Entrevista – Lucas Ferraço Nassif

Por Virgilio Souza

A exibição de Being Boring foi um dos acontecimentos mais interessantes da 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes. Escalado para a madrugada de sexta para sábado no último fim de semana do evento, o musical/experimental de Lucas Ferraço Nassif parecia buscar um lugar distinto na programação, firmando bases na temática central do festival, espaços em conflito. A sala, com algumas fileiras de cadeiras a menos para que o público pudesse transitar de maneira mais livre durante a projeção, se transformou como em poucas outras oportunidades. Na plateia, quase pista de dança, espectadores dançaram, tocaram a tela e, alimentados pelo filme, construíram um fenômeno que deslocava o autor e, em muitos sentidos, punha em questão concepções de cinema das mais sortidas. Entrevistamos o cineasta no dia seguinte, ainda sob o impacto da sessão.

Como sua formação em cinema se relaciona com o processo de feitura do filme?

O que acontece com o Being Boring e com minha própria maneira de fazer cinema parte de um incômodo que é também de ter feito faculdade de cinema. É uma coisa de que eu me arrependo muito às vezes.

Em que sentido?

Eu achava aquilo tudo muito chato. O esquema de produção, as relações de trabalho, a forma como as pessoas lidavam umas com as outras, como tinham que fazer o pitching de um projeto para que ele existisse, mas aí acabavam tendo que fazer o roteiro de alguém que achavam muito ruim. Muitas vezes era algo pobre no campo da expressão, da possibilidade de fazer de outro jeito. Me parecia que esse lugar não era muito questionado. Na verdade, estava todo mundo lutando por aquele poder que já estava estabelecido, e isso ainda aparece quando a gente vai a festivais de cinema. Existe um esquema, um dinheiro que você precisa ganhar, e é muito bacana ganhar muito dinheiro — quer dizer, muito entre aspas, porque não é tanto, mas, se a gente for parar para pensar, certos filmes têm muito mais do que precisavam. Então me cansava muito isso, como me cansava ver as pessoas fazendo Catarse, por exemplo. Apesar de o crowdfunding ser uma outra maneira de juntar grana, eu pensava no porquê de fazer essa coisa gigante, sendo que é possível pensar de outra forma. E é claro que os roteiros que essas pessoas fazem são mais elaborados. Não em si, mas são maiores e talvez um pouco mais pretensiosos, tentam psicanalizar os personagens o tempo inteiro, essas coisas meio cafonas.

E como o Being Boring entra nisso?

A proposta do Being Boring já vinha dos curtas que eu fiz. Na verdade eu já tinha dois longas que nunca foram passados. Eles existem no meu computador e é isso. Mas a proposta era de pensar em um esquema de produção possível, sem grana, tendo que fazer em uma noite, porque era quando a gente podia se encontrar. Aí começamos a pensar a partir de música. Eu convidei a Bárbara [Bergmaschi], que é super boa fotógrafa e muito dedicada, e ela topou. Convidei a Andrea [Pech] e o Bráulio [Cruz] para atuarem, porque já tinha uma ideia de trabalhar com os dois juntos. Ele era o cara que estava comigo nos curtas, sempre fazia os roteiros, a gente meio que terminava juntos — e na verdade não é um roteiro, é quase um texto corrido. Nos encontramos umas três vezes antes, eu propus fazer um filme em que a Andrea ficasse dançando na sala o tempo inteiro, e a ideia original era que se chamasse Massive Attack.

Então partiu de outra referência na música?

A música se encaixa no conceito, mas a origem é mesmo esse incômodo com o esquema de produção. Como reduzir os gastos e fazer um cinema pobre que não é pobre simbolicamente, só no sentido de não ter grana. Nós nos juntamos ao Antonio [Pedro de Barros], que é meu namorado e que participa muito dessas coisas, é creditado como roteirista também, e, conversando, vimos que Massive Attack era muito pouco comunicável. E o Pet Shop Boys tem aquela coisa das letras, do queer, desse melancólico que é alegre, do título [primeira faixa do álbum Behaviour, de 1990, que embala todo o filme]. Pensamos na encenação e marcamos um dia para filmar. Na ideia original a Andrea e o Bráulio leem cartas um para o outro. Eles escreveram, foi filmado, mas na montagem não fazia sentido, ficava muito fechadinho e a gente queria uma coisa mais solta, porque acho que as pessoas entram mais no filme. Eu fiquei muito impressionado ontem, abismado mesmo, porque é muito louco tentar fazer um cinema diferente. E não é porque somos especiais, nada disso. Não é esse papo furado. Alguém falou comigo ontem: “Vocês são…”, aquela palavra com P?

Pretensiosos.

Isso. Eu acho que não é nada pretensioso. Tem muito menos pretensão aí do que ir no Catarse e pedir cinco, dez mil reais pra fazer. Ou criar um personagem e decidir que ele é assim, fala assim etc. De alguma maneira é minha forma de dizer que não sei ainda se consigo escrever um roteiro. Eu queria um dia poder fazer Mad Man, saber fazer personagem, mas nesse momento talvez eu não consiga. É também um caminho de aprendizado. Tem gente que consegue. Eu vejo os filmes do Leonardo Mouramateus e acho aquilo lindo. Não vi o último [História de uma Pena, 2015], que passou na Semana dos Realizadores, porque era no dia do meu aniversário. A Festa e os Cães é muito bom. É muito bem feito, com personagens muito bem escritos. Mas é isso: ele existe lá e faz essas coisas, eu existo aqui e faço as minhas, e tem gente fazendo outras. Talvez um dia eu faça algo mais por aí, mas nesse momento não conseguiria escrever personagens. Eu preciso encontrar outras bases, outras estruturas para conseguir criar.

A linha narrativa surge das cartas? [Andrea dança, Bráulio observa do sofá, parece haver um flerte que se estende pelo filme]

As cartas eram lindas, serviram muito bem para a preparação dos dois, mas fechavam a narrativa muito mal. Quebravam na montagem, não se encaixavam. Mas não dá pra ignorar que tem uma questão de gênero aí. Se tem homem e mulher em cena, as pessoas já tendem a achar que vai rolar um beijo, mais do que se fossem dois homens ou duas mulheres. O próximo filme que a gente rodou, logo depois do Being Boring, tem duas mulheres, justamente porque eu fiquei incomodado com esse lugar meio óbvio de uma relação de amor entre homem e mulher. Mas aqui é diferente, porque se ela está o tempo inteiro com muita energia, ele está meio acuado — não é o homem heteronormativo, e é uma mulher muito empoderada. Cai nesse lugar em que você não entende aquela relação.

É uma relação também de corpos. Ela de pé, ele sentado.

Muita gente poderia pensar que ela estava sendo meio odalisca, lap dancing, mas isso não acontece. Se você ler a sinopse, pode, eventualmente, projetar essa ideia, mas no filme não tem nada disso. Ela é muito forte, não está vulnerável em momento algum. Ele é a pessoa vulnerável. Ontem, eu fiquei muito impressionado porque as pessoas amaram o Bráulio, criaram uma relação muito legal com o fato de que ele olha pra câmera. É aí que eu acho que o filme deixa de ser só ficção e passa a ser documentário da própria feitura. Eu apareço ali também, mas não sei por que me deixar aparecer ou por que deixar a câmera aparecer. São mil referências, desde o quanto Grey Gardens foi importante pra mim, em todo o cinema que eu adoro. A narrativa sai desses dois atores, e o público é fundamental ali. Ele quebra a parede o tempo todo, ela olha às vezes. Quando se delimitam movimentos dessa forma, os atores não têm muito o que fazer.

É o que acontece quando ele olha pra cima da câmera, para quem opera a câmera?

A partir das nossas conversas, ele olha já sabendo que ele tem pouco a fazer, porque vai ficar sentado. O olhar é possível e desejado, porque cria uma relação com o espectador no futuro. E por que não? Nesse sentido é quase uma documentação da tentativa de trabalho dele enquanto ator. Se ele não pode se mexer, que merda, né.

Sobram o olhar e o corpo.

E é um pouco isso para a Andrea também. “Você só pode dançar”? Tem hora que ela não sabe mais o que fazer, mas continua. Olhar pra câmera é quase jogar com ela, tem uma ação ali. A gente viu um dos filmes aqui em que eles usam não-atores. Não é o nosso caso, porque os dois são — Andrea é performer, Bráulio é formado em teatro. De que adianta trabalhar com não-atores se você os submete totalmente ao seu roteiro? O que você está fazendo com não atores? Qual é o ponto? É preciso pensar que seu ator é uma pessoa inteligente, que pensa o próprio lugar o tempo inteiro. Você não vai dizer que a Gena Rowlands era mandada pelo Cassavetes o tempo inteiro, porque eu não acredito nisso. Então, quebrar a parede tem uma relação com o público, mas com ator e atriz também. Eles estão aqui com a gente, dando a cara a tapa, não são objeto.

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Eles olham para o público e o público olha para eles, mas o público se entreolha também, não sei se de maneira consciente.

Na Semana dos Realizadores [quando Being Boring foi exibido pela primeira vez, em uma sala de cinema convencional, com o público sentado], as pessoas tinham muita vergonha de olhar umas para as outras. Acho que em função daquela relação com cinema — você olha às vezes para ver se tem alguém fazendo alguma outra coisa. Mas mudou tudo. A Semana foi a primeira vez que eu exibi um longa na minha vida. Se tinham 120 pessoas no início, no fim tinham 60, 50. E você via que o filme ganhava pelo tédio. Você podia pensar o filme por John Cage, por uma insistência naquele tédio, para arrancar coisas que saltam daquela relação que só fica ali se repetindo. E ontem eu não senti tédio. Talvez porque em vários momentos eu olhava para a plateia e me sentia mais confortável. De alguma maneira na sala de cinema [na Semana], o boring dizia “olha, o chato pode ser bom”, e aqui ele estava dizendo “não, a gente também não quer ser chato”. É meio paradoxal.

Ver o filme de pé, como eu vi, cria uma relação de frontalidade que é muito forte. É o “eu não quero ser ele, eu quero ser ela”.

Na Semana as pessoas podiam dançar, só que isso nunca foi verbalizado, então o desejo ficava reprimido. Algumas pessoas mexeram os braços, mas se reprimiram. Ontem, quando foi liberado, as pessoas ficaram meio loucas. A minha reação inicial foi “Que porra é essa? Será que essa galera vai ser escrota com o filme, ficar fazendo pombinha [com as mãos, fazendo sombras na tela — algo que de fato ocorreu]?”. Eu não sei lidar com isso. É rasgar o lugar do autor. Durante a sessão vieram me perguntar o que eu estava achando daquilo e eu respondi que não sabia. No final eu achei incrível, não poderia ter sido melhor nessa proposta de levar o cinema para outro lugar. Eu tinha questionado o porquê de não colocar um filme assim para competir, e ontem um cara me disse que discordava, que devia acontecer à meia-noite mesmo. Eu acho o contrário, esse filme é tão filme quanto o que a gente viu antes, da vaca [Animal Político]. É abrir o espaço e dizer que, se já se tentou quebrar o esquema de produção, eticamente deveria se quebrar o espaço da sala de cinema em si.

É de novo o John Cage com a galeria vazia e o pianista que não toca piano? Aquilo era um lugar diferente para um museu, seu filme pretende algo similar para o cinema?

Sim, mas é um filme que não necessariamente quer ir para um museu. Eu não quero fazer instalação. O Peter Eisenman, arquiteto, que é o cara que fez o monumento aos judeus mortos, em Berlim. Todo mundo dizia “Pô, cara, você na verdade faz instalação, você se dá muito melhor com esses caras da minimal art do que com a arquitetura em si”, e ele dizia “Não, eu faço arquitetura”. A importância de chamar isso pelo nome de cinema é política. É dizer que esse filme, que foi aceito nesses moldes pelo festival, é cinema.

É um formato que não tinha sido aceito com o Noite, da Paula Gaitán, que estava na sessão ontem. É um filme com que você se envolveu também.

Eu ajudei a montar, no início, e a pensar certos lugares. Trabalhei com ela nos três primeiros meses, foi muito bacana. Ontem ela puxou as pessoas para a sala. Eu sou escorpiano de 18 de novembro e ela também, nós temos o mesmo ascendente. Eu sou amigo da filha dela por outros lugares, e ela também é aberta a gente jovem, então acabamos conversando sobre cinema um dia e foi isso. O ponto é: eles tiraram as cadeiras lá da frente, mas as pessoas podiam dançar no corredor. Eu não precisava ter feito alarde e dizer “Ah, podem dançar”.

Você continuou sentado o tempo todo. Não quis dirigir o filme uma segunda vez, agora na reação?

Não, quem estava dirigindo o público era o fotógrafo [que em certo momento, ainda durante a sessão, pediu que alguns espectadores se posicionassem para fotos em frente ao palco]. Foi bacana ver o cara dirigindo o público, porque as pessoas gostam de ser filmadas, fotografadas, e elas estavam muito performáticas. As meninas que apareceram no início eram lindas, colocando as mãos na tela.

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Foi o momento mais godardiano da sessão.

Eu jamais poderia imaginar isso. De novo, tem uma causa política aí. Não do conteúdo, necessariamente,  essa coisa chata e denuncista. A gente vê muito filme aqui que denuncia pelo conteúdo, mas a forma é totalmente chata. Eu vi um documentário que é isso: tem algumas questões, é bacana, o diretor é legal e fala de um assunto super importante, gravíssimo, mas o que é a forma ali? Eu não vejo diferença daquilo para certas coisas que são absolutamente chatas. E por que aquilo pode passar, por que aquilo é mais cinema do que o que a gente faz? É politizar a linguagem.

É questionar o lugar das coisas?

É. O Being Boring pode ser falho porque tem uma narrativa solta, porque tem uma montagem que às vezes se complica.

De fato.

