos aqui uma espécie de livre resumo de  “O que é o cinema?” de Bazin e “O que é um dispositivo?” de Deleuze.

morto não falaGrass (idem, Hong Sang-Soo, 2018)

O filme de suspense de Sang-Soo. Não pelo tema e abordagem, mas pela forma. Grass é o Festim Diabólico das frustrações amorosas, das clássicas injeções de soju na mesa de restaurantes e conflitos de diretores de cinema. O modus operandi muda levemente, mas o ensejo é o mesmo. Sang-Soo continua brilhante.

morto não falaChuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos (idem, Renee Nader, João Salaviza, 2018)

A ideia de um filme de contracampos é muito boa pois na medida em que o filme se desenvolve, vemos como os conflitos estão na floresta e no asfalto em forma de ansiedade. Um homem em conflito e a fuga do mesmo o coloca no mesmo patamar daquele que o considera inferior. Renee e João detalham este confronto, às vezes até em redundância, mas o meio é tão poderoso que desmantela suas fragilidades.

morto não falaO Hotel às Margens do Rio (Hotel by the River, Hong Sang-Soo, 2018)

Distâncias e perspectivas para os meandros de sempre. Sang-Soo avisa cada mudança feita em sua estrutura e isso transforma O Hotel às Margens do Rio num filme fascinante. Os conflitos aqui estão às claras, o desejo da desistência e a incerteza do futuro. O que ainda surpreende é como Sang-Soo insinua certo cinismo em todos os seus planos com um simples movimento de câmera.

morto não falaNão me Toque (Touch Me Not, Adina Pintillie, 2018)

O conflito imutável. Duas horas no divã, a quebra da quarta parede, novos personagens e nada disso tira Não me Toque da única perspectiva por uma ousadia torpe e dispensável.

morto não falaTúmulos Sem Nome (Graves Without Name, Rithy Panh, 2018)

Panh ameaça a invenção de A Imagem que Falta em certos momentos de Túmulos Sem Nome, porém logo o coloca na zona de conforto, nos longos depoimentos, nos cortes feitos nas vírgulas,  mais perto do longo lamento que um documento sobre seu assunto.

morto não falaVida Selvagem (Wildlife, Paul Dano, 2018)

A crença no contra-plano. Paul Dano se apoia no básico, no plano fixo e na ideia de um extracampo para narrar a demolição da instituição familiar. Aqui mais pela imposição que pela sugestão o que explicita certa insegurança, ainda que fique a curiosidade pelos novos trabalhos de Dano como diretor.

morto não falaA  Prece (La Priere, Cédric Kahn, 2018)

 Kahn é certeiro sobre a queda e como ela se diluí no conto de ascensão, no topo da narrativa cristã. Um personagem tão frontal, tão sincero e que se esconde somente quando lhe interessa deixa Kahn mais à vontade para dirigir, afinal sua coluna, o protagonista, justificará cada escolha feita, ainda que esses caminhos pareçam mais fáceis, numa ideia de que a poesia pode demolir a dureza da vida.

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Festival do Rio: Cobertura – Parte #2

Seguindo com a cobertura do Festival do Rio. Comentários sobre mais um bloco de filmes da programação:

Por Pedro Tavares

nois por noisSeu Rosto (Ni de Lian, Tsai Ming-Liang, 2018)

À primeira vista parece um contraponto à filmografia de Tsai Ming-Liang no que diz respeito à concepção de quadros. Mas o que interessa ao diretor, assim como Coutinho – que é muito lembrado aqui para qualquer familiarizado com a obra do documentarista brasileiro -, nas frestas dos depoimentos,  nos silêncios e feições. No close, como Dreyer em A Paixão de Joana D’Arc, Tsai Ming-Liang arremata anos de história.

nois por noisPara’í (idem, Vinicius Toro, 2018)

O êxito de Para’í é como sua abordagem documental nunca trai a linha fantástica da trama. Norteada pelas ilusões da infância, o filme de Vinicius Toro tende a afunilar os desejos da protagonista como confronto direto com o mundo além da aldeia. Na medida em que Toro sinaliza os eixos do horror que a menina encontra pela frente, continua a usar o fantástico como suporte e suspiro para o filme.

ten years thailandDez Anos Tailândia (10 Years Thailand, Apichatpong Weerasethakul, Aditya Assarat, Chulayarnnon Siriphol, Wisit Sasanatieng, 2018)

Raro caso de curtas agregados com certa regularidade. Entre o lamento dos curtas de Aditya Assarat (que abre o filme) e Apichatpong Weerasethakul, (que fecha o filme) que são lamuriosos em relação ao futuro, Wivisit Sananatieg e Chulayarnnon Siriphol fazem sci-fi em pura distopia e ganhem total destaque. Curiosamente o filme de Apichatpong é o ponto fraco do filme, completamente mecânico e mais interessado na mensagem do quadro que em transbordá-lo como geralmente faz.

ten years thailandDistorção (Alterscape, Serge Levin, 2017)

Brigar com suas possíveis naturezas é arrematar qualquer possibilidade de êxito para Serge Levin. Alterscape nega ser um filme B e tampouco aceita suas fragilidades como um drama. Nessa briga que dura boa parte do filme, quando os aceita em momentos distintos, o resultado é risível, pois o que Levin entregara até então foi um OVNI.

ten years thailandA Costureira dos Sonhos (Sir, Rohena Gera, 2018)

Como contraponto à discussão de valores da sociedade indiana, Rohena Gera adormece um romance e se importa em transborda-lo nos tópicos discutidos como cotidiano. A escolha é acertada e o filme é muito assertivo como sugestão de debate e principalmente como entretenimento familiar.

ten years thailand                Conquistar, Amar e Viver Intensamente (Sorry Angel, Christophe Honoré, 2018)

A promessa de um bom retorno de Honoré se dá em afastar os protagonistas na construção de um drama a partir de precipícios. Quando os une o filme cai numa ideia de releitura do cinema francês pós guerra inclusive com declarações imagéticas muito óbvias, assim como o caminho que o filme toma.

ten years thailandBelmonte (idem, Federico Veiroj, 2018)

