Homem-aparelho: entrevista com Wilson Oliveira Filho

Para a edição “Imagens Fantasmas” considerei um papo com Wilson Oliveira Filho muito importante pensando em sua área de atuação com as salas de cinema e meios tecnológicos. Um novo espectro toma esse espaço e Wilson, em tempo, mostra seu projeto de expansão de atividades para novas leituras e, claro, releituras do espaço através da arqueologia dos meios.

  • O projeto que pensa a sala de cinema do campus João Uchoa da UNESA para usos e reusos toca, entre diversos sentidos, um ponto crucial: o da sala como laboratório da sociedade e da comunidade científica. Quais são planos para tornar estes planos acessíveis ao público a pensar que o projeto lida com um espaço privado?

Por se tratar de um projeto de extensão, esse pensar já se dá com a comunidade como um todo. Não só para com os alunos, mas para com o entorno. A extensão universitária é uma grande “sala de aula sem paredes” para lembrarmos o que McLuhan pensava sobre o cinema. Tentamos nos aproximar dos antigos frequentadores de salas de cinema, além de, com os discentes e funcionários do campus, pensar a formação de público que salas em espaços como Universidades podem e devem (re)despertar. A sala de cinema no campus João Uchoa sempre foi aberta ao público. O que meu projeto amplia é a possibilidade de outros usos para manifestações audiovisuais contemporâneas como o live cinema e outras performances audiovisuais e assim pensar as potências dessa economia criativa que vai ainda e por muito tempo precisar de salas de cinema

  • Este mesmo projeto toca na memória das salas de cinema de rua – o que nitidamente separa da experiência do filme como uma parte do consumo em um passeio no shopping center. Um grande “trauma”, a citar Benjamin. Como trabalhar a sala de cinema, neste espaço acadêmico, e reativar o hábito de ida ao cinema?

Essa é uma parte importante uma vez que a sala possivelmente deixará de existir enquanto tal, já que o campus sairá daquele local. Mas suas memórias estão impressas em diversos momentos da sala. Nessa sala mediamos debates com Nelson Pereira dos Santos, Walter Carvalho, exibimos dezenas de filmes universitários e experimentais (creio que a vocação desse tipo de sala em seu uso mais tradicional seja o de exibir o que não tem lugar para a exibição). Nesse espaço, no entanto, vimos não só filmes ou debates, mas performances audiovisuais como o belo trabalho “Cinema das atrações”, de Raimo Benedetti. E aqui usar mediamos e vimos é afirmar uma configuração da memória coletiva. Acho que uma experiência em sentido benjaminiano, mais do que esse trauma, essa fratura que o cinema fora do lugar que lhe conferiu tradição e dentro dos templos de consumo mencionando por você é o que de mais importante fica. E tentamos justamente isso: trabalhar dentro da Universidade hábitos (também no plural), entender novas espectatorialidades e potências desses lugares de memória para usarmos a expressão de Pierre Nora. É nesse sentido que acho que podemos trabalhar salas de cinema em espaços como a Universidade. No futuro, acho que cursos de cinema precisarão ter disciplinas que lidem com a sala como um ambiente; a sala como ecologia das mídias.

  • Em tempos de consumo de novos materiais audiovisuais e a proposta de oferecer o espaço da sala de cinema para uma espécie de contragolpe da relação postura-memória. Como se dá essa relação? Como estes novos materiais digitais ajudam a manter uma tradição que envolve a sociabilidade e articula contra o declínio das salas de rua?

Primeiro pelo entendimento arqueológico dos meios. Aqui sua questão se torna crucial. Essa sala dentro do campus João Uchoa conta com dois projetores analógicos em uma cabine e um projetor digital fora da cabine. Aí acho que já há toda uma perspectiva a ser analisada. O hábito do cinema ainda em tempos da sala e a sala agora aberta (o projetor não mais atrás das nossas cabeças como no velho e bom hábito cinema para destacarmos a expressão de André Parente e Kátia Maciel), mas também acima das nossas cabeças ligado a computadores, videogames, celulares (rompendo justamente o hábito e, seguindo ainda André e Kátia, criando uma outra situação cinema, estendendo a concepção de Mauerhofer). Tentamos pensar “sessões” nesse sentido. Uso as aspas, pois não sei se estamos diante do mesmo fenômeno. A exibição por exemplo de uma sequência de gifs direto do meu celular problematiza a ideia de exibição e curadoria (e aqui meu projeto toca no seu projeto de mestrado creio, mas isso já daria outra conversa…).

  • Logicamente falamos de um espaço fantasmagórico envolvido pela memória, pela nostalgia que hoje são tomados por igrejas, farmácias e lojas de departamentos. Inclusive a sala está localizada no bairro que hospedava o Cinema Apolo (fechado em 1949).  Há alguma ideia que se relacione diretamente com a história das salas de cinema neste projeto?

Na pesquisa inicial que levou ao projeto busquei informações sobre o Apolo que até pouco tempo era uma academia de ginástica. Entrei no lugar como faço em diversas salas que se tornaram outra coisa e não obtive informações. A fachada  deve ser a mesma de outrora e no bairro poucos se lembram da sala. Há já aí algo que passeia pela nostalgia, pela nostalgia das ruínas como já abordou Andreas Huyssen. De forma mais direta comecei a pensar em um curta sobre essa sala no Rio Comprido (uma sala com mais de 400 lugares), mas é algo que segue ainda só nos planos. Muitos filmes sobre salas específicas vêm surgindo, mostras dentro de festivais etc.

  • Há uma ligação com a experiência completa envolvendo a coleção de memórias ao utilizar o espaço completo como o hall de entrada, a aparelhagem e, claro, a tela. Como este projeto pensa em construir um novo público que hoje não acostuma a consumir imagens? Hoje o consumo me parece uma experiência solitária através da TV, do celular, torrents, etc.

Novamente você toca em outra questão central. Como conviver o espaço com novas formas (e certamente solitárias) de consumo audiovisual. Fazendo, creio eu, o radical entendimento do reuso. Tratando os ambientes que compõem uma sala como o lócus de fato em sua totalidade. Recuperar a sociabilidade que uma ida ao cinema cria, provoca com novas atrações. Escrevi com Márcia Bessa sobre isso em artigo apresentado na Socine em 2019. Segue para quem se interessar. https://www.socine.org/wp-content/uploads/anais/AnaisDeTextosCompletos2019(XXIII).pdf (pp.1231-1235)

  • Nesta proposta de ter novas utilidades à sala me vem o pensamento de equilíbrio que Benjamin fala sobre as funções sociais do filme envolvendo o ser humano e a aparelhagem. Como esta proposta equilibra estas funções?

Aliando o aparelho (analógico/digital) ao cidadão.

Wilson Oliveira Filho é professor da Unesa desde 2005. Foi coordenador entre 2012 e 2021 dos cursos de Cinema, Fotografia e Produção Audiovisual no campus João Uchoa. Atualmente é extensionista com o projeto “A sala de cinema no campus João Uchôa: usos e reusos para Economia Criativa”. Foi pesquisador do programa Pesquisa Produtividade entre 2013 e 2020. Autor de McLuhan e o cinema ( editora Verve, 2017) e artista multimídia com o DUO2x4 em parceria com a professora, cineasta e pesquisadora Márcia Bessa.

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