Mas é importante que esteja passando, que as pessoas estejam lá, vendo. Ele existe por ser diferente, mas não é uma diferença que tenta capitalizar por isso, simplesmente. Vem desse incômodo. É como quando você diz que é gay pros seus pais e eles falam “Mas tem necessidade?”. Ué, tem. Qual é essa necessidade, de onde veio? Não sei. Tem necessidade de fazer esse filme? Eu acho que sim. Ele pode ser qualquer coisa, as pessoas ontem me mostraram isso. Gera interesse.

Você não rejeita esse lugar, mas pleiteia um lugar ao lado desses outros?

Sim. É claro que, um dia, e isso é uma coisa que a Bárbara me diz sempre, a gente pode sentar, ganhar um dinheiro e fazer um filme com locação, com externas. Mas eu não sei se estou preparado agora. Nem uma educação cinematográfica, se a gente pode chamar assim, talvez seja o momento de tentar entender esses lugares e duvidar deles. Não que eu vá crescer e virar coxinha, mas nesse primeiro momento vale apontar também que eu não aceito tudo o que passam na academia ou nos festivais. É importante, e eu não sou o primeiro nem o último a fazer isso. É um lugar muito difícil. Ganhar dinheiro com isso, por exemplo… Por isso eu fico fazendo mestrado e doutorado, pra ganhar bolsa do CNPq.

Mas você tem envolvimento acadêmico com esse tipo de questão? Seu filme cita Rosenbaum, a Sight and Sound… E é engraçado que cite Rosenbaum, um cara que dizia que tinha alergia a vídeo arte.

Isso é engraçado. Quando eu terminei o Being Boring, mostrei as imagens do filme para um amigo que pesquisa e faz vídeo arte, falei sobre a proposta e pedi pra ele fazer um vídeo para jogar no início e no meio do filme e quebrar um pouco o que estava acontecendo. Ele fez um vídeo com essas estátuas que tentam movimento e com páginas de livros que eram dele, mesmo, daí o Rosenbaum no meio. Sobre o envolvimento acadêmico, eu terminei minha graduação na ECO [Escola de Comunicação da UFRJ], pesquisando Cassavetes, Opening Night [ou Noite de Estreia, de 1977], que é o filme da minha vida. Tem Cassavetes no meu filme? Não sei, mas é de onde vem todo o desejo. Depois fui para o mestrado em Arquitetura, pesquisando arquitetura conceitual do Eisenman, para pensar teoricamente como a gente pode procurar outros lugares de representação sem ficar só no lugar da experiência. É muito louco que o filme tenha caído nesse espaço de uma experiência cinematográfica, mas eu acho lindo também as pessoas quererem a narrativa dos dois personagens. Em nenhum momento encararam aquilo só como música. Elas se relacionavam com os personagens, vibravam quando o ator e a atriz apareciam ou faziam algo diferente. No mestrado a ideia era essa: pensar como criar várias vozes, dissonantes ou não, para pensar espaço, projetos de arquitetura etc. E agora, no doutorado, vou para Literatura. Mas também para pensar em representação, agora relacionada com música — e o Being Boring veio com tudo para eu me interessar por isso. É, por exemplo, pensar como a gente ouve um álbum do Crystal Castles e fica tentando buscar a letra e, no meio dessa busca, já vai entrando na própria música, que vai se construindo na nossa frente. Acho que, para ganhar dinheiro, vou ter que ser professor, por mais que às vezes eu dê aula e fale mal. Onde esse filme vai passar? Eu nunca vou conseguir vender pro Canal Brasil como acontece aqui, sabe? Não vou mentir. Ele existe nesse outro lugar, mas também não necessariamente está fora do que é debatido aqui.

Você já passou filme aqui antes, na extinta Mostra Sui Generis.

O filme [O espelho não é reflexo, é cintilância, de 2013] era o plano fixo de uma parede com uma narração em off escrita por esse amigo que vive em Nova York. Quando montei, pensei que a narração não estava 100%. Então pedi para ele dar play na narração que tinha gravado e narrar para mim em inglês, porque o filme fala, acima de tudo, sobre o fato de ele não morar mais no Brasil. É um pouco sobre como ele queria muito ter vivido aqui e foi embora aos cinco anos. Eu pedi para ele fazer uma espécie de tradução simultânea.

Vocês moravam em lugares diferentes, então?

Sim, eu estava aqui e ele fora. Ele morou dois anos, talvez um pouquinho mais, no Brasil. Mas é brasileiro e vive nesse lugar que não sabe muito bem onde é. É brasileiro, mas fala português com sotaque, apesar de ser a língua nativa. É um lugar colocado em questão. E no filme não existe uma dupla banda nem um áudio sobreposto, mas um áudio feito por cima de outro. Um trabalho de ator, de performance dele, de se colocar e ler de novo a partir daquilo que estava escrito.

Como foi o diálogo em Tiradentes na época?

É curioso, essa sessão teve debate. Outro filme que estava na sessão não tinha muito a ver com o meu, mas estava legal ali porque era um média-metragem, então colocaram na Sui Generis. Era do Marcelo Caetano, dos caras na casa de campo [Verona, de 2013]. É lindo. Mas tem o problema da casa de campo. No Brasil só se faz filme em casa de campo, é cansativo. Que ótimo que as pessoas possam filmar em casa de campo, mas não é lá que a gente vive. Quem você conhece que vive numa casa de campo? Aliás, quem tem casa de campo? Em termos de produção eu até entendo, coloca todo mundo dentro da casa e faz o filme, é mais fácil. Mas em termos de linguagem é muito desagradável. Na Semana eles criaram uma mostra chamada Invenções do Rio, e o Being Boring entrou lá. O filme que passou antes do nosso era na Lapa, na Glória, e as pessoas andavam por aí. Na hora de apresentar a sessão, falaram que era um filme sobre paisagens. Quando eu fui apresentar meu filme, disse “Na real, o Being Boring foi feito no Rio, mas poderia ser em qualquer lugar, porque…”.

É uma interna bem universal.

É dentro de uma sala. Podia ser aqui, como podia ser lá. Acho isso bonito também. Lida com os lugares em que a gente mora. Eu queria um dia perder o medo e fazer um filme com externas, mas que não seja em casa de campo. Mas aí onde? Eu queria algo que fosse urbano. Talvez um dia. Talvez a próxima coisa — não, a próxima coisa é sobre a Lana Del Rey. Esse mesmo amigo, o Bráulio, e eu tomamos a decisão de fazer um filme por Skype, já que ele não vem para cá e eu não tenho dinheiro pra ir para lá [Nova York]. A gente pegou o último álbum da Lana Del Rey, o Honeymoon, e fez uma interpretação pra cada música.

Interpretação?

Pensar as possibilidades narrativas das músicas. A gente elaborou uma narrativa em que ele tinha vindo para o Brasil, conhecido um cara, e estava se declarando a partir de cada uma daquelas músicas. Gravamos no Skype e estou montando agora, mas está difícil. Eu estou quase tentando pensar como um livro de poemas: música número um, música número dois, música número três, juntar tudo, exportar e dizer “É isso”. Aí vejo tudo e tento costurar daí. Como um álbum, um disco.

Fragmentário como o Being Boring? Com as mesmas idas e vindas e repetições?

Sim, mas isso não pode ser só uma defesa. Eu tenho muito medo de isso ser uma defesa de produção de narrativa. Mas é a maneira como nós fazemos. Isso me lembra uma coisa que o Cassavetes fala em uma das poucas entrevistas que ele deu: “A gente se junta, bebe um vinho e, no final, se [o filme] der errado, pelo menos a nossa imagem está para sempre ali”. Ao mesmo tempo, tem uma frase no início do Being Boring que eu acho importante: “Pra que cantar canções se nunca nem vão te ouvir?”. É um pouco isso também — por que fazer um filme se ninguém vai ver? Você tem que ser um pouco atrativo, as pessoas têm que se interessar por sua causa ou sua questão.

Existe um motivo para seus outros longas só existirem no seu computador?

Sim, porque ninguém selecionou. Eu entendo, podem ser longas piores. Mas o fato é que ninguém selecionou. Ontem, era legal ver as pessoas dançando como se fosse uma festa, mas não era uma festa. A gente pega esse espírito em princípio para ver o filme. O filme é visto, não é não-visto. Mas ele é visto com uma certa frivolidade, que pergunta “Pô, por que você tem que ser tão duro com o seu público?”. Eu fiquei muito intrigado porque em determinando momento pensei se deveria me incomodar com as pessoas fazendo o que queriam com o filme. Aceitei porque entendi que eles estavam muito mais bacanas do que qualquer coisa que eu poderia imaginar.

É algo a que você se sujeita quando entrega o filme.

Enquanto autor eu me senti muito ridículo. Sabe o filme do pessoal do Deslumbramento, Estudo em Vermelho, do Chico [Lacerda], em que ele dança Kate Bush? Ele é o diretor do filme, é quem montou e teve aquela ideia, e ele vai lá e se veste de Kate Bush e dança aquela música em vermelho. É lindo, porque de uma maneira faz você se perguntar quem são esses diretores que só pensam em fazer coisas muito brilhantes e que na verdade nem são tão brilhantes assim. É aquilo que na faculdade a gente ouve o tempo inteiro — o autor, a partilha do sensível etc — e às vezes tá lá. A gente só não pode teorizar tanto. Uma coisa que eu conversei muito com a Bárbara foi que a gente não pode citar Foucault e Deleuze, porque afasta as pessoas e nos afasta. É chato ficar citando teoria, mas às vezes você olha o que está acontecendo e alguma coisa bate. Você pode ler mil debates sobre dispositivo, mas às vezes isso pode estar ali, na sua frente. O Filipe [Furtado, crítico da Revista Cinética] fala uma coisa incrível no texto [sobre Being Boring]: é um desserviço chamar o filme de dispositivo. Afasta a causa. Pode até ser justo, não é nem uma questão de justiça, mas afasta. Se você tem uma causa política, da linguagem, e é difícil pra cacete politizar linguagem, mas fica usando teoria, quem é que vai atrás de você? Ninguém. Ainda mais com o nosso filme, que não tem debate posterior. Dá uma certa melancolia não conseguir debater no dia seguinte, e não porque eu quero ser o centro, mas porque pode ser bonito. O problema é viver nesse entre-lugar. É importante que um festival assim exista, mas ele funciona um pouco como congresso de cineastas também. É estranho, não sei dizer. Às vezes quando você vem fazer uma proposta mais experimental você não sabe se está certo de estar aqui. Mas se não estiver aqui, vai estar onde?

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Cobertura – 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes | Mostra Foco

Composta de nove curta-metragens, a mostra Foco se divide em três trios no interior dos quais é possível enxergar, em maior ou menor medida, aproximações e distanciamentos de estilos, temáticas e discursos. Diante das evidências de que o número reduzido de obras gera restrições em termos de agrupamento, o exercício, aqui, é de buscar possíveis leituras de cada um desses conjuntos, mapeando diferentes formas de encarar a programação individual e coletivamente.

série 1 - O Rosto da Mulher Endividada

SÉRIE 1
Ainda Me Sobra Eu, de Taciano Valério
O Rosto da Mulher Endividada (foto), de Renato Sircilli e Rodrigo Batista
Lightrapping, de Marcio Miranda Perez

No primeiro segmento, destaca-se a exploração das possibilidades do corpo. Ainda Me Sobra Eu se constrói em torno da figura de Tavinho Teixeira (de Batguano), cuja performance consiste não apenas em uma verborragia intensa e repleta de poesia, mas de uma energia física notável. Descontrolado e sem pudor, ele desvenda seu refúgio em busca de vida através de uma movimentação constante, dançando ou cavando incessantemente na areia da praia. A câmera captura essa demonstração de fôlego com atenção e relativa proximidade, mas perde intensidade porque desvia o foco dos jogos de palavras para o uso da música — mais do que reforçá-los, ela os abafa. A expansão do ator em relação ao espaço nesse processo, porém, recupera o ritmo a instantes do fim, quando os choques entre ele e o universo ao seu redor parecem mais decisivos.

Curta mais fascinante de toda a programação, O Rosto da Mulher Endividada recolhe os rastros da história de uma figura feminina no período entre a redemocratização e a primeira eleição de Dilma Rousseff. A protagonista, Helena, é interpretada pelas mães dos realizadores, mudando seu rosto e corpo em cada segmento dessa trajetória, em transições que se beneficiam da estética de vídeo de décadas anteriores. Fragmentário, o filme atordoa pela capacidade de articular de maneira vibrante uma gama de elementos muito complicados. A personagem em queda livre é ridicularizada por um homem, em um discurso que o filme jamais assume. Ao contrário, o que se vê é contestação a essa dominação masculina, em especial no momento em que, com imagem cristalina, ele se vira para a câmera e revela sua aparência patética — novamente, a compleição física é usada para revelar dados íntimos e subjetivos. Seguidas desgraças levam a mulher à ruína e acabam por transformá-la em um vulto, um fantasma numa fita de vídeo, e a ela, movida pela obsessão em salvar o que resta, cabe apenas uma saída frente à ruína da perda do próprio corpo: a afirmação por seu nome (antes, nome sujo), aquilo que homem nenhum pode tirar.

Libertação é também o tema de Lightrapping, inspirado no projeto fotográfico de mesmo nome de Shaffer. O esquema segue a lógica de um coming of age que toma a luz como símbolo de liberdade. Na narrativa, o registro de corpos masculinos pela câmera (associado ao uso de lanternas durante a madrugada) envolve o protagonista, Pedro, num esquema de sedução até então inédito para o garoto. Ele, inicialmente visto somente na penumbra, tem seu corpo iluminado/libertado pela primeira vez através de sua relação com o fotógrafo, na frente ou atrás da lente. Despir-se, para ele, parece menos ato político consciente e mais rito de passagem, o que soa otimista em uma São Paulo que usualmente não parece tão acolhedora.

série 2 - Eclipse Solar

SÉRIE 2
Noite Escura de São Nunca, de Samuel Lobo
Encontro dos Rios, de Renata Spitz
Eclipse Solar (foto), de Rodrigo de Oliveira

Nem mesmo o gato preto avistado no caminho da sessão poderia me preparar para a abundância de figuras sobrenaturais dos curtas selecionados. Há mais em comum do que isso, porém: aspectos como o peso do passado, o modo como os traumas pairam sobre os personagens, a sensação de incerteza dentro de ambientes familiares e a dramaturgia plena saltam aos olhos, muitos deles tendo sido elencados em questões no debate com os realizadores no dia seguinte. De toda maneira, cabe à presença do diabólico/fantasmagórico a função primordial de conduzir a série em uma linha mais ou menos constante.