Boa a ideia de imaginário e realização de um homem que vive num mundo proto-idealizado. Veiroj se concentra em costurar situações corriqueiras e as media através de vitórias e derrotas. Ainda que o exercício pareça redundante mesmo com a curta duração (75 min), o destaque fica para o terço final do filme.

rojoVermelho Sol (Rojo, Benjamin Naishtat, 2018)

Os primeiros vinte minutos do filme são impressionantes e dariam um curta e tanto. Depois o filme se apoia na montagem, na construção em blocos e no raciocínio que a elipse pode costurar todo o filme e a noção de um mundo corrompido. As influências dos thrillers americanos setentistas são boas, mas toda expectativa criada nos primeiros minutos não é correspondida.

rojoGuerra Fria (Cold War, Pawel Pawlikowski, 2018)

Pawlikoswki é um bom esteta de quadros e se esforça como narrador, claramente inspirado nas elipses de Garrel. Guerra Fria é um filme propositalmente adormecido, mais entregue à plástica como forma de um tipo de impacto que não inédito, porém pouco usado por aqueles que tentam remeter aos tempos da pureza do cinema. Ainda que uma válida aposta, o filme de Pawlikowski muitas vezes peca pela ausência de intenções mais claras.

rojoCinzas (Cenizas, Juan Sebastian Jacome, 2018)

Filme que luta para abortar seu lado teatral pela forma, utilizando por boa parte do filme closes e câmera na mão. Seria o contraponto de uma trama escrupulosamente melodramática e que tem seu palco definido – a casa, a porta da rua, etc. – para ser cinema. O resultado é bem duvidoso e a trama novelesca pouco instiga.

rojoGame Girls (idem, Alina Skrzeszewska, 2018)

Entre a observação de J.P Sniadecki e Véréna Paravel em Foreign Parts e a incisão de Khalik Allah em Field Niggas, Alina Skrzeszewska analisa o caminho da violência daqueles que possuem baixo poder de aquisição em Los Angeles. A câmera de Skrzeszewska é direta ao filmar o casal de protagonistas do filme numa narrativa de ascensão, mas é nítido como ela resvala em comentários muito maiores sobre os EUA e o racismo, intolerância e a sempre ideia de tornar esses problemas periféricos.

infiltrados na klanInfiltrado na Klan (Blackkklasman, Spike Lee, 2018)

Spike Lee geralmente é bem sucedido quando é indireto em suas mensagens a exemplo dos mais recentes Da Sweet Blood of Jesus e Red Hook Summer. Infiltrado na Klan é um filme pungente pela urgência do assunto e seu caráter acusatório. Como thriller, o filme está mais para um exercício protocolar do gênero do que uma coleção de bons momentos com arremedos de justiça.

infiltrados na klanJosé (idem, Li Cheng, 2018)

A distância que Li Cheng imprime como grandes comentários sociais se dá através do interesse em filmar o que está ao redor de seus personagens. O fundamentalismo, o preconceito e a violência, pilares que regem a vida da Guatemala aliados ao desemprego e a desesperança estão nas frestas que Li Cheng se apoia, enquanto em primeiro plano filma uma história de amor que não se sustenta pois o sistema que o envolve não o permite.

knife heartFaca no Coração (Knife + Heart, Yann Gonzalez, 2018)

Yann Gonzalez e Matías Piñeiro caminham por estradas paralelas até Faca no Coração. Gonzales aqui tenta de forma aguda o equilíbrio do humor com uma espécie de horror arthouse, um slasher no qual o sexo é o caminho do descarrego (com todos os sentidos possíveis). O filme é um OVNI que nem sempre é íntegro com sua proposta inicial, muitas vezes inclinado à figura do autor do que o próprio gênero que tenta abraçar.

tempo comumTempo Comum (idem, Susana Nobre, 2018)

Vive-se a história e conta-se a história. O interesse de Susana Nobre em esvaziar suas imagens como a certeza de um registro cotidiano dá forças descomunais a qualquer gesto. Com a ciência dessa força, Nobre dá margens justas ao filme (cerca de 64 min.) e neste pequeno-grande filme o que se tenta alcançar – muitas vezes com sucesso – é a vida.

tempo comumCarmen & Lola (idem, Arantxa Echevarria, 2018)

A balada da previsão. O filme se resume à obediência da cartilha do imaginário do filme popular – trama novelesca, a questão moral, decupagem previsível – e sempre dentro de um eixo em que o controle é sua própria armadilha. O falso desequilíbrio cênico piora esta noção principalmente por descambar para o melodrama, que neste caso vira mais uma armadilha.

tempo comumAmor até as Cinzas (Ash is the Purest White, Jia Zhang-ke, 2018)

Zhang-ke remete aos seus filmes dos anos 00 pela ideia de uma saga com comentários sociais. Aqui a jornada é pendular, entre um filme de máfia e uma história de amor, mas o que impressiona mesmo é como as articulações continuam as mesmas e sempre muito funcionais e impactantes. Zhang-ke agora se interessa pela China pós-olimpíadas e retira disso sequências muito fortes dessa representação.

meu proprio bem filmeMeu Próprio Bem (Il Bene Mio, Pippo Mezzapesa, 2018)

O filme basicamente é um exercício de simbolizar a história italiana no pós-guerra. Representar o valor da memória e a reconstrução de uma cidade fantasma contra a vontade de seu único habitante faz do filme de Mezzapesa uma prática de afetos com o espírito de rememoração. Há uma saída torpe de afetar e reafetar que remete aos filmes de Roberto Benigni, o que é  dispensável enquanto a ideia de personagens à margem da evolução se dá pela adoração e não pela praticidade.

meu proprio bem filmeAs Filhas do Fogo (Las Hijas Del Fuego, Albertina Carri, 2018)

Do conto erótico ao road movie e o pornô, o filme pouco se compadece do uso destes meandros como tentativa de um manifesto feminista que na realidade pouco discute e tampouco se afirma. O que sobra mesmo no filme de Albertina Carri são as fissuras destes meios, preenchidas com erotismo como uma suposta certeza sem muitos efeitos.

meu proprio bem filmeTorre das Donzelas (idem, Susanna Lira, 2018)

De caráter introdutório, é possível ver a preocupação de Susanna Lira em equilibrar linguagem e assunto tão díspares. Portanto, a sensação é de estranheza em ver uma espécie de programa do GNT – padronizado e extremamente envernizado – para abordar a ditadura, sempre lutando contra a inevitável presença do terror e dar leveza a um assunto oxítono.

meu proprio bem filmeAs Viúvas (Widows, Steve McQueen, 2018)

Filme que se oferece à montagem de maneira tão explícita que se resume aos encaixes de peças e propositalmente sem um norte definido afim de provar que um heist movie pode ser mais complexo. Com mais camadas, mas todas superficialmente resolvidas, o filme funciona melhor quando é agudo como um filme de ação, no qual McQueen mostra certa habilidade.

