21 Reflexões Sobre Criatividade e Cinema no Século XXI

Por Daniel Fawcett & Clara Pais

PLOT POINTS 2019 Daniel Fawcett & Clara Pais

1_As ferramentas para a criação de filmes foram inventadas há menos de 130 anos, esta arte é ainda muito jovem. Ainda que muitos territórios tenham sido já explorados, alguns mesmo inteiramente ocupados, existem ainda muitas terras a explorar, inúmeras ilhas secretas, florestas escondidas e mares incógnitos. Artistas cineastas têm de ser como exploradores, partindo para o desconhecido com apenas a sua intuição como guia.

2_A história do cinema começa nas cavernas dos nossos antepassados, a linguagem das imagens em movimento está conosco desde o início dos tempos. Ao longo da história humana houveram várias tentativas para criar ferramentas que pudessem articular esta linguagem, mas foi apenas com a invenção do cinematógrafo e da película de celuloide que a gramática díspar das imagens em movimento se fundiu finalmente numa só arte.

3_A história do cinema está profundamente entrelaçada com a película celuloide, mas o cinema é mais do que película. Por mais bela e magnífica que seja, também foi ela responsável por escravizar o cinema ao poder financeiro e restringi-lo à dominação de uma elite econômica, industrial e intelectual. Felizmente o reino do cinema de celuloide foi curto e agora com a invenção do vídeo digital o cinema é livre.

4_A libertação do cinema graças à invenção de ferramentas digitais é também a libertação da película, livre de nunca mais carregar às costas o peso de todo o cinema possível. A película é material e os seus mistérios são revelados no impacto da luz na matéria; o digital é imaterial e os seus segredos materializam-se através da misteriosa linguagem de Um e Zero. Zero, o grande potencial, e Um, a centelha da criação.

5_O propósito de uma forma de arte é ser livre, as suas ferramentas têm de ser acessíveis a qualquer pessoa, de qualquer parte, que sinta a vocação de criar e esteja pronta a segui-la. O cinema está finalmente numa situação em que é livre e acessível a qualquer um, a despeito da sua situação econômica, do seu nível de educação ou da sua habilidade técnica; agora podemos começar a ver a realização do potencial do cinema como forma de arte.

6_Há quem acredite que todas as histórias já foram contadas, todas as invenções e avanços tecnológicos concretizados, e todas as ideias já esgotadas – estas pessoas estão apenas a expressar os limites da sua própria imaginação, dizer que “tudo já foi feito” só revela que aquele que fala não consegue ver nada mais do que aquilo que já existe. Esses não falam por todos. A criatividade continuará sempre a abrir portas para o desconhecido.

7_Embora seja crença comum de que filme e vídeo são meios de documentação, a criação de filmes não é um processo suficientemente objectivo para que seja uma ferramenta verdadeiramente científica – o seu verdadeiro propósito é dar forma a sonhos e visões. Ser ao mesmo tempo apresentação de uma fantasia e ativação da imaginação. Nenhum documento filmado consegue escapar ao processo de transmutação da realidade em fantasia, numa fração de segundo a captura de imagens dá à luz uma nova realidade, uma realidade visionária da imagem filmada.

8_O trabalho diário de um artista é desenvolver a sua arte. Procure ter o maior número possível de ferramentas criativas à sua disposição para melhor servir as imagens que procuram materializar-se através de si. Trabalhe o seu cinema e deixe o cinema trabalhar em si; talento e habilidade são formas de existir.

9_Siga o seu instinto criativo e todos os filmes que fizer serão um sucesso. Como pode um filme falhar quando o seu único propósito é materializar a sua própria existência?

10_É necessário uma nova linguagem para falar de narrativa, a divisão simplista de narrativa/não-narrativa não é suficiente – todo o cinema é narrativo: tem um início, um fim e entre os dois existe movimento. É necessário um maior leque de descrições para as várias abordagens às formas narrativas.

11_É hora de vermos o cinema a partir de uma perspectiva não-hierárquica, todos os filmes nascem iguais, sejam industriais, artesanais, pessoais e tudo o mais. Por exemplo, num sentido geral não há qualquer diferença de valor entre um filme de Jonas Mekas e um filme de Steven Spielberg, ambos existem, é claro, como extremos opostos de um sistema industrial, mas fundamentalmente ambos são apenas uma série de imagens estáticas que criam a ilusão de movimento. Ambos são ingeridos pela consciência de cada espectador e cada um terá um significado diferente para cada pessoa.