Em Noite Escura de São Nunca e Eclipse Solar, o diabo ganha corpo. No primeiro, materializa as sombras da ditadura, responsável pela morte da irmã da protagonista. É, acima de tudo, a comprovação física da tormenta causada por um conjunto de não-soluções, o que abre margem para os paralelos com a atuação repressiva da polícia militar — o processo conciliador e covarde de redemocratização, incapaz ou desinteressado em encarar seus demônios, possui impacto nefasto ainda hoje. O próprio confinamento das mulheres à vila em que vivem no Centro do Rio de Janeiro, marcante na sequência do manicuro, deriva dessa relação de não enfrentamento com pendências prévias, sendo ponto de partida para um imaginário particular.

No segundo, o inferno tem fundações mais antigas. A imagem do casarão em que funciona o museu por onde transitam os personagens possui forte carga histórica, tem a senzala como representação do inferno e as salas e corredores como espaços assombrados. Um pacto com o diabo é a tentativa derradeira de acertar as contas com o passado, mas o preço pelos erros de outrora parece caro demais, inegociável. É particularmente interessante como o desfecho, apresentado em um letreiro final, atira as figuras para fora dali sem, de fato, resolver tais dívidas, ciente da impossibilidade de contornar os antigos erros.

Já em Encontro dos Rios, a formatação é mais convencional e menos inspirada. Uma garota avista um corpo no rio, enfrenta a descrença dos adultos e recebe da irmã uma lenda sobre um menino-fantasma que, afogado no mesmo local, faz aparições para as crianças que por ali passam. O sobrenatural fica no campo da sugestão e se torna dependente da atmosfera para se manifestar. O medo, contudo, é tratado de maneira burocrática, insuflado por uma trilha sonora que é guia de sensações e um conjunto de sequências que brincam com o imaginário a partir de elementos do gênero. Os planos da água corrente funcionam melhor sob esse aspecto, criando a impressão de que, como para as personagens, uma forma humana surgirá a qualquer momento — mas ela não surge, a saída se dá pela tangente e tudo se torna bastante esquecível.

série 3 - A Vez de Matar, a Vez de Morrer

SÉRIE 3
Levante, de Jader Chahine e João Paulo Bocchi
Entre Imagens – Intervalos, de Andre Fratti Costa e Reinaldo Cardenuto
A Vez de Matar, a Vez de Morrer (foto), de Giovani Barros

O terceiro e último programa da mostra reúne um grupo bem diverso em termos de temáticas e poéticas, mas que pode ser enxergado conjuntamente no que diz respeito ao olhar empregado pelos autores com relação a seus objetos e personagens. Em Levante, a câmera oprime; em Entre Imagens, preenche lacunas; em A Vez de Matar, A Vez de Morrer, deseja.

No filme de Chahine e Bocchi, passado quase integralmente em vídeos de segurança de um colégio de São Paulo, há um sistema de controle claro e presente. Todo ação dos personagens é orientada para subverter essa ordem: a garota que tira uma foto da lente espiã busca retomar o controle sobre ela, os estudantes que trocam o equipamento pretendem operar a sala de comando, o funcionário que mostra seu dedo médio tenta manifestar sua insatisfação. A opressão da câmera domina os corpos, cuja movimentação, fluida ou hesitante, determina não apenas personalidades e objetivos, mas os rumos da trama de insurgência versus reação agressiva.

Também de origem paulista, o documentário de Costa e Cardenutto toma como ponto de partida as únicas imagens em movimento do artista Antonio Benetazzo, morto pela ditadura militar brasileira. São os 17 segundos de uma participação como figurante em um longa-metragem que baseiam toda a estrutura. Para reconstituir a história e conferir memória a uma figura apagada pelo autoritarismo, os autores inserem pequenos ensaios no formato de analogias, que não parecem tão frutíferos quanto aqueles mais objetivamente focados na vida do artista-militante. O tom monótono na narração incomoda um pouco quando articula didaticamente as relações entre as dimensões metafórica, com referências a cinema e supernovas, e biográfica, sobre suas artes e a atuação na luta política — essa última, sim, interessante.

Por último, um dos curtas mais fortes da mostra. Desde o passeio pelos corpos durante uma partida de futebol, logo na primeira cena, até a sequência em que um casal se beija e se agride no banheiro, a câmera parece incorporar o desejo manifestado entre seus personagens. Em meio a tantas formas de lidar com essa pulsão sexual, o filme também parece definir seu tom enquanto avança, ainda que a tensão do ato final tenha raízes fundadas no princípio (o golpe e o xingamento surgem, depois retornam). O drama crescente aparece ainda em dois momentos que rimam: tanto o banho do rapaz, nu no campo, quanto seu encontro no banheiro são interrompidos violentamente. Parece um sinal de que, numa terra em que a morte acontece às claras e a paixão às escuras, o destino trágico é inescapável, como sinalizado pela evocação ao faroeste, que finaliza bem esse ciclo.

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Cobertura – 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes (Parte I)

Por Virgílio Souza

A 19ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes apresenta, ao longo dos seus nove dias de programação, 35 longas e 81 curtas de realização nacional, divididos em diferentes mostras temáticas. Deste grande número de produções, direcionaremos nosso olhar nesta cobertura às mostras Aurora (competitiva de longas), Transições, Foco (competitiva de curtas), além da retrospectiva do homenageado Andrea Tonacci – e eventuais deslocamentos a filmes projetados em outras mostras. A cobertura segue nos próximos dias.

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Homenagem a Andrea Tonacci

Andrea Tonacci é uma das figuras mais interessantes do cinema brasileiro. A postura serena em debates e entrevistas, conversando sobre as mais variadas questões de sua vida e obra, contrasta com o tom de seus filmes, que partem de uma inquietação fundamental e se configuram como discursos políticos sempre muito intensos. Homenageado pela 19a edição da Mostra, o cineasta apresentou o retorno de Serras da Desordem a Tiradentes uma década após sua estreia — além de Blá Blá Blá e Bang Bang. Na tela grande, o longa de 2006 segue impressionando pela vibração de suas imagens e sons, que provocam, a cada nova visita, uma sensação de ineditismo e frescor raras. Inquieta, também em um movimento essencialmente cinematográfico, a maneira como o trem, elemento fundador dos Lumiére, atravessa a história da tribo sob o falso pretexto do progresso. Se “a homenagem é oportunidade para refletir sobre o que tem feito”, como afirmou o próprio em mais um momento de auto-avaliação muito consciente, cabe ao público encaminhar reflexões de natureza semelhante e retomar esse discurso fundamental de um cinema que encontra poucos pares mundo afora.

Índios Zoró

MOSTRA AURORA
Índios Zoró – Antes, Agora e Depois?, de Luiz Paulino dos Santos

Luiz Paulino dos Santos tem 83 anos de idade. Até este filme, eram vinte longe da realização. Desde Ikatema, seu registro primeiro da tribo Zoró, eram três décadas de relativo afastamento daquela realidade. Mais que simples informações extra-filme, quase anedóticas dada sua presença em uma mostra para estreantes em longas, os dados indicam o aspecto fundamental que o tempo possui para o cineasta e seu objeto. Antes, agora, e depois? parte da chegada dos europeus ao Brasil (em resgate de Humberto Mauro, outro mito fundador dessa concepção de país) em direção a uma espécie de não-futuro marcado pelo extermínio das populações indígenas em nosso território. Do canonizado Padre Anchieta à recente expansão predatória das igrejas evangélicas, a repetição da história é sinal dessa permanência perversa, que condena tais povos a espaços cada vez menores e mais violentos.

Algumas coisas chamam a atenção nesse processo. A primeira delas é a variedade de recursos empreendidos pela narrativa: cenas de arquivo, foto grafias, quadros congelados, entrevistas, encenações, vozes em off e sobreposições de imagens compõem o painel do reencontro entre o realizador e os personagens de trinta anos atrás. A evocação de cenas icônicas daquele filme (os rituais, o riacho, as borboletas), ladeadas aos seus hábitos atuais, revela tanto a manutenção das tradições quanto os câmbios, forçados ou não. O expediente é de síntese a partir de elementos simples: as formigas, por exemplo, que aparecem em momentos distintos na mata e na tela de um computador, são ressignificadas como representações, respectivamente, de ancestralidade e modernidade.

Em segundo lugar, também vinculada à simplicidade marcante de Paulino, impressiona a maneira como a natureza é representada. Não há espaço para a pornografia visual típica do documental antropológico mais didático construído pelo homem branco, muito em função da postura que trata a terra como mãe — e, em contraponto, quem administra tal espaço, a Funai, como madrasta infiel. Parte daí, ainda, uma série de proposições de origem fundamentalmente espiritual. Afirma-se, sem hesitação, que “a casa do pai tem muitas moradas”, expressão de uma universalidade de princípios e valores que se mantém capaz de respeitar as especificidades de cada matriz religiosa.

Finalmente, há um componente cinematográfico relacionado ao retorno do filme embrionário à aldeia, quando o tempo histórico e o tempo do cinema se entrelaçam para configurar um movimento de devolução que é, mais que concessão de cima para baixo, um gesto de compreensão de uma tragédia compartilhada. A fala derradeira sintetiza uma visão desoladora dos fatos, mas que busca nessa cosmologia muito própria do filme a possibilidade de alguma esperança, mesmo que em outra galáxia.

Jonas

MOSTRA TRANSIÇÕES
Jonas, de Lô Politi

Muito em função da performance de Jesuíta Barbosa, Jonas tem um ato introdutório eficiente para estabelecer algumas de suas questões primordiais. Seguindo o personagem de um canto para o outro em deslocamentos ágeis, a narrativa se inicia de maneira econômica, construindo um pano de fundo social dotado de possibilidades com certo valor. A partir do momento em que se encaminha para uma trama de sequestro, porém, o filme parece se tornar refém das próprias decisões, traído pela própria estrutura e incapaz de avançar com solidez. Protagonista e filme sofrem do mesmo mal: o encadeamento de cada nova complicação nessa tragédia de erros carece de lógica, em uma dinâmica que avança aos trancos e barrancos por meio de situações que se repetem à exaustão (as idas e vindas até a baleia, as interações entre o rapaz e a garota, todo o núcleo dos traficantes). Na condição de espectador, o efeito também se aproxima de uma espécie de Síndrome de Estocolmo, na qual a implausibilidade do roteiro afasta e gera rejeição, mas a progressão em direção ao desfecho acaba por prender — não necessariamente por méritos de construção, mas porque parece não haver saída para tantos desacertos.

Urutau

MOSTRA TRANSIÇÕES
Urutau, de Bernardo Cancella Nabuco

Concebido em pouco mais de duas dúzias de planos, quase em sua totalidade estáticos, Urutau adota a lentidão como recurso criador de desconforto. Ao prolongar as ações, dilatando o tempo fílmico para além da própria relação com a duração entre cortes, Nabuco estrutura uma relação com o público que é de ânsia por libertação (do protagonista e do espectador), mais que de cumplicidade. É no momento em que o rapaz mantido em cativeiro por sete anos alcança uma ilusão de soltura que a câmera se põe em movimento, respira pela primeira vez para longe do enclausuramento absoluto, mas logo retorna para aquele universo de total desumanidade. O horror surge, ademais, da maneira de enquadrar, que em momentos mantém o abuso fora de campo — um dispositivo que exige que as reações se originem no imaginário do receptor, diante de um contraste entre uma relação de poder construída entre dois sujeitos, de um lado, e de uma combinação entre uma imagem sem corpos e de sons que sugerem a pior das perversões, de outro.

Futuro Junho

MOSTRA AUTORIAS
Futuro Junho, de Maria Augusta Ramos

O documentário de Maria Augusta Ramos funciona melhor como cápsula do tempo do que como panorama sócio-político, quer dizer, há precisão em capturar o estado de exaltação de ânimos do pré-Copa na cidade de São Paulo, mas parece faltar uma avaliação crítica mais apurada dos acontecimentos, como se o tal junho futuro ainda estivesse por vir ou fosse apenas dado do passado. Embora as temáticas centrais tenham caráter cíclico e tais pautas retornem com força ainda hoje, a observação de fatores como a alta do dólar, por exemplo, agora ainda mais agressiva, perde impacto quando vista em retrospectiva. Por outro lado, é marcante o modo como o registro das passeatas realizadas durante aquela greve dos metroviários e a repressão policial promovida em reação ganham força quando ocupam a tela grande, com som e imagem potencializados.

De todo modo, na construção dramática o foco são os personagens: como um Frederick Wiseman às avessas, o filme parte deles em direção às instituições. As figuras em cena não são tipos pré-definidos e unidimensionais, ainda que representem fatias bem definidas da sociedade. Assim, é natural que o enfoque econômico, sobretudo aquele preso à abstração dos números, seja menos interessante do que seus desdobramentos humanos, especialmente quando o recuo histórico indica que as coisas viriam a se deteriorar posteriormente. A relação entre crise e consumo ganha destaque sob esse aspecto, porque seus reflexos são palpáveis — o funcionário da Volkswagen sofre pela redução nas vendas da fábrica, o economista busca explicações sem sucesso, o sindicalista tem de lidar com o tratamento do transporte público como mercadoria e o motociclista conduzido à nova classe média, em um momento de particular lucidez, diz não mais possuir os recursos para ir aos jogos, beber Coca-Cola ou mesmo comprar um jazigo. A progressão contínua desses riscos, de demissão ou de morte, é o que dá ao filme sua maior força.