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Festival do Rio: Cobertura – Parte #1

Mais enxuto porém com seleção de qualidade e bem próxima a da Mostra de São Paulo, o Festival do Rio comemora 20 anos em 2018 com 200 filmes na programação. Dividiremos a cobertura em várias partes, portanto sugerimos visitas diárias ao site para acompanhar todos os comentários sobre os filmes vistos. Eis a primeira!

Por Pedro Tavares

meunomeedanielMeu Nome é Daniel (idem, Daniel Gonçalves, 2018)

Como construção narrativa durante a exumação de imagens de arquivo – fitas VHS da família -, Meu Nome é Daniel é um filme bem interessante enquanto espécie de tributo aos familiares que ajudam Daniel a se desenvolver. Como retrospectiva de uma vida, o filme pouco faz além de calcificar a imagem de Daniel como semelhança à superação.

meunomeedanielSkate Kitchen (idem, Crystal Moselle, 2018)

Continuação do projeto That One Day (2016), Skate Kitchen é uma espécie de versão perfumada de Kids (1995). É delirante acompanhar Nova Iorque tomando o protagonismo enquanto a trama colegial e esmaecida fica em segundo plano. O voyeurismo de Moselle é bem próximo ao de Larry Clark, porém os fundamentos são muito duvidosos.

meunomeedanielSelvagem (Sauvage, Camille Vidal-Naquet, 2018)

A via crucis facultativa de um jovem garoto de programa viciado em drogas é registrado por Vidal-Naquet no desequilíbrio entre o erotismo de Bruce LaBruce e o melodrama que remete a Clube de Compras Dallas (2013). O filme parece um mosaico de intenções e é nítido o desequilíbrio para qualquer tipo de aproximação com a trama.

meunomeedanielA Cama (La Cama, Mónica Lairana, 2018)

Claramente influenciada por Chantal Akerman, Lairana abre mão do formalismo pela narrativa, o que nem sempre é funcional. A força da composição de quadros e da elasticidade do tempo é ótima e quando é trocada nem sempre é regulada já que o formalismo já está decidido desde o primeiro qudro.

meunomeedanielSócrates (idem, Alex Moratto, 2018)

Filme muito consciente de seus limites e com isso segue só uma linha dramatúrgica, filmado inteiramente com câmera na mão e sempre asfixiando o protagonista com intenções claras sobre o espaço filmado como analogia ao drama de um jovem em se reinventar a todo o momento por necessidade. É o caso de escolher a segurança e ser bem sucedido.

meunomeedanielA pé ele não vai longe (Don’t Worry He won’t get far on foot, Gus Van Sant, 2018)

Van Sant se enterra na cartilha da biografia agridoce, quase um pastiche dos feel good movies de Michel Gondry, extremamente protocolar e sem formalismos no que tange ao drama. Aqui é um caso de escolher a segurança e não ser bem sucedido.

meunomeedanielElefante Sentado Quieto (Da xiang xi di er zuo, Hu Bo, 2018)

Jornada de repetição de fórmulas. Um drama geral sobre a China, mas antes disso um filme com uma única forma de dividi-lo em suas 3h50 sobre a aura de tensão e pessimismo que cerca o cotidiano de um país oprimido. Tem grandes momentos, mas por ser um filme tão elástico, eles acabam adormecidos.

meunomeedanielSem Rastros (Leave no Trace, Debra Granik, 2018)

Granik levanta valores sobre a sociedade num conto de exílio. O que se necessita ou o que se deseja, numa espécie de estudo do materialismo histórico. Bem próximo do cinema de Kelly Reichardt, o filme abre mão do debate quando chafurda no conflito entre pai e filha sobre a introspecção e a abertura a um novo mundo.

meunomeedanielExcelentíssimos (idem, Douglas Duarte, 2018)

Leia a crítica completa.

meunomeedanielLos Silencios (idem, Beatriz Seigner, 2018)

Leia a crítica completa.

38578dad2b693f8de460876ffb1ba507Utoya, 22 de Julho (Utoya, 22 july, Erik Poppe, 2018)

Espécie de snuff/slasher no qual as vítimas ganham atenção exclusiva como comentário social, afinal o filme é uma reconstituição do ataque de um integrante do partido de extrema direita a um acampamento do partido dos trabalhadores da Noruega. Poppe opta por um plano-sequência de estética suja que emula uma testemunha da tragédia, mas não consegue criar uma atmosfera de tensão ou confabular com os personagens. Curiosamente o filme emula Paul Greengrass, que também lançou um filme sobre o evento recentemente.

38578dad2b693f8de460876ffb1ba507Vírus Tropical (idem, Santiago Caicedo, 2017)

Coming of age em animação que tenta abraçar tantas informações sobre valores familiares que acaba na superfície de todos eles. Vale ressaltar que o filme explicitamente delimita seu público alvo e talvez esta seja uma inteligente saída para vagar com sensibilidade entre todos os assuntos tratados, mesmo estando na superfície.

