O Exilado (Max Ophüls, 1947)

Por Fernando Mendonça

Guardadas as proporções autobiográficas que O Exilado nutre para com seu diretor (temos aqui uma trama onde o rei de uma nação exila-se fora de seu país, curiosamente narrada por um cineasta que precisou fugir da Alemanha nazista), o primeiro trabalho de Max Ophüls em território americano justifica todas as dificuldades enfrentadas por ele no período dos sete anos precedentes, aqueles em que fora impedido de assinar integralmente qualquer projeto cinematográfico.

Talvez como nunca, Ophüls exacerbe sua técnica como um motivo total, justificativa única dos fins permitidos pela produção. Pois promover o nome de Douglas Fairbanks Jr. (quem estrela, co-escreve e produz o filme), dentre todas as desculpas procuradas para uma filmagem, talvez tenha sido a mais vil encontrada pelo cineasta exilado e, com certeza, a melhor contornada, escamoteada, trapaceada pela soberania da mise en scène.

Qualquer eficiência conseguida nas cenas românticas ou de aventura, mais que abundantes, fica em segundo plano se comparada ao verdadeiro triunfo alcançado na construção das atmosferas que estas cenas exigem. São pretextos, situações estampadas para evidenciar algo que as excede, pela câmera, pela concentração dos meios, pela sagacidade de um saber colocar em cena. Não é por acaso que toda a ambientação do filme seja fake (ainda que isso possa ter advindo dos economizados investimentos); dos cenários aos figurinos falsos, da superfície e dos superficiais diálogos, todos os elementos que poderiam enfraquecer O Exilado conspiram por uma unidade que só se consuma pelo vigor de um movimento interno, autônomo, unicamente vinculado ao olhar criativo de seu diretor.

É nas fraquezas de um orçamento e na semelhança aos recursos de outros autores do período — Lang, mais um expatriado geográfico; Welles, um expatriado cinematográfico — que Ophüls encontra a liberdade que nunca tivera, arquitetando um cinema que se afirma enquanto ilusão, e que disso extrai toda a virtualidade necessária ao reflexo exato do real. O êxito no tratamento da profundidade de campo, por exemplo, encaixa-se perfeitamente nas leituras que Bazin fazia naquela época sobre este tipo de composição: um artifício que expõe a ambigüidade do real a ponto de torná-lo mais complexo e atualizado, pois mediado pela câmera e vontade do realizador.

Tudo fica muito claro nos poucos minutos em que Ophüls torna a presença de Maria Montez um interesse central ao filme, os quais confirmam a impressão de que o cinema só se completa para ele quando uma mulher é filmada. Montez surge claramente como um ornamento de luxo, importante apenas para o sucesso de O Exilado nas bilheterias; sua participação é ínfima e pouco decisiva para a progressão do enredo. Mas o que seria o cinema de Ophüls senão uma conscientização do ornamento, do movimento decorativo? Foi Peter Ustinov quem declarou:

Ele era o mais introspectivo dos diretores, um relojoeiro cuja única ambição é fazer o menor relógio do mundo e em seguida, em um súbito rasgo de perversidade, vai colocá-lo no alto de uma catedral.

O único problema de O Exilado estaria na impossibilidade de Ophüls em escalar esta catedral (uma perspectiva não-humana), tendo que abandonar seu relógio no chão desta, à vista de todos. Mas considerando a aglomeração permitida por esta altura (humana) do olhar, há que se considerar outra variação da perversidade, aquela que compreende do público tudo que ele deseja, mas que lhe entrega, pelo excesso, muito mais do que é possível desejar ou mesmo satisfazer, algo que está lá para ser visto, mas que se esconde, que engana. Este cinema que precisa fugir para sobreviver.

Filmes citados

O Exilado [The Exile; EUA, 1947], de Max Ophüls. 95 min.

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