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Cobertura – Festival de Brasília 2015 (Parte VI)

Por Virgílio Souza

O Festival de Cinema de Brasília encerrou na última terça-feira. No Multiplot, seguimos com a cobertura abordando filmes exibidos nos últimos dias do festival.

Confira os posts anteriores da cobertura: I, II, III, IV, V.

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O Sinaleiro (2015), de Daniel Augusto

O curta é um exercício de gênero que preza pelos seus aspectos formais acima de tudo. Os recursos que produzem suspense transitam entre o tradicional e o antiquado, e a abordagem sempre robusta, rígida, por vezes sugere que tudo não passa de um truque. Somam-se elementos que historicamente geram apreensão, como aranhas, vermes, luzes oscilantes, galhos a balançar, goteiras e água negra saindo pelos encanamentos, e o resultado se vale de uma repetição incessante que não busca a ressignificação, apenas a intensificação de um mistério sugerido desde o primeiro plano. O trabalho de som, marcado por um ruído que se estende mesmo durante os créditos finais, tem méritos técnicos, mas sua exploração exagerada acaba por desconstruir qualquer possibilidade de impacto.

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O Corpo (2015), de Lucas Cassales

Incomoda um pouco a necessidade de extrair brutalidade de todo plano, sintoma (e talvez consequência direta) da referência à obra de cineastas como Michael Haneke. Trabalhar a desgraça humana e o horror do mundo a partir de pequenos grupos sociais, isolados no interior quase (ou pré?) selvagem, oferece possibilidades narrativas interessantes, mas também algumas restrições. Essa perversão laboratorial soa mais frutífera quando o filme observa a garota estranha, o corpo do título, como propulsora de sentimentos guardados, desse mal estar generalizado, mas Cassales parece se focar nesse aspecto somente no plano final, uma espécie de saída onírica que insinua o apocalipse, abandonando de vez o foco somente no que é específico daquela comunidade tão cruel.

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Prova de Coragem (2015), de Roberto Gervitz

O escritor mexicano Octavio Paz certa vez disse que todo autor deveria morrer após concluir sua obra para evitar falar bobagens sobre ela. A afirmação carrega consigo um exagero evidente, fruto mais de uma indisposição a especular sobre o próprio trabalho do que de qualquer outra coisa. A essência da frase, porém, ganha significados muito vivos no âmbito de eventos como o Festival de Brasília, em que os debates com equipe e elenco dos filmes selecionados são práticas correntes. Digo isso em função da postura de Roberto Gervitz, realizador do último longa da mostra competitiva, nas discussões sobre seu filme. Questionado por duas mulheres sobre um plano específico que causou estranhamento pelo olhar fetichista e absolutamente despropositado sobre o corpo de uma adolescente, o diretor-roteirista não hesitou em se revelar “chocado” frente às perguntas sobre a representação feminina. Ao decidir não reconhecer tais pontos, embasados em uma série de argumentos que esbarram em outros elementos do filme, acabou por atestar sua miopia sobre a questão, comum a dois profissionais (homens de mais de quarenta anos) que prontamente o defenderam — um deles sugeriu que existem vários outros filmes piores sob estes termos, citando Love, de Gaspar Noé, como se isso o isentasse de críticas dessa natureza.

Pode até ser que Gervitz tenha tido a melhor das intenções na construção da história. As duas personagens femininas são figuras fortes no papel e em parte de suas ações, têm iniciativa e vontade próprias e tomam decisões. No frigir dos ovos, porém, servem apenas como acessórios para que o protagonista conclua seu projeto de redenção e resolva seu conflito interno, ambos essencialmente masculinos e advindos de uma ideia antiquada de “homem fragilizado”. O questionamento, de origens estéticas (no caso do plano descrito acima) e narrativas (esses últimos elementos), pode ser problematizado ou não, a depender da leitura feita sobre o que está em tela e o que isso representa. Ainda assim, o espanto do realizador e a tentativa de contrariar a observação de duas espectadoras com base em um suposto feminismo do filme, muito pela presença forte de suas atrizes em cena, segue descabido.

Isso posto, é preciso afirmar que os deméritos de Prova de Coragem vão muito além. O drama do casal é filmado no piloto automático, sem que se manifeste sombra de encenação. Os personagens entrem em cena, recitam suas falas e saem, com uma mecânica travada que anula qualquer fluidez. Armando Babaioff e Mariana Ximenes parecem voltados para performances mais naturalistas, é verdade, mas que não funcionam porque a decupagem enfileira cenas sem erguer relações mais profundas entre elas ou criar um mínimo senso de consequência. Assim, no atropelo, o filme não respira, e os diálogos ríspidos, disparados a todo momento, sequer são absorvidos pelos próprios personagens. Gervitz também parece pouco inspirado ao articular rimas visuais e temáticas (acidente de bicicleta x redenção sobre uma bicicleta, falta de reação a uma agressão na infância x falta de reação a uma agressão na fase adulta, etc) e datado ao trabalhar elementos como a vertigem e as pequenas sequências de ação (novamente, a seleção e ordenamento dos planos deixam a desejar). O aspecto novelesco, aqui, é acidental e inescapável.

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Cobertura – Festival de Brasília 2015 (Parte V)

Por Virgílio Souza

Uma das mais tradicionais mostras de cinema brasileiro, o Festival de Brasília, segue apresentando até esta terça-feira (22) curtas e longas que compõem um importante recorte da produção cinematográfica do país.

Acompanhe os posts anteriores sobre o festival: I, II, III, IV.

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A Outra Margem (2015), de Nathália Tereza

Centrado em Jean, um agroboy que dirige sem destino pela noite engolindo garrafas de cerveja, o filme se ergue na oposição entre a melancolia de dentro do carro e a euforia de fora dele. O protagonista observa a diversão de outros jovens pela janela, e a câmera enfatiza o externo ao colocar a solidão e o silêncio do rapaz em contraste com as luzes e o movimento das ruas. No volante, as baladas apaixonadas do programa de rádio — Como um Anjo, de Zezé di Camargo e Luciano, por exemplo — o levam até uma garota, um caso antigo. É aí que sua apatia se transforma em rispidez, como se ele resistisse ao diálogo que ela e o filme tentam impôr. Econômico em falas e gestos como seu personagem principal, A Outra Margem aposta na contemplação, mas soa apenas desarticulado, e nem os rodopios da cena final, que finalmente aproximam a dupla, conseguem contornar sua falta de pulso.

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História de uma Pena (2015), de Leonardo Mouramateus

A atenção do cineasta para a criação de dinâmicas de poder e afeto dentro de espaços reduzidos se manifesta de maneira bastante clara na sala de aula, mas não somente nela. Os alunos não querem aprender poesia, o professor não parece muito entusiasmado em ensinar. Longe dali, dois estudantes fogem da aula em uma aventura adolescente e irresponsável. A câmera, que os enquadra de perto, em pares ou individualmente, é capaz de estabelecer relações instantâneas — há elementos solitários, casais apaixonados, amigos inseparáveis etc. Por isso, permite que o filme se concentre nos diálogos que partem dessa convivência, os quais tratam de questões aparentemente triviais, como beijos em baladas e romances passageiros, temas já explorados anteriormente por Mouramateus. O filme observa a escola, sai dela e depois retorna, e nesse movimento explora os interesses de uma juventude não muito interessante. O olhar, aqui, não é de julgamento, mas de simpatia, mesmo no sonoro “Foda-se” dito pelo professor para encerrar o curta.

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Santoro – O Homem e sua Música (2015), de John Howard Szerman

O único grande mérito do documentário reside na relevância de seu objeto de estudo, Claudio Santoro, um dos maiores músicos eruditos da história do país. Trata-se de uma peça de homenagem e resgate de trajetória, que busca apresentar de maneira muito didática a vida e a obra do compositor e maestro. Por meio de depoimentos de especialistas, colegas e familiares, intercalados com imagens de arquivo e segmentos de concertos baseados em seus trabalhos, o longa se dedica a narrar sua biografia. Embora interessante em conteúdo, tudo acaba preso em elogios que parecem fáceis, ao menos quando dizem respeito a alguém tão fascinante. As frases feitas se repetem como se tentassem explicitar a necessidade de maior reconhecimento popular — o único que ainda falta, dada a ampla atenção crítica à versatilidade e maestria do personagem-título. Sobram citações de teor semelhante a “se ele fosse europeu, seria aclamado como os grandes”, falta cinema. Extremamente convencional e pouco entusiasmante em termos narrativos, O Homem e sua Música passa longe da vibração que, segundo o próprio filme, tornou Santoro tão grandioso.

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Cobertura – Festival de Brasília 2015 (Parte IV)

Por Virgilio Souza

Uma das mais tradicionais mostras de cinema brasileiro, o Festival de Brasília, segue apresentando até esta terça-feira (22) curtas e longas que compõem um importante recorte da produção cinematográfica do país.

Leia também as partes I, II e III da cobertura.

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Quintal (2015), de André Novais Oliveira

O expediente é simples: André Novais adiciona o fantástico ao costumeiro realismo. Não se trata de um processo de ruptura, mas de uma experiência nova que se desdobra sobre as bases já muito sólidas de seu trabalho na Filmes de Plástico. Mais uma vez, estão em cena seus pais, Maria José e Norberto, em cenários caseiros e sobre temáticas que refletem uma realidade outrora esquecida pelo cinema brasileiro. A atenção aos diálogos segue inspirada, com a lente da câmera trazendo para a tela interpretações confortáveis, que desta vez mais do que celebram a beleza da banalidade do cotidiano da periferia, a cercam de elementos singulares capazes de realçá-la. O portal interdimensional a que o homem tem acesso é encarado com uma forma diferente de estranheza (que ele trata naturalmente como “um barulho lá fora”), assim como a mulher parece não reagir, focando-se em seus assuntos particulares (marido fora de casa, ela não se importa e segue para a academia de ginástica, flertando com a possibilidade de um empreendimento pessoal). A um só tempo, é símbolo de escapismo e adequação, como revela o retorno dele à noite, rotineiramente abrindo a porta pela janela para, no plano seguinte, conquistar o impensável. A surpresa e o encantamento se estabelecem pelo ordinário.

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Afonso é uma Brazza (2015), de Naji Sidki e James Gama

Dono de estrutura curiosa, entre o making-of de um longa e o documental de cabeças falantes, o curta mapeia algumas das ideias centrais de cinema de seu objeto, o cineasta-título. Quando se debruça sobre a rodagem de Tortura Selvagem – A Grade, finalizado no início dos anos 2000, o documentário captura um método de trabalho especial, não voltado para ensaios repetitivos e muito preocupado com a ação, em si. Sidki e Gama compreendem que tudo se organiza em torno dela e apresentam os elementos atrás das câmeras (a ideia de organização espacial, a receita de sangue falso, as orientações dadas a equipe e elenco) para, em seguida, reproduzirem sequências do filme original. Por outro lado, nos momentos em que o diretor é entrevistado, emergem percepções breves, mas cheias de sentimento, sobre sua personalidade. A paixão por Claudete Joubert, o encontro com a turma da Boca do Lixo e a relação com a película são os destaques. Sobram, aqui e ali, algumas questões pouco exploradas, cujos pontos de partida são oferecidos e logo abandonados, mas a junção decisiva entre riso e emoção, própria desse vínculo indissociável entre profissional e pessoal, levam o filme adiante como Brazza faria.

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Big Jato (2015), de Cláudio Assis

Em meio às vaias ao diretor, que antecederam a exibição do filme, uma senhora ao meu lado parecia contrariada: “tem que separar a obra do artista”. Sua afirmação me parece adequada em princípio, mas equivocada quando trata de um cineasta que mergulha seu trabalho em discurso retrógrado disfarçado de poesia nua e crua, esse exibicionismo visceral e transgressor que no fim das contas é apenas conservadorismo estilizado. É verdade que o texto, baseado em livro de Xico Sá, não subscreve as posturas de seus principais personagens, cuja composição encontra méritos na performance de Matheus Nachtergaele, capaz de criar nuances em figuras um tanto rasas, mais prosa que conteúdo. Acontece, porém, que o escritor troca a habitual filoginia, assinatura de suas colunas de jornais, por um machismo puro e simples, que só faz rir de mulheres, homossexuais e prostitutas. Continua muito fácil fazer piada com o oprimido, sobretudo quando a investida é menos obtusa e gráfica e mais lúdica e infantil. Ainda, as demais ferramentas a serviço da reflexão central — do menino que quer ser poeta, mas é preso pelo pai e pelo mundo em um serviço mundano de limpar fossas — não vão muito além do pedestre. Big Jato concentra sua atenção nos pequenos rompantes poéticos de suas criaturas, mas não se mostra capaz de orientar a ação, direcionar a trama para um clímax ou simplesmente não direcioná-la, o que gera problemas graves de ritmo, principalmente nas longas cenas na boleia do caminhão que percorre estradas de terra batida. Os segmentos de maior meditação sobre os sonhos do garoto viram apenas prévias para uma reflexão que nunca ocorre plenamente. O olhar do filme sobre a poesia, de alguma maneira, é tão quadrado quanto todo o resto.

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Cobertura – Festival de Brasilia 2015 (Parte III)

Por Virgilio Souza

Uma das mais tradicionais mostras de cinema brasileiro, o Festival de Brasília, segue apresentando até esta terça-feira (22) curtas e longas que compõem um importante recorte da produção cinematográfica do país.

Leia também a primeira e a segunda parte da nossa cobertura.

 

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Cidade Nova (2015), de Diego Hoefel

A curtíssima duração, o caminhar apressado das coisas e o desfecho vazio parecem sinais da incompletude do filme, que mais lembra um teaser do que um produto concluído. A premissa é interessante, construída pelo diálogo inaugural em um longo plano, o único que parece manifestar mais ideias do que sensações. Contudo, estabelecida a questão central — o fato de a cidade natal do rapaz não existir mais, que o deixa sem lugar no mundo — há pouco o que extrair. Entre goles de cachaça, abordagens sexuais forçadas e banhos solitários, o protagonista cumpre sua jornada de desilusão e deslocamento em momentos nada autênticos, estilizados e insípidos em medidas semelhantes.