38578dad2b693f8de460876ffb1ba507Ilha (idem, Glenda Nicácio e Ary Rosa, 2018)

Leia a crítica completa.

deslembroDeslembro (idem, Flávia Castro, 2018)

O típico filme de festival sobre exílio político. Agridoce, Deslembro é uma espécie de capítulo de Malhação didático para politizar jovens antenados. Diria que este seria um ensaio proto-moderno sobre a recente história do Brasil direcionado aos jovens feito por Laís Bodanzky.

deslembroInferninho (idem, Guto Parente e Pedro Diógenes, 2018)

Leia a crítica completa.

deslembroHumberto Mauro (idem, André Di Mauro, 2018)

Tudo é montagem. A declaração de Humberto à fórmula básica de seu cinema (a cachoeira) e como a inspiração serve como catalisador para a experimentação, longe do pragmatismo do cinema comercial. Seria lindo se fosse apenas uma colagem de seus filmes como homenagem máxima, mas a amalgama do filme, ou seja, os depoimentos de Humberto Mauro, são muito bonitos.

o termometro de galileuO Termômetro de Galileu (idem, Teresa Villaverde, 2018)

Banco de memórias numa repetição de fórmulas em prol de um filme íntimo, caseiro e propositalmente é desestabilizado. Como exercício ele se satura no terço final e a honestidade de Villaverde sobre seu objeto é questionada, principalmente por se tratar do peso da memória sobre seu próprio filme.

o termometro de galileuA Rota Selvagem (Lean on Pete, Andrew Haigh, 2017)

Como tudo volta para o lugar. Haigh mais maduro nas decisões estéticas e narrativas e as constrói como um ciclo sobre matar e morrer diariamente. Longe da inovação geral, mas uma decisão muito funcional para sua carreira. Um bom norte à frente.

o termometro de galileuDiamantino (idem, Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt, 2018)

Abrantes e Schmidt mantém a fórmula fantástica na tentativa de adaptar ao formalismo clássico e gerar assim um incomodo equivalente a seus assuntos tratados, principalmente a política. Através do herói nacional Cristiano Ronaldo, o filme mensura a gravidade da distopia do avanço solitário com o bom humor que lhes é característico.

o termometro de galileuA Árvore (Drvo, André Gil Mata, 2017)

O prólogo e o epílogo de O Cavalo de Turim (2011) de Béla Tarr. A guerra invisível, os sons angustiantes e a sensação de morte iminente. Um dos grandes filmes do ano.

o termometro de galileuA Névoa Verde (The Green Fog, Guy Maddin e Evan Johnson, 2017)

Ressignificação de imagens não é mais novidade desde os tempos de Warburg, mas as alterações vistas aqui são divertidas como forma de thriller a partir de quadros e frames do cinema clássico. É irresistível não se levar pela proposta, mesmo que em alguns momentos o filme seja pego pela redundância das escolhas.

o termometro de galileuObscuro Barroco (idem, Evangelia Kranioti, 2018)

O Rio e suas estranhezas para gringo ver. O carnaval, manifestações públicas e o submundo como um panfleto enfraquecido, mal planejado e que pouco se disfarça de filme.

o termometro de galileuMormaço (idem, Marina Meliande, 2018)

Filme extremamente frontal e até inocente para dialogar com as mudanças estruturais do Rio de Janeiro para as Olimpíadas. Quando aposta no lado fantástico o filme engrena, mesmo que na proximidade à obviedade formal, Mormaço é um filme necessário pela apuração do tema e junção da especulação imobiliária, política e o cinema fantástico.

o termometro de galileuFutebol Infinito (Infinite Football, Corneliu Porumboiu, 2018)

A revolução caseira. Um mundo guardado e que nunca terá atenção. Uma declaração de amor ao futebol enquanto recria o esporte – e que nunca será aceito pela FIFA. Porumboiu é invasivo, sem pudores, mas sempre meticuloso para mostrar seu herói do cotidiano, de sonhos e planos que jamais se concretizarão.

o termometro de galileuAdam (idem, Maria Solrun, 2018)

A impressão é que este filme já foi feito e visto milhões de vezes. Um prato requentado do cinema europeu contemporâneo que sempre passará pelo crivo de festivais. Se há algo de bom aqui é problematizar como este formato está em função da falta de inspiração dos realizadores modernos e sobre como eles são facilmente aceitos até hoje.

o termometro de galileuAzougue Nazaré (idem, Tiago Mello, 2018)

Filme alienado sobre alienações. Impressiona como a formatação do filme é rasa e imparcial, sem sensibilidade, mais interessado na certeza, no panfleto imutável do que na abordagem de discussões sobre religião e o estado.

nois por noisNóis por Nóis (idem, Aly Muritiba e Jandir Santin, 2018)

Entre Cidade dos Homens e Marcados Para Morrer, Nóis por Nóis é televisivo e panfletário na mesma medida. Urgente para debater a truculência policial e como jovens de periferia tem o mesmo fim desenhado por caminhos diferentes. Não fosse sua redundância discursiva pela tendência a surprir necessidades comerciais o filme seria mais interessante.

nois por noisEm Chamas (Beoning, Lee Chang-Dong, 2018)

A vingança do proletariado. Um thriller de tempos dilatados no qual pouco se mostra e que lentamente se constrói como uma real e brutal história de violência. O destaque é como Lee Chang Dong tem controle das frestas da história e como elas perduram por suas 2h20.

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Festival de Brasília: Temporada (André Novais Oliveira, 2018)

Por Pedro Tavares

temporada-andré-novais-oliveira

Vida e gesto

Há uma característica na busca da neutralidade nos filmes de André Novais Oliveira: o desenho de um fosso imaginário entre o dispositivo e o que se filma. Ainda que este raciocínio esteja sempre atrelado à ideia de teatro, neste caso se faz uma entidade em suspensão na filmografia do realizador. Entre pequenas e grandes distâncias, esta tarefa matemática tende à naturalização do cotidiano filmado – outra base dos trabalhos de André, com intervenções fantásticas nos curtas-metragens e mais lineares nos longas-metragens.

Temporada é uma sequência natural deste pensamento. A rotina obrigatória de Juliana (Grace Passô) servirá como escoamento emocional e a ruminação do drama no fluxo do tempo, algo muito próximo do que foi feito em Ela Volta na Quinta (2015). A reserva se dá na função do corte e na elasticidade das cenas – enquanto Juliana conversa com uma familiar, a opção de levar o filme para outro caminho é nítida: a resposta “não sei o que te dizer” calcifica o que até então fora exibido como uma negação ao desabafo. A André interessa a maturidade de sua protagonista através da sobrevivência passiva, num pensamento geral – o de acordar, trabalhar e sobreviver desta forma, sempre com algo melhor em mente.

