Mostra de Tiradentes: Eu, Empresa

eu empresa

Por Chico Torres

Em Eu, Empresa temos a exposição da uberização da vida, dentro do contexto brasileiro, através de uma abordagem irônica e tragicômica de uma busca de sucesso através do empreendedorismo dentro do mercado dos youtubers. Realizado como ficção, mas repleto de aspectos documentais, o filme possui, ainda que de maneira tímida, uma força denunciadora desse novo sistema de trabalho onde se estabelece a ideia de estrelato e riqueza pela simples exposição do eu, de um eu que se apresenta como conteúdo e viraliza. Uma abordagem atual e que também toca, de modo pertinente, em questões de saúde mental e alienação.

Joder surge como uma caricatura desses indivíduos de classe média que, diante do esvaziamento crescente das possibilidades de perspectivas, mergulha em uma busca alienada de autorrealização através da internet. Uma busca imediatista e que, para o personagem, se justifica em um tipo de exposição do seu fracasso. O conteúdo, portanto, é justamente a sua não realização, o seu não sucesso, uma autoindulgência que denota já de imediato um tom irônico e que vai se obscurecendo ao longo do filme, com diversas cenas que provocam o nosso riso constrangido.

 Como todos que estão ao seu redor, enquanto o sucesso não vem, Joder passa a improvisar para sobreviver. É nesse sentido que o filme ganha aspectos documentais e esboça uma nova potência narrativa, mas são momentos muito pontuais e logo abandonados, como a sua conversa com os entregadores do ifood. Todo o processo de busca do personagem orbita entre uma ideia de fracasso e um desejo irrefreável de sucesso, desejo que pode ser lido como sintomatização de um tipo de cultura que recusa os modos tradicionais de emprego e se deslumbra pelo coaching e empreendedorismo pessoal como soluções instantâneas de seus problemas. Esse processo de alienação é evidenciado na exagerada e justificável personalidade ingênua e depressiva de Joder. Ele realmente acredita naquele sistema e sofre por não ter êxito, mas todo o seu esforço parece surgir de modo sintomático porque se dá na repetição de um ciclo psíquico em que o fracasso o persegue implacavelmente e, justamente por isso, o seu desespero pelo sucesso.

A estética de Eu, empresa é interessante à medida que empobrece, com sua fotografia opaca e visualmente amadora, esse ambiente que está entorpecido pela imagem. A fotografia do filme responde àquilo que quer criticar e se sustenta de modo pertinente dentro dessas imagens empobrecidas e despretensiosas. A atuação de Marcus Curvelo impressiona não só por seu carisma, mas também por seus momentos infantis e bizarros. Um personagem complexo que representa um tipo de personalidade cada vez mais presente em um país imbecilizado pela ilusão de que o sucesso e a riqueza dependem pura e simplesmente de uma vida transformada em conteúdo.

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