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Copyleft (2015), de Rodrigo Carneiro

O que se destaca como momento mais marcante do sábado no festival é o belo discurso a favor da diversidade proferido pelo diretor do curta antes da sessão. O problema é que sua manifestação, aplaudida de pé e digna de elogios posteriores, permanece apenas no extra-filme. Há alguns sinais positivos nos instantes iniciais de projeção, os quais transportam o protagonista da beleza da autodescoberta à frustração pela intolerância no Centro de Belo Horizonte, palco de seguidos crimes de homofobia e transfobia. O que se segue, porém, é a sensação de que Carneiro utiliza o cinema como mero receptáculo de ideias, não como meio e ferramenta que se retroalimenta delas, ou seja, como espaço capaz de engrandecer tais valores, não apenas reproduzi-los. Copyleft é profundamente discursivo, mas seu texto se perde em meio a uma narrativa errática e pouco esclarecedora, que reúne uma variedade de questões sem qualquer senso de organização estética ou ordenamento na montagem. Ainda, faz pouco sentido que o filme busque essa desordem a todo momento, mas se mantenha preso a uma trama mais convencional, que acaba sufocada pelo desarranjo geral.


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Para Minha Amada Morta (2015), de Aly Muritiba

O longa é eficiente ao construir suspense ao redor de seus dois personagens principais, Fernando e Salvador, o marido e o amante da moça morta do título. O primeiro, pela relação com o filho e a falecida esposa, marcada por hábitos nada saudáveis, mas que demonstram haver alguma sensibilidade por detrás do silêncio. O segundo, porque ele se torna o foco de atenção de todo o filme, alterando mesmo a percepção sobre o homem traído e fazendo pairar no ar a expectativa sobre como/quando um deles vai agir e qual será a medida da reação. A trama se desdobra como um misto de Villeneuve e Fincher: de um lado, com uma composição muito zelosa dos planos, que capturam vestígios e olhares à distância, e de outro, com uma câmera que se move sem deixar rastros, transbordando impessoalidade como se fosse mero registro de imagem. O filme segue pistas (os vídeos antigos, a convivência na igreja, as conversas atravessadas sobre o passado) que conduzem à ocupação de novos espaços (a casa dos fundos, o carro, a casa da frente). Ocorre, porém, que os recursos dramáticos escolhidos embrutecem a narrativa, engessam as coisas pela tentativa de imprimir tensão em cada cena. São os casos das insinuações de Fernando para a mulher e a filha de Salvador e do par de sequências em que os dois se confrontam de maneira mais direta. Muritiba constrói ameaças que se intensificam, ganham corpo na forma de objetos (a pá, o martelo, a faca), mas nunca explodem. É uma pena, pois seus melhores momentos surgem nas pequenas catarses, quando o olhar do diretor se volta para as reações horrorizadas dos personagens à morte (simbólica ou literal) da esposa: a de um deles, assistindo ao tal vídeo; a do outro, recebendo um envelope.

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Cobertura – Festival de Brasília 2015 (Parte I)

Por Virgilio Souza

Uma das mais tradicionais mostras de cinema brasileiro, o Festival de Brasília, teve início no último dia 15 apresentando curtas e longas que representam um importante recorte da produção cinematográfica do país. Acompanhe nossa cobertura, que inicia com breves comentários sobre três dos filmes da programação e seguirá nos próximos dias.

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Command Action (2015), de João Paulo Miranda Maria

É interessante como o curta sustenta seu microuniverso, uma feira no interior de São Paulo, em dois aspectos básicos: close-ups e um poderoso trabalho sonoro. Os planos fechados, somados a vozes, canções e ruídos de toda sorte, revelam detalhes tão particulares daquele contexto quanto as figuras em cena — os próprios feirantes, transeuntes, a gangue mirim etc. O garoto que centraliza a ação se insere nisso tudo, a princípio, pelo silêncio. Ele precisa fazer compras para a mãe e se distrai pelas coisas ao redor, mas fala pouco, usa duas ou três expressões e mantém a mão junto ao dinheiro contado no bolso. Por sua vez, o robô de brinquedo que o atrai e altera essa dinâmica, provocando uma mudança de rumo, chama a atenção justamente por não pertencer àquele espaço. É o objeto dos chinglings, tem som e aparência muito distintas. Os arredores importam para que a relação entre duas figuras alheias se estabeleça, e o filme reproduz essa ideia em sua estrutura: começa também absorto, coletando elementos do cenário aqui e ali, para somente aí se render à interação.

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À Parte do Inferno (2015), de Raul Arthuso

O filme coloca dispositivos tradicionais do horror a serviço de uma narrativa tipicamente brasileira, que vê o interno e o externo em lados opostos, separados por uma barreira física bastante artificial. A mancha que aparece na parede do quarto do garoto é ponto de partida para um confronto inevitável entre os moradores de rua e essa família de classe média de São Paulo. Eles, alienígenas, querem ter acesso àquele portal que flerta com Poltergeist; a dona da casa, por sua vez, busca o isolamento sem perceber que a invasão já ocorreu por meio dos sons que atrapalham seu sono e das imagens da câmera de vigilância que a hipnotizam. Os elementos de fora que são aceitos (o rapaz com quem ela transa, o vizinho que vai até sua casa pedir ajuda) vivem a mesma realidade. Um plano, em especial, remete à sequência do pesadelo de O Som ao Redor, também mergulhada nesse imaginário classista de opressão e distanciamento. À sua maneira, Arthuso vai além e encerra seu curta aproximando a câmera do monitor de segurança, símbolo infernal de toda essa alienação, até que qualquer distinção se torne impossível.

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           A Família Dionti (2015), de Alan Minas

O que resta desta fábula no imediato pós-sessão não vai muito além de um punhado de imagens que traduzem suas principais ideias. A premissa — um garotinho que aos poucos vira chuva quando se apaixona e seu irmão mais velho, que seca e chora areia após a partida da mãe — possui fundamento poético suficiente, mas o filme parece se dedicar mais a construir um sem-número de (outras) metáforas do que a aprofundar suas bases. Ao longo de 97 minutos, Minas trabalha contrastes óbvios (terra x água, sol x chuva, duradouro x passageiro) sem incorporar a poesia ao texto. Ditas em voz alta, as associações infantis não oferecem suporte à trama e acabam servindo como âncora, levando abaixo a questão central. São os casos, principalmente, das ligações feitas em sala de aula, que relacionam equações matemáticas a conflitos pessoais (“primeiro você resolve o que está dentro para depois resolver o que está fora”) e uma aula de ciências às paixões da puberdade (a metamorfose da borboleta é utilizada como paralelo ao amadurecimento do personagem principal). A proposta é muito doce e inofensiva, é verdade, mas não serve de escudo para certa fragilidade narrativa. Quando resolve investir no visual, porém, o filme se acerta, construindo símbolos definitivamente mais frutíferos, como o plano da garota tomando banho com o menino-nuvem.

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Cobertura – Indie Festival 2015 (Parte I)

Por Virgilio Souza

O Indie Festival, que passou por Belo Horizonte e segue em São Paulo até o próximo dia 30, chega ao seu 15ª ano apresentando uma seleção de filmes de diversas nacionalidades. Esta é a primeira parte de nossa cobertura, na qual comentamos filmes da Mostra Mundial. A programação completa pode ser conferida no site oficial do evento.

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Eu Sou Ingrid Bergman (Jag är Ingrid, 2015), de Stig Björkman

Faz todo sentido a tendência recente do Indie de programar filmes mais convencionais sobre figuras acessíveis em suas sessões de abertura — o escolhido do ano passado foi Nick Cave: 20.000 Dias na Terra. É uma forma de trazer o público para o festival, encher salas e oferecer um convite para outras descobertas. No caso deste documentário, incomoda que Björkman se valha de um acervo quase inesgotável de material, entre fotos, vídeos caseiros, cartas e depoimentos, para produzir um longa chapa-branca, dedicado mais a justificar questões controversas da vida da atriz do que a qualquer outra coisa. Permeando o panorama de sua carreira, há uma lógica muito clara de seguir cada polêmica com um aparar de arestas explícito, sustentado no mais inofensivo (e homenageativo) dos posicionamentos — ainda que muitos desses temas sejam datados, como as relações extra-conjugais e a forma de lidar com a imprensa, e suas defesas, tão desnecessárias quanto quadradas. Os melhores momentos derivam da relação entre a biografada e a câmera. Por que ela gostava tanto de filmar e ser filmada? Em que medida as lentes representavam sua aproximação com a família? De que forma seus registros visuais se relacionam com os relatos escritos enviados pelo correio, confirmando ou alterando a percepção sobre eles? Felizmente, essas dúvidas ocupam espaço considerável no filme e, em ampla medida, evitam que essa seja apenas mais uma obra de reverência absoluta, ainda que não necessariamente desmedida.

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Contando (Counting, 2015), de Jem Cohen

O mais interessante sobre a relação entre Jem Cohen e Chris Marker, aqui, é notar que o primeiro, o diretor, investe muito mais na subversão da narrativa clássica do que o segundo, sua principal inspiração e referência formal. Espécie de diário de viagens do cineasta, Contando é uma colagem de imagens coletadas ao redor do mundo que permite as mais variadas aproximações, das quais duas me parecem mais interessantes: uma dimensão essencialmente política e outra memorial.

O filme passeia de cidade em cidade ao longo de 15 curtos segmentos, e o vínculo entre eles de imediato não parece muito evidente. Pontualmente, Cohen direciona o discurso se valendo de breves vozes e trechos literários. Há também elementos recorrentes que sugerem um fio narrativo de natureza temática. O componente político se faz perceber em trechos focados nos protestos contra o racismo e a violência policial nos Estados Unidos, nos movimentos contra o governo na Turquia, nos reflexos de nova-iorquinos que são gravados pela Agência Nacional de Segurança enquanto usam seus celulares, no olhar cômico sobre os sósias de líderes russos em Moscou, entre outros.

A sensação é de que, por um lado, há grande liberdade no que diz respeito às associações possíveis entre tais eventos e, por outro, a força dos registros cria uma espécie de prisão, como se qualquer impressão estivesse necessariamente ligada àquelas imagens, mais até do que ao contexto já conhecido. A forma imprecisa como a mediação dessas imagens ocorre parece fazer o filme perder potência em prol da abstração, evitando trabalhar suas reflexões críticas de modo mais direto — uma dinâmica que Marker controlava mais firmemente, dando maior ênfase à aproximação entre estético e político, como em Le fond de l’air est rouge e na série de documentários que retratava questões dessa natureza no Chile, Brasil, República Tcheca e França.

A diferença constatada não é necessariamente negativa. É possível imaginar que o filme evita a frontalidade por tratar de coisas ainda muito vivas e instáveis, hoje mais ligadas a uma identificação individual do que a uma percepção coletiva já consolidada. Ao adentrar os protestos de negros estadunidenses que repetiam o “I Can’t Breathe” de Eric Garner, por exemplo, Contando parece refletir sobre os novos movimentos de direitos civis com uma abordagem que mais se adequa a esse tempo e circunstância, quando a informação parte de todo lugar e vozes antes silenciadas agora questionam ordens há muito incontestáveis. Em ampla medida, o que Cohen faz é uma compilação de fragmentos, não um filme-ensaio, e a forma de encarar tais pontos é mais tangencial e difusa que a de Marker ao discutir colonialismo em filmes como As estátuas também morrem, no início de carreira, se aproximando mais de narrativas mais fluidas, como Sem Sol, o que torna mais evidente a importância do deslocamento temporal e geográfico.

A câmera está sempre em trânsito, por aviões e trens, idas e vindas. Há um senso de não-pertença permeando boa parte dos capítulos, mas os retornos seguidos a Nova York dão a entender que ainda existe um lar, e é nos momentos em que o realizador volta à cidade que o filme passa a desconstruir mais do que contemplar. As demolições de prédios antigos, que ocupam um dos quinze segmentos, sintetizam uma ideia de melancolia que se faz presente dentro e fora daquilo que resiste em ser chamado de casa, e a observação parece ser a única forma de construir algum senso de identificação e memória.

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O Paraíso (Le Paradis, 2014), de Alain Cavalier

Em seu mais recente trabalho, um já envelhecido Alain Cavalier retorna à infância. O Paraíso é um diário/retrato que busca contar e recontar histórias e questionar coisas que causaram inquietação ao longo de toda uma vida. A esperança é de que as respostas, se é que elas existem, estejam em algum lugar do passado. Nas mãos de um realizador que já fez filmes sobre a morte dos pais (Le Filmeur) e a esposa falecida trinta anos antes (Irène), o resultado serve para estreitar ainda mais a fronteira entre ficção e documentário ou, como ele afirma, misturar a primeira e a terceira pessoas.

Cavalier, que se define como um filmador e não um diretor ou documentarista, trabalha somente com a própria câmera. O método solitário de registrar o cotidiano talvez o tenha condenado às margens do cinema francês, embora ele não pareça se importar muito — principalmente com rótulos (“A Nouvelle Vague foram dois filmes, nada além disso”) — e a atenção crítica tenha se mantido mais ou menos constante ao longo das últimas décadas. Nesse sentido, O Paraíso se põe a refletir também sobre o próprio cinema, “essas imagens loucas” que eternizam pessoas e momentos, não mais importando o passar do tempo fora da tela. De maneira curiosa, as grandes figuras se engrandecem porque reduzidas a simples indivíduos registrados em câmeras, como o resto de nós. É de se admirar uma postura que valoriza a intimidade e não idealiza atores ou personagens, partindo de alguém que trabalhou com vários dos principais nomes da indústria em seu país, como Catherine Deneuve, Alain Delon, Romy Schneider, Jean-Louis Trintignant e, recentemente, Vincent Lindon.

