Vermelha (Getúlio Ribeiro, 2019)

vermelha getúlio ribeiro

A grande novela masculina

O resgate da identidade da Mostra Aurora durante a 22ª Mostra de Cinema de Tiradentes veio como um óvni: Vermelha, na medida em que remete às obras que regeram o cinema nacional contemporâneo e que confirmaram a força do evento nos últimos anos, tem particularidades inerentes a este cinema, enquanto boa parte dos filmes até então se entregavam à oralidade e a força da palavra, o filme de Getúlio Ribeiro entrega-se ao cotidiano com propostas coligadas a este tipo de cinema.

A principal estranheza de Vermelha vem na forma: duas metades, a primeira, inclinada a enxugar ações e planos, como ode ao cancioneiro masculino e ao imaginário feminino – as novelas, vindas em capítulos e que constroem seus mistérios pela montagem em blocos, com ações incompletas submissas ao corte. A segunda metade segue o caminho oposto, as cenas são elásticas, seus personagens vêm e vão como num teatro do cotidiano, no qual o bairro filmado serve como um espaço muito útil de representação da intimidade além dos muros – ou melhor, do telhado.

Outro relevante detalhe é como Getúlio deixa os comentários para o seu dispositivo. A câmera, verdadeira dona da casa, que passeia por todos os cômodos com liberdade, tece os comentários sempre bem humorados sobre esta família; é como uma sombra que assiste a TV, escuta música sertaneja e acompanha os jogos de futebol. Este é um detalhe muito importante para o filme e que remete a uma parcela importante para a Mostra de Cinema de Tiradentes, que é o bloco de filmes feitos pela produtora Filmes de Plástico, em especial os filmes de André Novais Oliveira, da união do humor ao cinema de gênero, sempre interligados à rotina como uma grande ponderação que envolve discursos pessoais sui generis.

Vermelha, antes de tudo, é um filme sobre a falta de contato, sobre o afeto fantasma, que homens e mulheres não se encontram, mas são sempre citados, pela certeza do não dito numa barreira que o cotidiano coloca a ponto de uma briga ser banalizada e o filme resolvê-la com deboche – uma das grandes cenas do filme. Portanto, aqui pouco importa a estirpe de cada personagem: o que importa a Getúlio Ribeiro é a apresentação mais pura de cada um deles, longe de uma capa de adjetivos e sim mais próximos da possibilidade de mutação entre as cenas, de humor e postura voláteis e como eles afetam o dia-a-dia. Da força do abraço ao silêncio cortante, o lado humano pulsa fortemente.

Visto na 22ª Mostra de Cinema de Tiradentes

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