Em Temporada esta sobreposição leva um tempo para se apresentar e maturar como uma opção narrativa, ainda que o estado de incerteza seja um delírio interessante. Intuímos a vida como um gesto e o filme como um recorte. O horizonte está à vista da personagem e não do espectador. E como a noção de uma extensão está abortada, a rotina toma proporções curiosas como uma redução; o mesmo exercício de se encontrar um lugar – que está em boa parte dos filmes de André Novais Oliveira – se faz presente mais uma vez. O ambiente é o que faz o raciocínio expressivo, como se a relação com eles fosse a catapulta para a identificação e consideração de um conflito maior – o mercado municipal, o ponto de ônibus, centros comunitários, etc.

Como um filme mais monocórdico que vulcânico, Temporada se aproxima (ou se faz um exercício tributário) aos Gendai-Geki, em especial Ozu, com o raciocínio que se esta realidade é possível a todos, transformá-la em imagens também será. Nunca um exercício de neutralidade completo, portanto, já que até então os filmes de André, de certa maneira, não são simulações e sim de mudanças de formas. Aqui, estamos diante de uma situação muito familiar – como Hollis Frampton afirma: “Nostalgia não é uma emoção sofrida, ela é tolerada”. Este processo de cicatrização que resume o filme em descrição de uma rotina essencialmente proletária – muito se dá e pouco recebe, com a exceção do humanismo que a troca diária permite, com trocas de confidências e suporte emocional -, é potencializado pelo caráter observacional de André, incluindo o já citado fosso entre câmera e personagens, além dos longos planos e do dispositivo fixado, imutável e que raramente cede à tentação de ser ligado diretamente ao fílmico com movimentos e a noção de quebra do real.

De certa maneira Temporada flutua entre o discurso atual de empoderamento e calcificação da possibilidade de uma mulher viver só e gozar da plenitude. Por outro lado abraça um conceito atemporal e universal sob um olhar elementar sobre sua personagem, o que é contrário a grande parte do que se faz hoje no cinema brasileiro contemporâneo –  muito mais uma ficção do espírito que um grito da carne.

Visto no 51º Festival de Brasília.

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Festival de Brasília: Inferninho (Guto Parente e Pedro Diógenes, 2018)

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Brasil em plano fixo

Por Pedro Tavares

Em A 15a Pedra, conversa entre Manoel de Oliveira e João Bénard da Costa filmada por Rita Azevedo Gomes, o diretor de Aniki Bóbó fala a respeito do plano estático como a objetividade do cinema. Para não filmar de todos os ângulos possíveis, a câmera fixa sempre será a melhor opção para amalgamar um sentido concreto à sequência. Esta é uma escolha prevalecente no cinema de Guto Parente após a trinca de longas-metragens em parceria com os irmãos Pretti. Em parceria com Pedro Diógenes, com quem dirigiu o essencial Doce Amianto, Guto Parente reconfigura os signos de Amianto para um desenho mais melancólico do microcosmo explorado em Inferninho.

A ideia do inferninho como um cabaré de quinta categoria espelha nos costumes e trejeitos brasileiros do dia-a-dia e resume a noção de uma sitcom – uma família desjeitosa, uma locação chave, mudanças de rumo a partir da chegada de personagens estrangeiros, etc. Guto e Pedro transfiguram este suporte para um drama de sutilezas que remete a Fassbinder em diversos momentos. Entre o escracho e o arthouse, Inferninho é um compendio para a empatia; através de situações que emulam signos comuns aos brasileiros – a expatriação, extorsão, dívidas, etc. – Guto e Pedro jogam seu filme na bifurcação da comédia ou do drama sempre em ampliação. Há a básica incumbência de contar um conto, mas o exercício se resume à árdua tarefa de trazer o filme para si; em momentos em que o chroma key é a chave para a comunicação (como Brisseau, já lembrado por Guto em A Misteriosa Morte de Pérola) percebe-se as reais intenções de Guto e Pedro. O rir para não chorar, a compreensão de uma melancolia entranhada na novela do dia-a-dia.

Este raciocínio se recebe em pés de antagonismo: Inferninho para e vê um monólogo (é monólogo imposto pela câmera, pois se trata realmente de uma conversa entre dois personagens). Um expurgo carregado de emoção que transparece de vez as contradições do macro e não do micro que está na tela. A tristeza em quem esbanja alegria, a ostentação de quem não tem como pagar as contas e, de forma mais direta, o filme de arte que ninguém entende. Eis o Brasil no plano fixo. O objetivo, como diz Manoel de Oliveira, é amalgamar; se muito exploraram a cultura popular como artificio narrativo, este filme é um contrapeso necessário ao narrar o país.

Nesta sutileza que Fassbinder é invocado, o de Fox and His Friends, no lamento e na declaração de amor concomitantes que Guto e Pedro rebatem na tecla de Doce Amianto, filme muito mais direto sobre sua tristeza. Em Inferninho há na empatia uma porção de esperança e no clamor pela segunda vida, o luto. Da certeza que não haverá outra chance, o escárnio sempre será uma saída viável.

Visto no 51º Festival de Brasília.

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Festival de Brasília: Bixa Travesty (Claudia Priscilla e Kiko Goifman, 2018)

bixa travesty

Entre quatro paredes

Por Pedro Tavares

Linn da Quebrada é uma grande personagem. Sempre disposta à performance para o interno e ao confronto para o externo. Bixa Travesty está sempre na dualidade do espaço que Linn preenche, sempre em microcosmos, com a impressão que Claudia Priscilla e Kiko Goifman se interessam mais pelo mito do que pela sua diluição na rotina. Portanto, o que será visto neste processo é Linn entre quatro paredes, protegida, para erguer esta persona. Nestes pequenos espaços, seja em casa, na casa de shows, no salão de beleza, Linn destila sua frustração com o que há no externo, mas nunca o veremos. Talvez por uma questão didática, pois é sabido o que está fora destas paredes, ou por opção de fundamentar o discurso.

Pela renúncia do encontro entre Linn e o mundo, o filme controla seu norte como uma espécie de registro confessional em diversas formalidades. Há uma brincadeira explícita com essas possibilidades, com Linn sendo apresentadora de um programa de rádio imaginário. Da troca com a mãe e amigos, a protagonista se posta sempre no limite da confissão, com o orgulho devido de quem foi e quem é. Existem motivos para Linn estar rodeada e Claudia e Kiko tem a sensibilidade para chegar até eles. A resposta, como era de se esperar, chega com mais afirmações de quem está além das demarcações impostas pela sociedade.