Também se mostra fundamental nesse processo de filmar o comum a universalização do digital, que assegurou a ele maior independência financeira e criativa. O retrato de um cotidiano deixado para trás e a busca de referências para entender a vida (e o cinema, parte dela há tanto), invariavelmente seguem em direção a aspectos absolutamente pessoais. O procedimento, então, é de reorganizar as ideias mais básicas e transmiti-las com semelhante simplicidade. Aqui, Cavalier se vale de dois elementos principais para recriar os aspectos fundadores de sua trajetória e personalidade: a utilização de objetos domésticos e a narração em off. Um robô, um pato de brinquedo e itens de cerâmica, entre outros, servem como base para que o filme narre histórias como a crucificação de Cristo — como uma criança curiosa o faria, usando o que estivesse à mão.

A voz que se ouve, por outro lado, é questionadora e muitas vezes incisiva, porém mantém certa consciência da própria ignorância. Conta sobre o primeiro contato com uma hóstia, por exemplo, mas não se limita à breve narrativa — coloca ao lado dela um lápis e, se dirigindo ao espectador, explica querer “mostrar o tamanho para aqueles que não conhecem”. Em momentos como este, quando se unem com propósito reflexivo som e imagem, documental e ficcional, íntimo e universal, primeira e terceira pessoas, O Paraíso parece inventar uma nova gramática.

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Poeta em Viagem de Negócios (Shi ren chu chai le, 2015), de Ju Anqi

É fascinante como Ju Anqi cria um road movie solitário em que a autodescoberta é mais consequência tangencial do que motivação original, em especial porque seu filme trabalha de modo muito consciente a subjetividade do protagonista, evitando cair em filosofismos. O deslocamento do rapaz pelo interior da China é matéria-prima para os dezesseis poemas que segmentam a trama. O escritor embarca em viagem de negócios não somente atrás de uma inspiração romântica e idealizada, como também em busca de experiências que, aqui, não precisam ser necessariamente emblemáticas ou significativas. A poesia por vezes deriva das vivências mais banais, segundo um entendimento de que a simplicidade também gera reflexão e beleza — “eu recebi uma joia / eu vi na joia uma luz”, nesse sentido, é um par de versos bastante impactante.

O aspecto central é que não se trata de uma narrativa de grandes eventos. Ao contrário, o que se vê é uma sequência de dias quase triviais, a despeito da distância de casa e das novas fronteiras a cruzar. Há mais atividades ordinárias do que ações propriamente ditas. O jovem poeta é registrado tomando banho, pegando carona, bebendo e contratando prostitutas, como se retornasse sempre a seus vícios e obrigações, mesmo inserido em uma jornada libertadora. A câmera o encara em espaços muito pequenos (o pequeno apartamento alugado, os bancos apertados dos ônibus, os banheiros na beira da estrada), e a janela reduzida, em 4×3, permite compreender o sentimento de confinamento do rapaz mesmo frente à vastidão daquela massa continental.

Finalmente, a nota negativa são os segmentos que sugerem alguma forma de encenação, quando a câmera é fixada e a montagem organiza espacialmente as cenas se valendo de cortes sequenciais. A dinâmica de espontaneidade parece funcionar melhor quando o olhar do cineasta mantém certo distanciamento do personagem, se aproximando somente quando o foco se volta para a poesia, seu objeto comum.

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Necktie Youth (idem, 2015), de Sibs Shongwe-La Mer

Espécie de meditação juvenil sobre a geração pós-apartheid em Johannesburgo, o filme se constrói como um mosaico de impressões um tanto desconexas sobre passado, presente e futuro. É estranho que o autor busque forçar um vínculo entre seus personagens a partir de uma tragédia pessoal — um suicídio — quando o laço geracional comum é tão forte. O que transborda dos relatos com relação à cidade e a vida em uma sociedade ainda segmentada interessa mais do que os surtos agressivos e os momentos de absoluta passividade de jovens  ricos e alcoolizados, filhos de quem enriqueceu sob/a partir da mesma segregação ou mesmo antes dela, registrados em um farsesco tom documental. Nesse sentido, é possível extrair algumas ideias básicas: aos vinte e poucos anos, eles são capazes de enxergar aspectos positivos mais facilmente no distante passado imperial do que no fim do regime recente, porque “há duas décadas é tudo uma merda”. Existe uma nuvem de alienação encobrindo tudo isso, que só se dissipa nos raros trechos em que a vaidade e o cinismo, próprios desse olhar pós-adolescente, dão lugar a expressões mais naturais, com um rastro de otimismo sobre os tempos que virão.

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Cobertura – Argentina Rebelde (Parte II)

Por Virgilio Souza

Segunda parte da cobertura dedicada à mostra Argentina Rebelde. Para ler os comentários publicados anteriormente, clique aqui.

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A Hora dos Fornos – Parte 1: Neocolonialismo e Violência (La Hora de los Hornos – Parte 1: Neocolonialismo y Violencia, 1968), de Fernando Solanas e Octavio Getino

O exemplar que melhor incorpora a ideia de rebeldia política da seleção. O ordenamento de imagens pré-existentes revela as inúmeras contradições de um sistema falido, ignoradas quando vistas isoladamente. Esse horror é denunciado não apenas por meio de títulos em caixa alta que clamam por libertação, como também através de sequências em que nem mesmo a elegância da ópera dessa América branca e rica é capaz de sufocar o poder da imagem de uma criança mestiça desnutrida. O jogo de contrastes se faz muito claramente nesse choque que não oferece acessos nem dá margem a relativizações, mas que se coloca ainda a serviço de uma ideia de perpetuação bastante agressiva — o ontem e o hoje, lembrados em recorrência, revelam a continuação de uma miséria que não mais permite negociações. Trata-se do procedimento de montagem em sua essência, como se Vertov tivesse desembarcado em Buenos Aires e se deparado com um outro vocabulário para tratar de novos e velhos problemas. A mediação de Solanas e Getino, carregada de convicção e impressão de significados, não ameniza a violência do neocolonialismo e de seus braços — a fome, o não acesso à terra, a doença, a dominação cultural e política —, e o que tem início com uma nota que trata Cuba como “o primeiro território livre da América” desemboca em um dos momentos mais fortes da história do cinema no continente: um longo plano de Che, morto.

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Invasão (Invasión, 1969), de Hugo Santiago

Diz a história que Jorge Luis Borges definiu o filme, cujo roteiro escreveu ao lado de Adolfo Bioy Casares, da seguinte maneira em uma folha de papel: “a lenda de uma cidade, imaginária ou real, sitiada por fortes inimigos e defendida por uns poucos homens, que tampouco são heróis; lutaram até o fim, sem suspeitar que sua batalha era infinita”. Não parece existir entendimento melhor do que é Invasão, em parte porque Santiago investe fortemente nessas mesmas ideias de ambiguidade e infinitude, muito embora tome partido no momento derradeiro. Os dois grupos que se opõe são compostos por homens já velhos, distantes de qualquer idealismo juvenil. Vestem-se com semelhante sobriedade, deslocados temporal e geograficamente, e lutam por causas desconhecidas em uma Aquileia fantasmagórica que é, a um só tempo, toda e nenhuma cidade. Por que atacam? De que se protegem? O que querem evitar? A sombra, fotografada com muita elegância por Ricardo Aranovich, engole partes da tela como se decidisse escondê-las, em uma lógica similar à do próprio texto. No limite, o surreal se torna muito palpável graças a menções mais claras à capital argentina, em especial quando confirma ter consciência plena de sua origem, fazendo tudo convergir para La Bombonera antes de retomar o ciclo sem fim daquela luta.

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A Patagônia Rebelde (La Patagonia Rebelde, 1974), de Héctor Oliveira

A volta ao passado argentino, partindo do contexto entre ditaduras em direção às disputas rurais do início do século 20, permite que Olivera dedique maior atenção a questões usualmente marginalizadas em prol da ação ou idealizadas e simplificadas em favor do discurso. Falo, aqui, de discussões complexas sobre regimes políticos: a obra se debruça sobre análises nas esferas social, econômica e política, aponta inconsistências entre teoria e práxis e critica as divisões da própria organização sindical, mas se mostra extremamente respeitoso quando trata de suas lutas e ambições. A obsessão perversa do coronel Zavala, determinado a eliminar as sociedades obreras por meio de procedimentos não vistos “nem na guerra europeia”, parece tão real quanto a perseguição aos realizadores do filme na época de sua produção e lançamento, marcada por visitas nada cordiais do exército, censura e exílios forçados.

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O Dependente (El Dependiente, 1969), de Leonardo Favio

Um filme sobre prisões. Fernández, o protagonista, é enclausurado a cada plano, pela proximidade da câmera que dedica longos períodos a encarar sua estranheza ou pela forma como Favio o enquadra seguidamente, usando os espaços limitados — as paredes, grades e árvores — como margens insuperáveis na tela. É também sufocante como todos os personagens são prisioneiros de determinações sociais. No pequeno povoado de poucos cenários — a loja de ferragens, a casa dos Plasini —, as convenções produzem graves desvios, que impedem uma de sair do próprio quintal, outro de viver uma vida digna. Há um olhar de espanto, materializado nos ataques da matriarca e nas aparições de seu gato, mas também de compaixão por figuras aprisionadas em uma rotina insuportável, de trabalho durante o dia e interações pessoais assustadoras à noite. É nos breves momentos de libertação, porém, que O Dependente encontra sua maior força. Ainda assim, a realidade é inescapável, e mesmo a morte é seguida por constrição social, de um povoado que se aglomera ali mesmo, na prisão onde tudo começou.

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Pude Ver Um Puma (Pude Ver Un Puma, 2011), de Eduardo Williams

Formalmente, o mais rebelde do grupo. Existe toda uma desconexão no campo da aparência, mas ela coexiste com um fiapo narrativo que liga as coisas, os personagens e suas histórias. Trata-se fundamentalmente de um curta-metragem de sensações, que aposta na fluidez e confia plenamente no poder de suas imagens, mesmo quando essas são apenas sugeridas — um garoto fora de campo fala sobre uma tatuagem que o espectador não chega a ver, um acidente ocorre sem que seja observado por completo, o próprio animal do título indica a selvageria constante e por aí vai. Williams torna cotidiano o que é estranho e faz de seu trabalho gigante em impacto pela forma como a câmera vagueia pelos espaços e pelo modo como o som engole tudo quando a tela escurece no momento derradeiro.

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Um Amor a Cada Esquina (Peter Bogdanovich, 2015)

Por Virgilio Souza

Em mais de uma ocasião ao longo de suas cinco décadas de carreira, Peter Bogdanovich relatou com entusiasmo a atitude de John Cassavetes durante uma exibição prévia de Essa Pequena é uma Parada/Whats Up, Doc?, antes mesmo que o filme se tornasse o sucesso estrondoso que o levou ao terceiro posto na relação de mais assistidos de 1972 nos Estados Unidos, atrás apenas de O Poderoso Chefão e O Destino de Poseidon. Segundo ele, o público parecia resistir à comédia, apesar de algumas risadas no início da projeção, quando o colega cineasta se levantou e, se dirigindo à plateia, gritou “O que é isso? Eu não acredito que ele [Bogdanovich] está fazendo isso!”.

Naquele momento, Cassavetes reagia a um filme que, como a carreira de seu diretor, se voltava diretamente ao cinema dos anos 30 e 40 e às mais farsescas peças on e off-Broadway. Mais de quatro décadas depois, é possível apostar que seria similar sua reação a Shes Funny That Way — um novo exercício de retorno, um movimento que pode até ser visto com certa frequência, entre pouco inspiradas comédias de elenco hollywodianas e formulaicas produções francesas que figuram em festivais como o Varilux, mas não com equiparável domínio do que está em tela.

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É verdade que a carreira de Bogdanovich possui alguns exemplares aparente e felizmente deslocados no tempo — Amor, Eterno Amor, Muito Riso e Muita Alegria e No Mundo do Cinema, entre outros —, os quais dariam ares de verdade à anedota, mas não apenas a distância temporal me leva a crer que este filme, lançado em 2015, talvez seja o símbolo mais claro dessa tendência igualmente autoral e referencial. Parece concreta a crença do realizador na risada como maior recompensa possível ao público, uma lógica que, no bom teatro de farsa, tem origem na ideia de que o riso é o único recurso possível em tempos difíceis, um escape para uma realidade antes inescapável. Não surpreende, portanto, que o cineasta abra seu mais novo longa rejeitando ser um “cínico, ofendido pela mais leve insinuação de fantasia” e afirmando acreditar que “os fatos nunca devem atrapalhar uma boa história”.

Consciente de seu destino e de todo o arco a percorrer, o filme investe em dinâmicas interessantes para levar a trama adiante. Os personagens entram livremente nas vidas uns dos outros, tanto dentro quanto fora de quadro, tendo a peça a ser ensaiada como palco para que determinadas interações se desenvolvam. Os trechos no consultório psiquiátrico ocupado por Jennifer Aniston e frequentado por parte do elenco parecem ser os mais irregulares, ao lado da subtrama de perseguição à protagonista vivida por Imogen Poots. De todo modo, é preciso elogiar a capacidade que Shes Funny That Way possui de manter teatro e cinema como elementos constantes, como espelhos que refletem os eventos fora de cena — os exemplos mais claros disto sendo o teste que dá a vaga na produção à garota, antes acompanhante profissional, e a entrevista a uma repórter, quatro anos depois, que dita todo o relato dos acontecimentos.

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Precedida por uma série de referências, que culmina nas aparições de Quentin Tarantino e do próprio Bogdanovich, a sequência final — retirada de O Pecado de Cluny Brown, de Ernst Lubitsch — reafirma o proximidade do filme com um momento passado da história do cinema, a um só tempo uma nostalgia pelas obras memoráveis e um gesto de homenagem às coisas geralmente esquecidas. O mais importante, porém, é a habilidade do autor em fazer humor e reverência não apenas pela atmosfera construída ou por menções pontuais bem escancaradas (categoria em que Tarantino parece ter se especializado, diga-se). Há um enorme repertório a serviço da narrativa, que definitivamente incorpora marcas de gente como Keaton, Hawks e Sturges e alinha pequenos momentos de comédia visual, muito próprios do slapstick, a aspectos emprestados da comédia screwball, como a histeria coletiva e a excentricidade do texto.

