Mostra de Tiradentes: O Cerco

o cerco

Por Chico Torres

Um filme que é concebido durante o processo de sua feitura precisa saber dos riscos que corre e da natureza diversa desses riscos. Ao ver o debate com os realizadores de O cerco, fiquei com a impressão de que o filme possui uma ótima justificativa, mas que funciona apenas de maneira intelectual e extra-fílmica. Como acontece com boa parte da arte contemporânea que depende da legenda e que por isso mesmo se apresenta articulado com um conceito prévio, fui levado a esse lugar de que o filme não possui em si a força daquelas argumentações apresentadas durante o debate, ou que pelo menos não foi construído de uma maneira que me convencesse particularmente.

A ideia de um “tempo quântico”, como foi indicado por um dos realizadores, é bastante promissora. O que se tem é passado, presente e futuro interagindo dentro de um edifício em ruína, centrado em uma personagem feminina que convive com todas essas camadas materializadas através de outros personagens. Alegoricamente, a casa serve como uma espécie de núcleo de tensão para tratar de uma questão política recorrente no Brasil: a ditadura militar e suas implicações no presente e no futuro.

A partir disso, identifico dois problemas que me parecem fundamentais sobre a diferença entre aquilo que foi conceituado pelo filme e a sua realização. O primeiro problema é que todo o arcabouço conceitual da obra parece funcionar de modo circular, o que faz com que aquele discurso se esgote muito rapidamente. Ou seja, não nos são apresentadas camadas, desdobramentos.  Pelo contrário, parece que tudo flutua dentro dessa ideia primária e que nada se desenvolve através dela. O segundo problema relaciono com o modo improvisado e documental no qual o filme foi realizado. Essa intenção, ainda que nos aproxime da protagonista e dos adolescentes do filme, acaba, por outro lado, esvaziando o pretenso valor simbólico atribuído a eles e que tenta ser transmitido através da estranheza do filme (sua montagem, seus planos e sua fotografia se esforçam nesse sentido). A construção dos planos, com a maioria das cenas construídas fragmentariamente e dentro de ambientes fechados, criam um tipo de contraste estranho entre personagens quase sempre simples e reais, com uma ambientação fantasmagórica e imprecisa.

A sensação que se fica é que o filme procura fugir daquilo que quer dizer, que é o seu discurso político que articula acontecimentos passados com os vividos na atualidade. Mas essa fuga, ainda que tenha seus méritos formais, parece, sobretudo, um artifício para esconder ainda mais o modo improvisado e dispersivo de sua construção. Desse modo, penso que O cerco não consegue se realizar sob as ideias que foram “achadas” por seus realizadores no processo do filme, nos restando a sua bela fotografia e bons momentos de atuação de todos os personagens, em uma entrega sincera e livre em um filme que parece estar perdido tal qual a protagonista que orbita em temporalidades indefinidas.

FacebookTwitter