Festival de Brasília: Ilha (Glenda Nicácio e Ary Rosa, 2018)

ilha ary rosa

Parabólica

Por Pedro Tavares

O primeiro encontro com Ilha é assustador. Trata-se de uma cena dada ao dispositivo, com metalinguagem arriscada e mise-en-scène frouxa. Quando há o corte para a segunda sequência, já com a câmera fixa e uma distância considerável de seus protagonistas e com sarro da linguagem, é compreensível o risco que o filme tomou para si. E assim será até o seu fim. Ilha é uma parabólica muita arrojada sobre o cinema. E mais especificamente sobre o cinema baiano.

Se Café com Canela (2017), filme anterior de Glenda Nicácio e Ary Rosa partia do controle formal como comentário social, Ilha vai a outro extremo; vai de Glauber Rocha a Roberto Pires, de Edgard Navarro a Sergio Machado e Gardenberg, nomes do cinema baiano que em suas proporções se importaram com o social, a linguagem, mercado e o alcance dos filmes ao público. Como um falso thriller que também pode ser um uma falsa história de amor ou um exercício de como a superfície pode emular ideais tão profundos quando o risco é evidente, é uma operação louvável. Nada de novo se pensarmos nos movimentos que estiveram à margem no cinema brasileiro, em especial nos anos 60 e 70, porém, ainda uma dinâmica de empatia muito acertada.

E se Ilha é essencialmente um filme de riscos, entrega as perspectivas básicas ao espectador. Manipula até mesmo a opinião de quem o vê e como reagirá – estranheza ou completo gosto. Como reflexo geral, pensamentos acerca do mercado cinematográfico, da crítica à distribuição, dos festivais à produção de filmes. Como condensamento de tantas referências e caminhos, Ilha faz do acumulo o seu método de remoção de sensações muito maiores que questões sobre sua arte; Glenda Nicácio e Ary Rosa estão muito conscientes do que podem extrair e sabem até onde podem ir com essas sensações.

Partindo do pressuposto que há o diálogo direto com o cinema dos anos 60 e 70, o cunho social de Ilha é fortíssimo seguindo o preceito básico de reflexo da sociedade; de quem é o favorecido no mercado, sem nunca dar os nomes, mas é pelo contraste que os cita – pela cor, pela postura. Está entre o deboche e um sério discurso social na mesma medida que está entre a afirmação de um filme narrativo ou um pertinente manifesto. É o caso de se rever assim que chegar em cartaz pois é possível que camadas do filme tenham passado em branco com tantas informações e tópicos pertinentes a discutir em pouco mais de 90 minutos.

Ilha é uma experiência revigorante pelo discernimento que tem de seus riscos tão agudos, sem forjar discursos sob a cortina da acessibilidade e que na medida que soma informações (sequências) declara seu amor pelo princípio, que é o de fazer e assistir filmes.

Visto no 51º Festival de Brasília.

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