Nesta conjunção de fatores que isola Shes Funny That Way de seus colegas de gênero recentes se encontra até mesmo a condição de Owen Wilson como principal figura masculina, que guarda reflexos na própria origem do ator como roteirista parceiro de Wes Anderson, com ênfase em gags verbais e jogos de palavras de toda sorte, conservando, porém, um traço de ingenuidade já explorado anteriormente por outros autores, Woody Allen o mais óbvio deles. Desde o início se reconhece que o personagem não é um tipo como Marlon Brando, Cary Grant ou James Dean, mas um sujeito mais próximo da imagem de John Ritter, outro símbolo da postura descontraída das comédias de Bogdanovich.

Seu romance com a protagonista também se desenvolve de modo nostálgico, doce, talvez até um pouco antiquado, mas sempre coerente com a proposta geral do filme de se inserir em um universo um tanto fantasioso. É natural que a garota se defina como musa, e não acompanhante. Nada mais adequado em uma Nova York que não existe precisamente como cartão-postal, mas como memória de um tempo do cinema em que de fato se filmava lá, sem autorização oficial e com Hepburns e Gazzaras se aventurando pelas ruas.

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Cobertura – Argentina Rebelde (Parte I)

Por Virgílio Souza

A Caixa Cultural Rio de Janeiro apresenta, até dia 30 de agosto, a mostra Argentina Rebelde. São 17 filmes – longas, médias e curtas – que traçam um panorama do cinema argentino, com obras realizadas entre 1942 e 2013. Neste artigo, confira a primeira parte de nossas impressões sobre os filmes do festival.

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Jogue uma moeda (Tire Dié, 1960) e Os Inundados (Los Inundados, 1962), de Fernando Birri

 É ao mesmo tempo inusitado e perfeitamente compreensível que os dois filmes tenham surgido em um espaço tão curto de tempo e pelas mãos do mesmo realizador. Há elementos constantes, boa parte deles muito particulares das ideias indissociáveis de cinema e política de Birri, como o reconhecimento da função revolucionária do documental, inclusive no segundo filme, que adota traços do gênero em prol de uma narrativa que se aproxima de uma espécie de neorrealismo argentino. No primeiro, o cineasta parte de um relato estatístico da província de Santa Fé, em um apanhado de números e dados oficiais que serve mais à manutenção da desigualdade do que a qualquer outra coisa. A câmera de Jogue uma moeda inicialmente observa de cima, com o olhar de elites e colonizadores, a comunidade pobre que margeia uma linha de trem para, em seguida, descer ao chão e narrar as histórias das crianças que pedem dinheiro aos passageiros e de suas famílias, que lutam pela subsistência. Trata-se de um movimento de humanização genuíno e, para aqueles sujeitos, inédito, sobretudo quando o filme retorna às casas miseráveis após uma breve incursão nos vagões, como se revelasse a postura abominável dos privilegiados — ouve-se algo como “Eles vivem assim porque não trabalham” — e dela quisesse fugir. Parece fácil encontrar pontos em comum com um Brasil hoje ainda desigual, mais pelo retrato de quem anda de trem do que dos que seguem à margem dele. No segundo filme, a lógica se repete, e as figuras do título se deslocam do campo para a cidade e de volta ao campo buscando sobreviver, à mercê da própria sorte e esquecidas pela política. A abordagem é cômica, mas não perde a postura crítica e socialmente consciente e abre margem para questionamentos sobre quem carrega a responsabilidade por aquela situação. “A culpa é nossa, do destino?”, pergunta uma personagem. “Não, do governo”, responde outro. Em comum, as obras possuem ainda a habilidade de Birri para preencher quadros, os quais frequentemente desnudam uma realidade desoladora, apresentando lado a lado estes humanos desafortunados e os mais variados animais.

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A Casa do Anjo (La Casa del Ángel, 1957), de Leopoldo Torre Nilsson

A associação mais imediata relaciona o filme de Torre Nilsson a Orson Welles, pela forma de posicionar a câmera, a construção arrojada em torno de um imenso flashback que amarra abertura e desfecho e outras tantas coincidências e não-coincidências. Contudo, há muito mais a encontrar aqui, leituras várias que partem principalmente da condição de precursor de uma geração tão importante do cinema argentino, da qual ele próprio fez parte, na década seguinte. A variedade temática abordada e a frontalidade com que trata aspectos tão controversos da vida social e política surpreendem ainda hoje. Não fariam o sentido que fazem, porém, se fossem gratuitas, desvinculadas de uma compreensão bastante particular daquele contexto. Felizmente, o filme se ergue sobre uma noção muito bem determinada da família como repositório moral, que só no desenrolar, diálogo a diálogo, confronto a confronto, acaba desconstruída. A mãe religiosa de Ana, a jovem protagonista, ganha contrapontos em todas as frentes — o chofer que fala em aborto, as filhas que se descobrem sexualmente e questionam os ensinamentos bíblicos e mesmo o marido que, mais retrógrado que progressista, insiste em práticas pouco condizentes com essa moral cristã. É essencialmente familiar também o debate entre os congressistas, que sai do seio político, burguês e aristocrático, das questões públicas e partidárias, em direção a acusações pessoais que, no limite, atingem a honra. Em todos os casos, a descoberta de novos rumos se dá através do caminhar — as andanças da personagem central pelos bairros afastados, os vinte passos contados de seu par num duelo fatal — e se manifesta por olhares expressivos, filmados de perto. O legado do filme para latino-americanos se nota em retrospectiva de maneira mais evidente, mas são de imediato aparentes suas virtudes no que tange a questões substancialmente argentinas. É cinema com pátria, sem sombra de dúvida.

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Tempo de Vingança (Tiempo de Revancha, 1981), de Adolfo Aristarain

O cineasta traça um paralelo inteligente e bem arquitetado entre o inusitado plano de Pedro Bengoa de fingir-se de mudo para conseguir uma indenização e seu passado como militante. Disposto a arriscar a própria vida para conservar uma fraude, anos após abandonar suas atividades como sindicalista, ele encontra uma realidade semelhante à da resistência aos horrores da ditadura. Manter o silêncio e aguentar toda forma de pressão, aspectos outrora fundamentais para sua sobrevivência, tornam a ser base de sua existência. O thriller possui sequências emblemáticas, como aquela em que o rapaz segura o grito de dor ao queimar o próprio braço com um cigarro, envoltas em um esquema bastante próprio do gênero. No limite, o protagonista se torna prisioneiro quase literal da própria convicção, e momentos como sua explosão de alívio debaixo do chuveiro não passam de um enganoso senso de libertação, o que talvez justifique até mesmo o sucesso do filme ao se esquivar da censura.

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A Terra dos Patriarcas (Tierra de los Padres, 2011), de Nicolás Prividera

É curioso como o filme — uma série de leituras de textos sobre a história argentina, tendo o Cemitério da Recoleta como personagem e cenário — nasce e quase se perde na montagem. Nasce porque as ideias se concatenam de maneira um tanto clara. São séculos de acontecimentos narrados por figuras que se portam como fantasmas do passado de opressão e violência que ainda assombram, vagam por aí mesmo que seus corpos sejam trancados noite após noite. A ideia funciona melhor nos trechos em que Prividera explicita que aquilo ainda é real, como na sequência de abertura, por meio de menções às perseguições da ditadura, conflitos raciais, embates civis e enfrentamentos militares — uma espectadora sentada a algumas cadeiras de mim exclamava baixinho “Minha nossa senhora!” a cada citação, sorrindo apenas quando um grupo de idosos em tela cantava em frente ao túmulo de Perón, em homenagem ao líder. Não soa exatamente como um resgate histórico, posto que os argentinos lidam com a formação de seu país cotidianamente, a mencionada sequência sobre o peronismo sendo sintoma disto. A derrocada do filme, porém, se dá na mesma ilha de edição que o construiu. O ritmo lento, excessivamente pausado, um pouco entediante, que insere aqui e ali planos diversos da arquitetura do cemitério, não parece ser algo voltado para a reflexão entre memórias, mas um sinal de falsas polidez e formalidade. A sensação acaba contornada, ainda assim, pelo momento em que se cita Joaquín Ianuzzi: “Eu sou pela usura e tenho tempo”. Havendo disposição, os trechos sobre militarismo de El Crimen de la Guerra e as lembranças de Evita e Aramburu, por razões distintas, valem como recompensa.

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Código de Sangue (Malcolm Venville, 2009)

Por Virgilio Souza

Existem dezenas de elementos para explicar o fato de 44 Inch Chest (lançado timidamente em home video como Código de Sangue) ter sido absolutamente ignorado desde seu lançamento. Ao mesmo tempo, há uma série de razões para que a obra sobreviva, sendo possível crer na sua redescoberta por uma parcela da crítica, mesmo que pequena, mais interessada no que os responsáveis pelo roteiro do elogiado Sexy Beast podem oferecer. Também escrito por Louis Mellis e David Scinto, o filme explora o mesmo universo genérico de crime e violência, mas investe em traços que o tornam um corpo estranho, distinto e fascinante. Se no longa anterior da dupla interessava mais o olhar de Jonathan Glazer, ligado a um trabalho muito cuidadoso de composição e cores, aqui parece haver uma rejeição à estilização por parte de seu diretor, Malcolm Venville, no que configura uma decisão de incorporar o caráter direto e objetivo da trama ao seu aspecto visual. Há um entendimento de que emoções e tensões estão inscritas nos movimentos do corpo, o que direciona a atenção à linguagem corporal de uma maneira bastante crua, dada pela observação constante dos personagens, buscando os pontos de harmonia e desarmonia entre postura e fala.

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Nesse sentido, o que se vê é uma espécie de ensaio, quase teatro filmado, construído através da simplicidade da locação única e de movimentos quase invisíveis de câmera, deslocados apenas na montagem, que provoca saltos de planos abertos em direção aos rostos para explicitar os momentos de maior intensidade em seus discursos. A reunião do quinteto de sujeitos ocorre também sem desvios, estabelecida em não mais que um par de cenas: Colin (Ray Winstone) é traído pela esposa e seus amigos mais próximos decidem ajudá-lo sequestrando o amante, um garçom anos mais jovem. Mais do que promover um estudo de personagem ou das circunstâncias, o filme se dedica a explorar seus arquétipos e suas reações ao evento central e à desgraça do protagonista. Meredith (Ian McShane) e Peanut (John Hurt) divergem em postura e tom, como duas faces de uma mesma moeda. São ambos verborrágicos e descritivos, mas variam entre a serenidade e a brutalidade — o fato de serem, respectivamente, homossexual e homofóbico é um dos componentes desta dicotomia. Archie (Tom Wilkinson), um coitado que vive com a mãe, é instrumental tanto para o acesso de raiva do protagonista quanto para dimensionar sua tragédia. Finalmente, Mal (Stephen Dillane) se porta como a versão aproximada do rapaz que arruinou a vida de Colin, um homem charmoso, sedutor e que, no limite, poderia vir a ser uma ameaça.

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De certo modo, o filme se distancia de seus pares, sobretudo de Guy Ritchie e cia, por investir na urgência do texto em vez de se dedicar a uma estilização espertinha e outras pirotecnias visuais. Guardadas as devidas proporções, a forma como os cinco interagem remete a uma versão britânica e mais frontalmente agressiva de Cormac McCarthy, que indica de partida a possibilidade de explosão e passa a lidar com a agonia da espera por todo o tempo que resta. A catarse, porém, não ocorre por meio de trocas de balas ou golpes, mas também através do discurso, sempre enunciado em um tom mais elevado: Winstone e Hurt emendam dois monólogos absurdos sobre o significado e os riscos de amar uma mulher (o primeiro diz que “Love can be murder”, enquanto o segundo afirma, ao seu modo, que Sansão perdeu tudo por causa de Dalila — “all because of a woman”).

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Essa crescente em direção a um ponto alto que se estabelece aquém do grau de violência que o texto parece indicar talvez seja o maior mérito de Mellis e Scinto, pois permite pequenos instantes de grandiosidade em meio a uma estrutura bastante controlada. Venville, por sua vez, é hábil ao se valer do gesto bruto e silencioso, não necessariamente exclamativo, em um filme tão dependente do diálogo. O poder do gestual observado sem distrações e firulas de câmera cria um segundo filme, que frequentemente reforça, mas por vezes subverte, o que é dito em voz alta. Deriva daí este outro nível de análise, em que não importam somente os jogos de palavras, mas também a relação entre eles e os corpos, o que torna fundamental a movimentação, a postura e os fluxos de entrada e saída dos atores de cena — uma teatralidade explícita e muito bem construída a serviço do cinema.

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O Quintal + Abrir Portas e Janelas (Milagros Mumenthaler, 2004 e 2011)

Por Virgilio Souza

Milagros Mumenthaler venceu o Leopardo de Ouro do Festival de Locarno com seu primeiro longa-metragem, Abrir Portas e Janelas (Abrir Puertas y Ventanas, 2011). Oito anos antes, havia realizado um curta, O Quintal (El Patio, 2004), de enorme proximidade com esse premiado trabalho. Não se trata, aqui, de apontar marcas próprias e muito concretas da cineasta, ainda jovem e cuja obra é não apenas breve como também restrita tematicamente, o que talvez até justifique a repetição de determinados traços. A continuidade pode ser tanto uma imposição da limitação do universo explorado quanto uma vontade narrativa consciente da realizadora — ou, naquela que parece a opção mais acertada, um pouco das duas coisas. A ideia é partir de um trabalho anterior para enxergar reflexos em outro, já bastante amadurecido, e vice-versa, buscando suas inspirações mais primárias. Serão abordadas quatro esferas principais: o isolamento, o espaço, o poder e a sexualidade.