12_Cinema é uma experiência em primeira pessoa, o seu valor vem do impacto que cada filme tem em cada indivíduo. Não podemos saber nem antecipar como um filme será recebido por cada espectador, devemos confiar em cada um para encontrar o seu próprio caminho e encorajar todos a dar valor à sua experiência pessoal.

13_O que devemos defender é a liberdade de existir de todo e qualquer filme, mesmo os filmes de que não gostemos pessoalmente, não deve existir um monopólio na cultura. Como artistas e amantes da criatividade humana devemos trabalhar para iluminar e dar valor aos cantos do cinema que são esquecidos e ignorados.

14_A produção de filmes é agora mais fácil do que nunca, a grande luta do momento é exibição. O contexto em que um filme é exibido é integral à experiência e significado do filme, devemos refletir seriamente sobre o contexto apropriado para a exibição de cada filme. Alguns filmes funcionam bem na internet ou em ecrãs domésticos, outros necessitam de uma grande tela e uma sala escura, outros adequam-se ao formato de loop na parede de uma galeria – não existe uma regra única, mas para cada filme existe a forma correta de exibição.

15_Para onde quer que olhemos existem imagens em movimento, muitos de nós trazemos conosco um ecrã para toda a parte. O impacto que isto terá na consciência humana é ainda incerto, mas o que é certo é que temos fome de imagens com significado, imagens vivas que falem diretamente às profundezas do nosso ser. O nosso trabalho como artistas é criar com fervor aquilo que sentimos urgentemente, não se atraiçoe a si nem a outros com truques fáceis e expressões baratas. Faça apenas o filme que lhe diz algo profundamente, o filme que tem de existir e que só você pode materializar.

16_Se realmente se importa com o público, comece por fazer arte para si. Pensar que sabemos o que o público quer ou precisa é um crime contra a liberdade. Não procure manipular e não caia no erro de pensar que sabe o que é melhor para outra pessoa.

17_O sistema industrial do cinema impôs uma classificação de identidade nacional a cada filme mas como artistas devemos cultivar uma atitude internacional. Todos nascemos e vivemos em determinado sítio que terá impacto em nós e no trabalho que fazemos, mas o nosso verdadeiro país é a criatividade, a nossa língua comum é a linguagem das imagens em movimento e temos de rejeitar ser ferramenta de nacionalismos. Em vez de construir muros à volta dos nossos filmes, devemos procurar expandir através deles os limites da nossa identidade pessoal.

18_Tomemos consciência de que todos nós contribuímos continuamente para a história da humanidade, não temos de rejeitar o passado, não temos de derrotar o que se passou antes de nós, mas sim participar na mutação constante e gradual da consciência humana. O papel de todo o artista é trazer à consciência, através da condição de si mesmo, imagens que são expressões do eterno nos trajes do presente.

19_Como artistas temos de trabalhar com as condições do nosso tempo e temos de encontrar maneira de sobreviver na sociedade e época em que vivemos. Não há nunca uma resposta feita para este problema mas perante todas as opções – no calor da luta – seja forte e se sente que algo não é certo para si então procure outra solução, há sempre outro caminho à espera, feito à sua medida. Se algo de que precisa não existe, então tem de criar você mesmo.

20_Um artista não é um político ou um jornalista, arte não é sobre comentário social ou propaganda. Siga outro caminho, ofereça algo mais valioso do que declarações políticas, partilhe com o espectador o seu coração e alma, dê-lhe os mais ricos dons do seu espírito. Cada ser humano é único, cada um de nós é uma manifestação totalmente única de matéria e energia, nunca antes houve ninguém como você e nunca mais haverá. Celebre isto, inspire cada espectador a ir em busca de si mesmo e dê o exemplo.

21_Se não conseguir decidir, avance. Se sentir medo, aceite-o. Se bloquear, renda-se. Se se perder, continue. Se se cansar, descanse. Se sentir energia, actue. Se se inspirar, regozije-se. Se estiver criando, escute bem. Se o desastre bater à porta, recomece. Se receber críticas, diga sim e continue o trabalho. Se receber aplausos, diga sim e continue o trabalho. Se tiver necessidade, ofereça. Se estiver em dúvida, receba. E em todos os momentos, faça aquilo que só você pode fazer, procure realizar o potencial da sua singularidade, e celebre-a também em todos os outros.

Daniel Fawcett & Clara Pais criam imagens em movimento para cinema e galeria, longas-metragens, performance e publicações. Descubra mais: www.daniel-clara.co.uk

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