Um lugar ideal para fantasmas-banana

Por Geo Abreu

The day Carmen Miranda died
They put a photograph in the magazine
Her dead mouth with red lipstick smiled
And people cried, I was about ten
But today, but today, but today, I don’t know why
I feel a little more blue than then

Pintando o céu do Aterro do Flamengo com tons de rosa e amarelo, um feixe de luz passeia
em busca de pouso. Em meio a arquitetura moderna tardia, um círculo de concreto que
mais parece um olho chama atenção: do centro do olhar brota um enorme coqueiro, como a
coroa de um abacaxi perdida no espaço.

Carmen Miranda finalmente encontraria ali um lugar para descansar. Seus despojos,
devidamente imantados de energia caótica, ocupariam um lugar naquele estranho
mausoléu ao ar livre, onde os fantasmas eram livres para brincar.

Luisa Marques e Darks Miranda, dupla de cineastas e performers, se ocupam do encontro
entre projetos modernistas brasileiros em Maldição Tropical, curta que opera o cruzamento
entre a ambiciosa construção do Aterro do Flamengo e a chegada – sempre apoteótica – da
memória de Carmen Miranda ao lugar.

Construído sob os escombros de dois morros, Castelo e Santo Antônio, responsáveis pelo
aterramento da região em que o complexo foi erguido, o Aterro apresenta assim uma dose
de desespero e fantasmas próprios: as histórias soterradas em sua construção ainda
pairam por lá, pesando a beleza do lugar mais até do que as construções em concreto que
a compõem.

Misterioso e lânguido, o espaço é composto por uma intrigante mistura de vegetação
exuberante, como os abricós de macaco e palmeiras gigantes que, vivos em meio a
paisagem urbana e hoje antiquada do centro do Rio de Janeiro ganham um aspecto
extrínseco e antinatural.

A partir de aproximações produzidas pelo encontro com materiais de arquivo e imagens de
Banana is my Business, documentário de Helena Solberg, as diretoras conectam espaço e
personagem como duas pontas soltas de projetos modernizantes e passadistas de Brasil.

Impressionantemente conectada a esses aspectos de pouca naturalidade e exteriodade que
o parque apresenta, também a Pequena Notável, cantora portuguesa que assumiu o Brasil
como seu e que acabou aprisionada por essa personagem coroada de frutas e balangandãs
paira sob aquele espaço até finalmente escolher um lugar para se fixar.

Assim, o Museu de Carmem Miranda, com seu olho-palmeira, mais do que serve ao
propósito de conjugar mais esta camada de informações ao complexo do parque onde
estruturas mudas e geométricas ajudam a acumular versões mal acabadas da história
desse ex-país do futuro.

Apesar de todo concreto e verde usado na construção do Aterro, Luisa Miranda trabalha a
cor do céu em tons e mesclas entre rosa e amarelo, desconectando o horizonte azul e
adaptando espaço aquele fantasma já bastante distante da figura original a que se refere.
Bailando ao redor do museu, a performer executa movimentos suaves e divertidos
singularizada apenas por uma coroa-abacaxi que imediatamente nos conecta aquela
espécie de Barbie Carmem que ganha vida ao sair de uma caixa do museu.

Jogando com memórias que evocam a história do país mas também do cinema – Uma Noite
no Rio, Banana is my Business – e atualizando o fantasma dessa figura icônica em relação
ao maior parque urbano do mundo à beira mar, Luisa Marques talvez tenha produzido
aproximações de materiais distintos de igual grandeza, explicitando a natureza de parque
de diversões fantasmas daquele espaço lindo e hipnótico.

Ao apresentar o cadáver e a máscara mortuária de Carmen Miranda, o filme também liberta
a mulher por trás daquelas roupas e saltos da prisão de imagem fadada a replicação. Alegre
e melancólico, o fantasma de Carmen se diverte livre pelo Aterro, equilibrando sua pequena
coroa em decomposição, em companhia de espectros os mais variados, principalmente o
fantasma sempre atualizado de Brasil-mundo.

Pelo dito aqui pode não parecer, mas essa é uma das mais belas homenagens a essa figura
icônica de bananas e abacaxis tropicais. Um salve à filha da Chiquita Bacana, que nunca
entra em cana porque é família demais. Puxou a vovó, não cai em armadilha. E distribui
banana para os animais 🍌

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