Para além da semelhança em termos de trama — O Quintal observa duas irmãs fechadas em uma casa; Abrir Portas e Janelas acompanha três, um pouco mais velhas, sob as mesmas circunstâncias —, os filmes dedicam atenção especial a essa ideia de retiro em um local muito bem definido. Em ambos, os créditos iniciais dão lugar, de imediato, a interferências pontuais do mundo externo. No curta, o telefone toca enquanto Martina está deitada, resistindo a despertar; no longa, o som da campainha (também presente e muito marcante em um momento específico do curta) anuncia a chegada do (ex-)namorado de Marina, de quem ela foge.

Abrir Portas e Janelas
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O Quintal
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A resistência em atender aos chamados de fora é indicativa da tônica que se seguirá nos dois casos: as jovens lutam para manter esse isolamento erguido em torno da casa e do que ela representa. As razões para tanto variam da preguiça de ir à escola a uma espécie de inércia para ir ao centro da cidade, como se o longa fosse uma continuação natural do curta não apenas para a cineasta, mas para as figuras em tela. Quando não é apenas válvula de escape, como o caso da televisão constantemente ligada em ambos, ou recurso para rupturas ainda maiores, como a ligação que termina um namoro, essa invasão externa à vontade se torna uma perturbação inevitável e só é atenuada por soluções que mantém certa reclusão — o uso de um guarda-sol e um banho de chuveiro no quintal ou um copo d’água e o deslocamento de um ventilador para aliviar o calor. As personagens se prendem a esse muro erguido por falta de opção ou vontade, e somente o ultrapassam brevemente para logo retornar, em uma lógica de pertença.

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Para que essa ideia tenha efeito, Mumenthaler se dedica a percorrer cuidadosamente os cômodos. Em uma mesma cena de O Quintal, a primeira em que se explora a casa das garotas, a câmera passeia por um corredor que, através de janelas e portas, fornece o reconhecimento espacial necessário e localiza o ambiente em que se dará a maior parte da ação — justamente os fundos do imóvel, o mais distante possível da rua. A atenção a essa geografia ajuda a construir personagens acuados, em especial Martina, que interrompe de forma abrupta suas conexões com o externo (a vizinha, o vizinho, a escola), por telefone ou em curtas trocas de palavras à porta, talvez por sentir a ausência da mãe, sobre quem pouco se sabe para além da ausência em si. No longa, o casarão em que as garotas vivem é herança da avó falecida e, não havendo menção objetiva aos pais, resta a sensação de que esse enclausuramento é algo muito mais consciente. Sofía, a irmã infernal, ativamente fecha cortinas, portas e janelas e escurece o ambiente para, no limite, impedir que o sol penetre pelas frestas para ver televisão, em uma ligação artificial e de distância segura do lado de fora. Nesse sentido, as portas e janelas do título são, muitas vezes, espaços de interação quase negativa, que buscam evitar o que está além, como o antigo namorado, não oferecer acessos.

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O único fator de ruptura seria a presença de Francísco. A relação entre uma personagem e o rapaz da casa ao lado — que no curta era apenas insinuada, mas impossibilitada pela idade (“Ele é velho demais para você”, dizia a irmã) — se estabelece também por meio de vidraças e finalmente se concretiza. O que pode ser visto como a libertação de Marina, porém, demora a se realizar em função da presença de um elemento adicional, a namorada do rapaz, e ocorre dentro dos limites daquela cercania. Assim, mesmo suas aventuras mais distantes ocorrem dentro de espaços programados e que raro são vistos em campo (o carro dele, o local de trabalho, o jardim).

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É dentro desse universo restrito e claustrofóbico por natureza que as personagens frequentemente entram em disputas de poder e autoridade. Outro objeto que ganha significado quando posto em análise nos dois filmes é o controle remoto: no curta, ele é representante máximo de uma autoridade juvenil, disputado inclusive fisicamente; no longa, o conflito é mais sutil e banal, talvez sinal de maturidade, mas não livre de uma tensão implícita que rodeia todo movimento.

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O Quintal
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Mantém-se no longa, por outro lado, uma briga descabida por espaço, um resquício de infantilidade que parte — principal, mas não exclusivamente — de Sofía. Ela é a principal fonte de distúrbio, a única capaz de arroubos maiores em uma relação marcada apenas por pequenas explosões — a primeira e última de Marina, por exemplo, ocorre na mesa de almoço, mas não é nem mesmo dirigida a um ser específico. Violeta (curiosamente, o nome de uma terceira irmã nunca vista no curta, outro indício da importância do extra-campo) existe entre as duas, nesse espaço entre o destempero e a apatia, mas não funciona necessariamente como um ponto de equilíbrio, muito embora apazigue os ânimos vez ou outra. Sua principal característica é uma inquietação contida da qual ela somente se livra ao partir e deixar as irmãs se engolirem, intensificando a tensão das rusgas anteriores (“[As roupas] não combinam com você” e “Eu não suporto você” é apenas um dos diálogos mais agressivos), que posteriormente se torna física. A falta de um terceiro vértice, no curta, se não elimina, ameniza o conflito.

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As motivações para que ele exista, contudo, são similares e particulares deste universo essencialmente feminino, ainda que próprias de cada contexto. No fim das contas, a maior parte dos ataques se dá em direção à sexualização que permeia toda a narrativa. Em O Quintal, a irmã mais nova acusa a mais velha de “putita” e recebe como troco um nada sutil “Pelo menos eu não me toco” — firme, a tréplica vem: “Isso não é verdade”. Em Abrir Portas e Janelas, Marina diz que Sofía resolve seus problemas na universidade e consegue favores em troca de sexo ou da insinuação do sexo. A ideia parece ser de que nem mesmo o isolamento corrige ou atenua uma ótica tipicamente machista, nem mesmo em um universo ocupado quase que exclusivamente por mulheres.

O que varia são as preocupações das personagens sob este aspecto. As adolescentes do curta se fixam (e se provocam com relação) a fatores típicos da puberdade (pré e pós), tais como o crescimento dos seios e a  primeira menstruação, mas a mais jovem ainda preserva enorme infantilização, tanto no porte quanto na personalidade, ao passo que Sofía já se interessa pelo vizinho e almeja algum distanciamento das fases mais precoces. No longa, as garotas também questionam o próprio corpo, porém sob uma ótica de insatisfação, mais que de estranhamento ou novidade — até mesmo quando uma dela fala de seus seios, a perspectiva é distinta, adulta. Em termos gerais, todavia, o incômodo de Sofía remete tanto a ciúme (ela namora uma aliança que encontra, as irmãs encontram seus pares) quanto ao fato de que uma delas não se parece com as demais (daí a insistência em afirmar que ela é adotada).

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No que diz respeito à maneira como os dois filmes caminham rumo a suas resoluções, há marcas muito fortes do olhar da autora, por mais que as tramas exijam encerramentos bem diferentes. Em ambos, a reclusão parece ter caráter imutável, variando apenas as dinâmicas sob as quais ela se estabelece. Há briga e reconciliação, temor e alívio, e brechas são abertas ao que há de externo, mas as coisas sempre voltam à lógica original de isolamento — a mãe que chegará apenas para visitar as meninas; o rapaz que passa a fazer parte da casa em vez de tirar a garota de lá. A câmera que transita pelos cômodos e reenquadra a ação para produzir mudança volta a repousar para indicar uma permanência essencial e, nesse sentido, a forma como Mumenthaler trabalha o plano final de cada um deles é bastante reveladora: de um lado, as duas irmãs na saída entre a casa e o quintal; de outro, a sala de um casarão vazio e modificado, e seus habitantes do lado de fora, mas definitivamente prestes a retornar.

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O curta-metragem foi disponibilizado legalmente no Vimeo.

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Notas sobre “Realidades do cinema brasileiro”

Por Virgilio Souza

Um trio de profissionais do audiovisual dividiu o palco da Universidad del Cine, em Buenos Aires, no dia 20 de abril para discutir a realidade do cinema brasileiro sob diferentes pontos de vista. A reunião ocorreu no âmbito do Talents Buenos Aires, programa realizado através da parceria entre a universidade, a Berlinale e o BAFICI, maior festival de cinema independente da Argentina. O assessor internacional da Ancine, Eduardo Valente, a produtora Vânia Catani e o realizador e programador Gustavo Beck falaram a um grupo de quase 72 jovens cineastas, atores e críticos da América Latina, selecionado para o evento dentre centenas de inscritos. Naturalmente, a discussão envolveu questões um tanto óbvias para aqueles envolvidos no mercado nacional, mas se mostrou também capaz de oferecer ideias interessantes sobre a inserção do cinema brasileiro além de nossas fronteiras.

Assumindo uma postura mais prática e oficial, Valente deu início ao debate apontando a coprodução como “caminho natural para que o Brasil se faça internacional”, seguindo sua exposição com uma série de dados indicativos do avanço nessa área – do significativo aumento no número de produções realizadas em parceria com países vizinhos à crescente porcentagem de participação de filmes brasileiros em termos de bilheteria, passando pela apresentação de nova convocatória da Ancine voltada para a cooperação regional, a ser lançada no início de maio.

O principal intento da agência nesse segmento, segundo ele, seria estimular os produtores brasileiros a explorar as possibilidades da América Latina, indo além e até mesmo facilitando a participação em festivais e em laboratórios de projetos, habitualmente vistos como um meio rápido e direto de acesso a outros territórios e circuitos, sobretudo por realizadores mais jovens como os ali presentes. O exemplo mais recente e talvez mais extremo citado foi o recém selecionado para a Semana da Crítica de Cannes, La Patota, longa dirigido por Santiago Mitre e realizado como coprodução majoritária argentina através de parceria entre a agência brasileira e o Instituto Nacional de Cine y Artes AudioVisuales (INCAA).

A coprodução foi tratada a um só tempo como oportunidade e desafio para o Brasil, país que, apesar dos esforços recentes, ainda se encontra até certa medida ilhado no continente por distintas razões, dentre os quais Valente apontou idioma, cultura, extensão geográfica e a existência de um público muito grande para conquistar: segundo ele, “Fazer com que as pessoas vejam filmes brasileiros é uma luta em si mesma”.

Vinculada ao longa de Mitre por meio da Bananeira Filmes, uma das vencedoras do mencionado edital da Ancine para o fundo de coprodução com a Argentina, Vânia Catani fez coro ao raciocínio, afirmou que o cinema brasileiro luta para ser respeitado até mesmo dentro do Brasil e reconheceu avanços importantes, louvando o esforço da agência. Segundo ela, porém, a ideia de integração regional não é somente um tema econômico ou de fomento por meio de editais: é preciso um bloco forte cultural e politicamente para mudar situações que não dependem somente de institutos de cinema, tais como a enorme e talvez exagerada burocracia que impõe restrições a parcerias em território estrangeiro (“Mandar dinheiro para um filme [fora do país] é como mandar dinheiro para uma fábrica de sapatos”, disse, se referindo a questões legislativas, tributárias e cambiais que impõem dificuldades à própria lógica de fomento).

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Ainda no que diz respeito à superação de tais fronteiras, a produtora afirmou que, em festivais fora do continente, “Os europeus nos tratam como um bloco, mas há pouco tempo nós [profissionais latino-americanos] sequer nos conhecíamos”. De acordo com ela, beira o absurdo ir à Europa e não conhecer os realizadores argentinos que ali estão, por exemplo, o que reforça a importância da convivência e do contato durante processos de coprodução. Nesse sentido, citou a experiência de trabalhar ao lado de Lucrecia Martel na adaptação para o cinema de Zama, livro do também argentino Antonio Di Benedetto: “Trabalhamos como se fosse um filme nosso porque [sentimos que] era um filme nosso”. Brincando com o próprio discurso, realizado entre o espanhol e o português, Catani ainda argumentou a respeito da necessidade de se falar o mesmo idioma: “É bom que falemos inglês com quem não fala nossa língua, mas [aqui, entre latino-americanos] é político que se fale até mesmo o portunhol”.

No terceiro segmento da mesa, Gustavo Beck se apresentou sob a premissa de que “fazer cinema exige uma postura” sobre qual cinema se quer fazer, com quem se quer trabalhar e para quem se quer mostrar. Seguindo esta linha, traçou alguns dos problemas enfrentados por realizadores brasileiros no momento de se projetar fora do país: a falta de calma para amadurecer determinados projetos, a ideia de que certas plataformas procuram apenas o que é mais facilmente vendível internacionalmente e a percepção de que muitos cineastas parecem não ver cinema antes de fazer cinema – algo que, pensando em uma inserção regional e em consonância com o argumento de Catani a respeito da partilha de experiências e olhares na América Latina, parece ainda mais relevante*.

Também cineasta, Beck argumentou sobre a importância do timing e do posicionamento de certas produções no circuito de festivais: segundo ele, o cineasta deve buscar “perceber qual o momento certo para entregar um filme ao mundo” e em quais centros procurar produzir e exibir seus trabalhos. O raciocínio parte da ideia não apenas de que há perfis diferentes em termos de seleção e programação, mas também que alguns laboratórios de desenvolvimento modificam trabalhos para aumentar suas possibilidades de vendas: “existem advisors que fazem os filmes que querem exibir”, disse.

Entre questões de ordem prática e intervenções mais elementares, a discussão revelou a percepção de que há potencial e iniciativa no projeto de inserção internacional – especificamente latino-americana – do cinema brasileiro, ainda que por vezes incerto e tateante, e que os desafios impostos pela condição de insulamento não devem ser superados na busca vazia por universalidade, mas por denominadores comuns com os países vizinhos que permitam conciliar inserção e manutenção dessa identidade.

* Aqui, a discussão remete a alguns dos pontos trabalhados por Nicole Brenez com relação a world cinema no início do texto “El cine político hoy: las nuevas exigencias”, disponível em espanhol na revista La Fuga.

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