Feliz Aniversário (Pierre Étaix, 1962)

Por Luis Henrique Boaventura

Nada dos metódicos 12 minutos de Heureux Anniversaire denunciam que este se trata apenas do segundo filme de Pierre Étaix (em colaboração com um jovem Jean-Claude Carrière). Do grau de elaboração das cenas externas à montagem rigorosa de alternação de ritmos, rostos e objetos, Heureux Anniversaire é imaculado em sua cadeia de gags e atemporal enquanto parábola da vida urbana.

Pierre Étaix é o marido que luta contra o tráfego de Paris (caótica e despojada de qualquer traço de romance) para comprar presente, flores, champagne e não se atrasar para o jantar de aniversário de casamento que a esposa prepara tão docemente no refúgio do apartamento. O curta abre com um plano fechado sobre a mesa com taças, guardanapos e dois noivinhos de bolo. A câmera acompanha as mãos dela pousarem cada talher sobre a mesa como se fossem feitos de areia, junto de dois pães, uma garrafa de vinho e um pequeno presente escondido entre as folhas do guardanapo sobre o prato dele. Do presente dele o corte nos joga para o presente dela, carregado apressadamente com os dois braços enquanto ele atravessa a rua e quase se choca com um carregador de uma empresa de mudanças. Fora do apartamento o ritmo se rebela e os personagens ficam todos vulneráveis a uma corrente outra, indeterminada e alheia à sua vontade.

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Heureux Anniversaire choca dois mundos (de tempos distintos): dentro e fora. As pessoas dentro de casas e estabelecimentos são impassíveis até o momento em que a rua as reclama, como com o homem que fazia a barba em paz aparentemente infinita até ter sua vida transformada em um inferno pela busca por uma vaga para estacionar, ou o guarda relaxado, sem farda, que passa o tempo à janela. Mesmo as pessoas paradas no tráfego não estão paradas, pelo contrário. São dois os tempos: o tempo de dentro, debaixo de um teto, jaz fingido sob comando do homem; o tempo de fora, sobre asfalto, corre à absoluta revelia de sua existência. Na primeira cena, são as mãos da esposa que regem a câmera, dócil e à espera dos gestos que ela escolhe fazer. Do lado de fora, o marido é um entre tantos personagens perseguidos sem descanso no fast-forward alucinado de uma corrida de barreiras — que não são, aliás, carros e outras máquinas, mas os próprios personagens, obstáculos deles mesmos.

Montado e coreografado à perfeição, Heureux Anniversaire abraça Tati, Keaton e inevitavelmente Chaplin, mas corre em esfera própria; não se trata mais da opressão do modo de vida convertido em armadilha, mas da tentativa de controlar o que não aceita controle. O tempo é esta inocente invenção do homem que deu terrivelmente errado e se voltou contra ele, uma máquina numinosa e trituradora dos vivos. Afinal, mesmo a paciência inabalável da esposa é derrotada por um par de taças de vinho, e a única companhia dele para o jantar são os restos mortais de um girassol decapitado.

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