A paz, contudo, está em pequenos gestos e objetos – que para Linn, a exemplo da luva de Ney Matogrosso dos tempos de Secos & Molhados, tem valor inestimável. São pequenas oferendas que Linn oferece ao filme como um proto-conflito unicamente sobre si, justamente quando a protagonista, segundo a própria, perde os poderes de consolidação. Pois a suposição de um filme que inclina-se sobre o externo pela sugestão intrínseca é falha. Ele é tão incorporado em Linn que ela se torna um monumento que tampa a vista para o que é extrínseco.

Medir seu impacto através do que está lá fora, portanto, é uma tarefa custosa já que há apenas uma via: de afirmação e superação. Notar a relevância de Linn como faísca para uma possível – e necessária – revolução, como catapulta para uma postura geral, é significativo; Bixa Travesty, logo, serviria como prólogo de algo maior, de Linn tomando o mundo para si e o enfrentando com a mesma prática vista no palco. Por enquanto, é um exercício de imaginação.

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Festival de Brasília: Os Sonâmbulos (Tiago Mata Machado, 2018)

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Todos estão dormindo

Por Pedro Tavares

O cinema é um fenômeno idealista. A ideia que os homens fizeram dele já estava armada em seu cérebro, como no céu platônico, e o que impressiona, acima de tudo, é a resistência tenaz à matéria da ideia, mais do que as sugestões da técnica à imaginação do pesquisador.

(André Bazin em O Mito do Cinema Total, 1946)

Algumas informações são importantes para a compreensão mais categórica de Os Sonâmbulos, e a principal dela é que é um filme interpelado pelas mudanças no cenário político brasileiro principalmente entre os anos de 2013 e 2016. Portanto é um filme despudorado quanto às mudanças de abordagem, ainda que nunca se perca o senso de unidade, justamente por ser um filme de impavidez.

É curioso que sua pauta seja exatamente o risco quando ele é verbalizado. Das ações às reações, das analogias visuais e de um mundo performático que reverbera Serge Bard e, claro, Godard. Notória é a capacidade de síntese do filme quando justamente ele se debruça sobre retóricas que necessitam de prolongação para apuração de seus signos. Conforme os conjuntos de códigos são cada vez mais claros na superfície da imagem, o que resta desse governo arriscado? Tiago Mata Machado não responde e tampouco desce a guarda, da síntese ao simples desempenho, Os Sonâmbulos é imutável.

Se há o que podemos chamar de “desvio”, é quando o filme coloca seus andarilhos-militantes em cheque – o rendimento, em duplo sentido, a favor de interesses próprios. É o mais próximo que podemos de chamar de palpável no filme que sempre está em estado de suspensão, como uma espécie de catarse transcendente sobre o mais pragmático dos assuntos. É política o que está nas ruas e dentro dos apartamentos. A chama que queima lá fora pode queimar dentro do quarto. Se o alcance dos efeitos é incalculável, Os Sonâmbulos se apodera da aparência, do ilusionismo que leva à consciência de uma mobilização, mesmo que esta seja parcial. É o caso da inversão dos fins a favor de um discurso, mesmo que seu maior suporte, a realidade, não esteja em congruência e que a reconciliação é dispensável.

Ao abortar a consciência realista como forma avessa de chegar ao humanismo, o que Tiago Mata Machado procura, ao menos nessa primeira visão do filme, é o ajuste intelectual. Antes de ações profundas, é o momento de alinhar juízos e traçar acordos – mais um espaço para a dicotomia do pensamento político – e a reconciliação geral com o senso político, como o motor necessário para passos maiores e atrair para o real toda utopia vista em tela.

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Festival de Brasília: Ilha (Glenda Nicácio e Ary Rosa, 2018)

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Parabólica

Por Pedro Tavares

O primeiro encontro com Ilha é assustador. Trata-se de uma cena dada ao dispositivo, com metalinguagem arriscada e mise-en-scène frouxa. Quando há o corte para a segunda sequência, já com a câmera fixa e uma distância considerável de seus protagonistas e com sarro da linguagem, é compreensível o risco que o filme tomou para si. E assim será até o seu fim. Ilha é uma parabólica muita arrojada sobre o cinema. E mais especificamente sobre o cinema baiano.

Se Café com Canela (2017), filme anterior de Glenda Nicácio e Ary Rosa partia do controle formal como comentário social, Ilha vai a outro extremo; vai de Glauber Rocha a Roberto Pires, de Edgard Navarro a Sergio Machado e Gardenberg, nomes do cinema baiano que em suas proporções se importaram com o social, a linguagem, mercado e o alcance dos filmes ao público. Como um falso thriller que também pode ser um uma falsa história de amor ou um exercício de como a superfície pode emular ideais tão profundos quando o risco é evidente, é uma operação louvável. Nada de novo se pensarmos nos movimentos que estiveram à margem no cinema brasileiro, em especial nos anos 60 e 70, porém, ainda uma dinâmica de empatia muito acertada.

E se Ilha é essencialmente um filme de riscos, entrega as perspectivas básicas ao espectador. Manipula até mesmo a opinião de quem o vê e como reagirá – estranheza ou completo gosto. Como reflexo geral, pensamentos acerca do mercado cinematográfico, da crítica à distribuição, dos festivais à produção de filmes. Como condensamento de tantas referências e caminhos, Ilha faz do acumulo o seu método de remoção de sensações muito maiores que questões sobre sua arte; Glenda Nicácio e Ary Rosa estão muito conscientes do que podem extrair e sabem até onde podem ir com essas sensações.

Partindo do pressuposto que há o diálogo direto com o cinema dos anos 60 e 70, o cunho social de Ilha é fortíssimo seguindo o preceito básico de reflexo da sociedade; de quem é o favorecido no mercado, sem nunca dar os nomes, mas é pelo contraste que os cita – pela cor, pela postura. Está entre o deboche e um sério discurso social na mesma medida que está entre a afirmação de um filme narrativo ou um pertinente manifesto. É o caso de se rever assim que chegar em cartaz pois é possível que camadas do filme tenham passado em branco com tantas informações e tópicos pertinentes a discutir em pouco mais de 90 minutos.

