Festival do Rio 2022 – Parte #1

Diário de bordo durante o Festival do Rio.

Por Pedro Tavares

MEU LUGAR NO MUNDO (Adrián Silvestre, 2022)

O filme de Adrián Silvestre se revela uma medida bem competente entre o drama envolvendo identidade de gênero e a vida corriqueira, como ele se torna um elemento primordial para toda ação, da busca pelo amor às crises existenciais e principalmente pela afirmação no mundo enquanto um olhar externo está a julgar cada ação.

TRÊS TIGRES TRISTES (Gustavo Vinagre, 2022)

O mais controlado filme de Vinagre troca o enfrentamento usualmente visual dos filmes anteriores por um manifesto didático e até bem humorado como comentários acerca do momento trágico momento que vivemos sem abandonar a representação do cotidiano LGBTQIA+. Certamente trata-se de um suspiro antes de um grande lamento sobre o Brasil de 2018 para cá em que a risada se confunde com o choro.

BROKER (Hirokazu Kore-eda, 2021)

Kore-eda vai à Coréia do Sul e faz uma espécie de filme americano de sua carreira depois do europeu The Truth. Broker é um filme agridoce e que bate incessantemente na jogada do tema ácido com diversas saídas tragicômicas para transformá-lo em objeto de discussão sem que crie mal estar no espectador. É um filme menor de Kore-eda que parece estacionar na zona de conforto com abordagens mais acessíveis que as tradicionais de sua filmografia.

REGRA 34 (Júlia Murat, 2022)

Curioso que este filme de Júlia pareça mais com um filme de Lucia, distante de seus filmes anteriores e que remete ao ambiente de Praça Paris, por exemplo. Um conto tipicamente carioca que associa de traumas, injustiças sociais e violência com liberdade, sexualidade e BDSM. É um gancho ousado e igualmente duvidoso, ainda que a primeira camada de conflitos esteja relacionado à seriedade de eventos corriqueiros no Rio de Janeiro e que a liberdade seja uma forma inerente de escoar a dor – através da dor, o que está em cheque é a forma, o modus operandi, a maneira de concatenação deste universo.

DECISION TO LEAVE (Park Chan Wook, 2022)

Como Kore-eda, Chan Wook fez um exemplar americano de seu trabalho. Digo isto no sentido de um trabalho mais palatável e menos espetacular. Porém, Decision to Leave está mais próximo de trabalhos que se baseiam na linguagem propriamente dita e não em uma abordagem teatral como se espera de filmes com este rigor. É um filme feito para o corte, para resultados imediatos e efeitos instantâneos. Chan Wook sabe refletir estas intenções nos personagens a exemplo do detetive que não dorme e que sobrevive a um casamento falido e usa o trabalho como subterfúgio. Basicamente um longo exercício de subversões com certa funcionalidade.

PALOMA (Marcelo Gomes, 2022)

Se “Meu Lugar no Mundo” dilui os desejos e afirmações de uma mulher trans no cotidiano, aqui temos uma versão televisiva desta abordagem, condensada em um único conflito didático o bastante para o elo dramático com o moral quando narra o sonho e busca de Paloma para casar na Igreja.

NOITES DE PARIS (Mikhael Hers, 2022)

Fins e recomeços. Recorte de um tempo, uma família, um sentido e um sentimento concentrados no grão. Pessoas que chegam e vão, momentos bons e ruins – a vida da família de classe média oitentista em Paris como uma poesia. Corações a bater, olhos a piscar, conflitos a criar e diluir.

QUANDO NÃO HÁ MAIS ONDAS (Lav Diaz, 2022)

Teatro da culpa. O denunciador e o denunciado corroídos enquanto Lav Diaz trabalha de duas formas distintas para cada um. Em comum, há o aspecto teatral, que nunca esteve tão coeso e Diaz concatena muito bem palavras e ações ao potencializar cada um de maneiras particulares aliado ao tempo, elemento primordial do cinema do realizador.

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