Festival de Brasília: Inferninho (Guto Parente e Pedro Diógenes, 2018)

inferninho

Brasil em plano fixo

Por Pedro Tavares

Em A 15a Pedra, conversa entre Manoel de Oliveira e João Bénard da Costa filmada por Rita Azevedo Gomes, o diretor de Aniki Bóbó fala a respeito do plano estático como a objetividade do cinema. Para não filmar de todos os ângulos possíveis, a câmera fixa sempre será a melhor opção para amalgamar um sentido concreto à sequência. Esta é uma escolha prevalecente no cinema de Guto Parente após a trinca de longas-metragens em parceria com os irmãos Pretti. Em parceria com Pedro Diógenes, com quem dirigiu o essencial Doce Amianto, Guto Parente reconfigura os signos de Amianto para um desenho mais melancólico do microcosmo explorado em Inferninho.

A ideia do inferninho como um cabaré de quinta categoria espelha nos costumes e trejeitos brasileiros do dia-a-dia e resume a noção de uma sitcom – uma família desjeitosa, uma locação chave, mudanças de rumo a partir da chegada de personagens estrangeiros, etc. Guto e Pedro transfiguram este suporte para um drama de sutilezas que remete a Fassbinder em diversos momentos. Entre o escracho e o arthouse, Inferninho é um compendio para a empatia; através de situações que emulam signos comuns aos brasileiros – a expatriação, extorsão, dívidas, etc. – Guto e Pedro jogam seu filme na bifurcação da comédia ou do drama sempre em ampliação. Há a básica incumbência de contar um conto, mas o exercício se resume à árdua tarefa de trazer o filme para si; em momentos em que o chroma key é a chave para a comunicação (como Brisseau, já lembrado por Guto em A Misteriosa Morte de Pérola) percebe-se as reais intenções de Guto e Pedro. O rir para não chorar, a compreensão de uma melancolia entranhada na novela do dia-a-dia.

Este raciocínio se recebe em pés de antagonismo: Inferninho para e vê um monólogo (é monólogo imposto pela câmera, pois se trata realmente de uma conversa entre dois personagens). Um expurgo carregado de emoção que transparece de vez as contradições do macro e não do micro que está na tela. A tristeza em quem esbanja alegria, a ostentação de quem não tem como pagar as contas e, de forma mais direta, o filme de arte que ninguém entende. Eis o Brasil no plano fixo. O objetivo, como diz Manoel de Oliveira, é amalgamar; se muito exploraram a cultura popular como artificio narrativo, este filme é um contrapeso necessário ao narrar o país.

Nesta sutileza que Fassbinder é invocado, o de Fox and His Friends, no lamento e na declaração de amor concomitantes que Guto e Pedro rebatem na tecla de Doce Amianto, filme muito mais direto sobre sua tristeza. Em Inferninho há na empatia uma porção de esperança e no clamor pela segunda vida, o luto. Da certeza que não haverá outra chance, o escárnio sempre será uma saída viável.

Visto no 51º Festival de Brasília.

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