Ilha é uma experiência revigorante pelo discernimento que tem de seus riscos tão agudos, sem forjar discursos sob a cortina da acessibilidade e que na medida que soma informações (sequências) declara seu amor pelo princípio, que é o de fazer e assistir filmes.

Visto no 51º Festival de Brasília.

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Festival de Brasília: Bloqueio (Victória Álvares e Quentin Delaroche, 2018)

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Por Pedro Tavares

O plano que abre Bloqueio, com a câmera na posição do carona de um carro chegando ao posto que hospeda parte de caminhoneiros em greve instiga a ideia de um documento observacional. Acompanhar uma fração da jornada de trabalhadores em ação extrema e extraordinária já seria o bastante pela urgência do ato e por ser um assunto ainda quente. A relevância do filme aumenta quando Victória Álvares e Quentin Delaroche encontram dicotomias entre filosofia e conduta neste nicho.

Nota-se que a postura dos diretores, refletida na câmera, é mudada radicalmente: ainda que as necessidades básicas para bom funcionamento da profissão sejam pautadas por eles, o que ganha destaque é como a falta de esperança leva muitos desses homens a soluções curiosas. A faixa que pede intervenção militar no meio de duas rodovias é o símbolo máximo – entre dois caminhos, um pedido. Muitos desses profissionais param seus discursos para adorar a Deus com cânticos e orações. Também não escondem o desejo de uma solução oriunda de um regime militar, mesmo com um tratamento frio e protocolar do exército quando os aborda. A filosofia rivaliza com a prática da greve e este é o norte de Bloqueio.

É importante lembrar do contexto histórico que embala o filme: se um caminhoneiro afirma que não há suporte de partidos ou sindicatos, busca a genuinidade do ato. É uma dinâmica anti-capital que coloca suas esperanças em instituições que em geral apoiam aqueles que boicotam as necessidades básicas destes trabalhadores. A incoerência leva a cenas muito curiosas como o debate entre uma professora mais interessada em postar suas razões no Facebook e um caminhoneiro que defende a ditadura. Ambos se interessam em apenas concordar ou discordar e pouco argumentam. A presença de tanques de guerra para selfies também é um momento ímpar do filme entre pedidos de melhorias de condições de trabalho para a classe.

Concomitantes, a luta pela concentração no que realmente importa – a greve – e a irresistível opção de levar costumes à ação mais básica mostram um perfil interessante do brasileiro de maneira geral; independente de onde esteja, a presença do pão e do circo é necessária. Reverbera aqui a história recente do Brasil como uma sombra. Concentrar-se em um só ato é inviável e remete a exemplos esdrúxulos como a dança de um grupo de manifestantes que pedia o impeachment de Dilma Rousseff ou a intrusão político-religiosa nas manifestações de 2013. A entronização de Lula e Bolsonaro (muito claras no filme) como supostas soluções também estão neste cardápio curioso de saídas.

Bloqueio é um invariável panorama social e comportamental iniciado em 2013 e que entre altos e baixos constrói uma consciência política mais aguda nos brasileiros. Segundo os caminhoneiros, é uma ação a parte e que em nada dialoga com qualquer outra manifestação, mas é evidente que suas fissuras exibem intenções que possibilitam a noção de um país dividido e de interesses distintos.

Visto no 51º Festival de Brasília.

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Festival de Brasília: Excelentíssimos (Douglas Duarte, 2018)

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O Lamento

Por Pedro Tavares

Em abril de 2001, durante a 1ª Conferencial Internacional do Documentário, em conversa com alunos e professores sobre produção de documentários, o diretor, editor e autor Michael Rabiger disse: “(…) Vocês percebem que continuo a usar a palavra ‘dramático’? É por que acredito que todas as histórias – ficcionais ou documentais – envolvem um drama”. A afirmação de Rabiger cabe muito bem como cisão entre Excelentíssimos e seu filme-irmão, O Processo, de Maria Augusta Ramos. O filme de Maria é focado no transcurso enquanto registra um lado da história, aquele que invariavelmente responderá e se defenderá de acusações e que desemboca no impeachment de Dilma Rousseff. Já Excelentíssimos, dirigido por Douglas Duarte, é a construção dramática do mesmo lado observado por Maria Augusta Ramos enquanto constata o teatro da banda oposta.

Como a polarização é inevitável, Excelentíssimos não se priva de ir de uma banda a outra, ainda que seu foco seja na causa e efeito – ou ação e reação. Douglas usa de diversos artifícios formais e é bem sucedido em todos, e seu grande impacto está, como em seu filme-irmão, no caráter observacional. O picadeiro está pronto e os artistas em ação. O registro do que parece inconcebível – de cultos no senado às ameaças de morte e propaganda pessoal com auxílio de selfies são armas de operação política e também atuação do que se julga correto. Estas ações que fogem ao bom gosto reafirmam o que já é sabido: a alteração generalizada de interesses e como a corruptela está estabelecida no planalto e factoides serão eixos importantíssimos para cada jogada política.

Excelentíssimos obedece à cartilha do drama, com a construção da vilania, mesmo que espaçada. A julgar que a figura de Jair Bolsonaro se apresenta pela metade do filme e Aécio Neves é mais um fantasma que sócio daqueles que, segundo o filme, tramaram para a queda de Dilma Rousseff. Na medida em que o encadeamento de fatos é mostrado, o filme se encoraja em ser folclórico, afinal, as ações são mais agudas e os interesses mais explícitos, a exemplo da sessão de votação que sacramentou o afastamento da presidenta, no qual a montagem do filme é muito eficiente em exibir a “festa” da democracia. Com aspas, pois os interesses são políticos e não de justiça conforme afirmações vistas no filme.

A somar com O Processo, temos recortes da mesma cerimonia por vieses distintos e formalismos que se assemelham por boa parte do tempo. São recortes longos e árduos, porém muito necessários para a compreensão do estado em que vivemos. Logicamente ambos passarão por questões de ética a pensar que são filmes que podem, com a presença da câmera, modificar a noção do real até mesmo para aqueles que são filmados – a mudança de comportamento, palavras, etc. No caso de Excelentíssimos, Douglas Duarte tem o respaldo das imagens de arquivo na construção deste mosaico pessimista do Brasil. Sua câmera invade e justifica o porquê. E quando o faz, raramente tira alguma palavra de seus personagens; ela é mais uma ferramenta na divisão filmagem-montagem, no qual Douglas dá funções distintas a elas. Observação e investigação justificam o filme, mas chegam a uma única e aguda conclusão sobre o nosso futuro de trevas.

Visto no 51º Festival de Brasília

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Festival de Brasília: Elegia de Um Crime (Cristiano Burlan, 2018)

elegia de um crime filme

Dê à câmera um filme

Por Pedro Tavares

Em certo momento de Elegia de Um Crime, Cristiano Burlan, diretor e protagonista na posição de investigador e emulador da câmera, diz que só consegue realizar filmes como forma de vingança. Aí está o ponto principal da trilogia do luto: como a realidade o serve melhor, portanto. Elegia de Um Crime encerra uma trinca que investiga as mortes de pai, irmão e mãe do diretor, respectivamente. É notável que a partir deste raciocínio o filme só tenha a ganhar na medida em que Burlan só tem a perder.

Elegia de Um Crime, portanto, é um thriller investigativo antes mesmo de um documentário sobre sua família. Apresenta seus personagens, rumina o crime e seus desdobramentos e vai atrás do desfecho. Nos primeiros planos de filme Burlan exibe a noção do macro: tenta, via telefone, iniciar a busca pelo assassino e é embarreirado pela burocracia. Quebra, portanto, o fluxo de uma narrativa de escusas a favor do ritmo e a conduz com a realidade. Involuntariamente, o diretor é incorporado a um enredo tipicamente brasileiro – a cultura da tragédia, nossa destreza para resolver interesses pessoais e principalmente como todos estamos entregues à insegurança. É uma forma expositiva de deslegitimar a ideia de filmes como vingança e se aproximar do ideal realista que o documentário propõe.

O compromisso de Burlan é com sua família e é dela que tira os momentos mais expressivos do filme, porém é inevitável que se construa um contraponto na análise do todo: para toda ternura e lamento que  Burlan registra com sua família, há um mundo nada receptivo além das grades. A invasão deste mundo para dentro do cômodo familiar se dá numa espécie de reconstituição que a câmera e seu emulador se recusam a completar. É o inevitável envolvimento do protagonista com sua história. Curiosamente, há um momento no qual é nítido o desconforto de Burlan para “atuar”, atestando a duplicidade que o filme carrega.

Elegia de Um Crime por mais que se recuse, faz da morte entre suas articulações o mote para um panorama da iniquidade que rege o país; Burlan é o iconoclasta de gêneros e o híbrido o símbolo de um antagonismo referente ao assunto. Quanto mais se busca em Elegia de Um Crime, menos se acha, pois sua mensagem está estipulada já nos primeiros quadros. Tampouco um thriller ou um documentário. O filme começa na utopia e se prolongará nela. Não se trata de um maneirismo, tampouco desobediência à procura de justificativa – é um reflexo comum a todos na busca pelo inalcançável, ou seja, pela justiça.

Visto no 51º Festival de Brasília

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Festival de Brasília: Los Silencios (Beatriz Seigner, 2018)

los silencios

Interpelar o presente

Por Pedro Tavares

Um filme quimérico para promessas dolosas. Los Silencios é despudorado sobre suas intenções diretas. Apropria-se do real como suporte principal de seu comentário, um lamento sobre a ausência em múltiplos pontos, especialmente o político. Não se trata da facilidade de falar sobre escassez pela sensação, mas inclinar a câmera sobre ela.

Curiosamente corre o sério risco de associação ou mimetismo aos filmes recentes de Apichatpong Weerasethakul ou Carlos Reygadas por sua abordagem onírica, porém Los Silencios aborta a poesia concreta como forma de anotação social ou circuito da memória latina – ainda que aqui caiba a ressonância de um século de crises e exílio; os silêncios são presenças-chave, físicas, que ganham diferentes significados em suas aparições. Com esta lógica alegórica, o que o filme faz é interpelar o presente a partir do inconformismo. Um tipo não agudo, mais próximo da lamúria que da ação propriamente dita.

Portanto, partir desta dicotomia guarda a moral ao espectador: estar de costas para sua matéria-prima pode ser um ato político, ainda que a comunhão seja exterminada, a relação se dá no espaço entre eles. A superfície que permite abordagens múltiplas, ir de um polo a outro e não cumprir o que está configurado para filmes essencialmente políticos. Na mesma medida em que se está na utopia, também estaremos na mais desgarrada realidade. É um filme ciente de sua pré-existência em outras mãos. O reorganizar por Beatriz Seigner é pela fábula, mesmo que seja o conto que explicará o pesar para todo um povo – aqui representado por uma criança.

Ainda que os problemas de articulação sejam evidentes neste espaço provocativo e que por vezes esteja interessado mais na ambiguidade nítida deste mundo recriado – quando as interferências dão muito mais resultados -, Los Silencios reforça a ideia de mundo em decadência. Feito para seguirmos obedientemente suas associações e correlações como forma de recapitulação geral: a fábula da agonia e a visualização de desejos que invariavelmente serão frustrados, afinal, se cabe o século passado neste filme, logo estaremos diante de mais um desencanto.

Visto no 51º Festival de Brasília

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51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro

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Textos por Pedro Tavares

BIXA TRAVESTY (Claudia Priscilla e Kiko Goifman)

TEMPORADA (André Novais Oliveira)

INFERNINHO (Guto Parente e Pedro Diógenes)

OS SONÂMBULOS (Tiago Mata Machado)

ILHA (Glenda Nicácio e Ary Rosa)

OS JOVENS BAUMANN (Bruna Carvalho Almeida)

BLOQUEIO (Victória Alves e Quentin Delaroche)

CALYPSO (Rodrigo Lima e Lucas Parente)

O PEQUENO MAL (Lucas Camargo de Barros e Nicolas Thomé Zetune)

EXCELENTÍSSIMOS (Douglas Duarte)

LOS SILENCIOS (Beatriz Seigner)

ELEGIA DE UM CRIME (Cristiano Burlan)

DIAS VAZIOS (Robney Bruno Almeida)

LEMBRO MAIS DOS CORVOS (Gustavo Vinagre)

SOL ALEGRIA (Tavinho Teixeira) por Felipe Leal

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