CineBH: Sessão de curtas #1

No primeiro dia de CineBH, a dimensão política do que representa o isolamento para as diferentes camadas sociais da população brasileira fora o foco de boa parte das sessões – nos curtas-metragem, principalmente, pela sua natureza ágil de produção e que melhor comporta as reações aos problemas urgentes que acometem o país, e que nesse ano se manifesta nas formas na qual a pandemia mundial do coronavírus afeta o cotidiano. Dessa premissa de voz aos prejudicados pelo isolamento partem os curtas Presa, Vem vindo alguém, será?, Vigília, e Submundo – e é curioso como os quatro curtas tanto se assemelham no trato estético imediato sendo suprimido pela importância social de seus relatos, o que acaba um tanto contraditório, uma vez que as vozes soam distantes justamente pela falta de risco da forma.

Presa parte da poética das paisagens para demonstrar a insatisfação de uma mulher diante de se ver presa tanto no sentido de prisão quanto de vítima do predador, algo que a narração – reiterativa, mesmo que tão breve – explicita no seu revide ao machismo estrutural que também demonstra seus tentáculos no isolamento do lar. Vigília usa de uma câmera íntima, de cinema direto, para seguir a vida de um morador de rua que precisa continuar sua rotina de catador mesmo com a pandemia acontecendo – situação aliás que o diretor encontra um paralelo com os entregadores de aplicativos, também obrigados (e cada vez mais cobrados) ao trabalho em condições ameaçadoras.

Submundo é um conto de apenas um minuto que também fala sobre um homem em situação de rua, que teve problemas familiares que coincidiram com a eclosão da pandemia, mas que usa de imagens abstratas do trânsito noturno em Belo Horizonte para servir de pano de fundo para a voz desse homem. Vem vindo alguém, será? também usa de um único minuto, mas para contar sobre uma deficiente visual idosa que precisa lidar com a rua durante a quarentena. O plano único de drone é dividido por um corte em ampliação do quadro, mas que mantém a perspectiva de cima, distante, panorâmica e quase encarando a rua como uma miniatura misteriosa, cujo relato se fixa em legendas e na trilha um tanto intrusiva.

Esses quatro curtas representam uma vontade de articular com urgência essas imagens que são emanadas dessas pessoas em situação de algum desamparo, seja do estado, seja dos companheiros familiares, seja do capitalismo em uma de suas facetas mais utilitaristas – e portanto desumanas. No entanto, esbarram em estéticas de antemão, de calor do momento, sem o soco necessário para despertar um comprometimento emocional maior por parte do espectador. Parece que a temática se sobrepõe às formas de investir na narrativa dessas imagens, e fica parecendo que a força do relato é a que basta – o que nem sempre acontece. É uma tendência bem visível na produção do cinema brasileiro contemporâneo dos anos 2010, e soa um tanto natural visto o enorme desmonte que nossos pilares institucionais sofreram com tamanha velocidade.

Quando esses temas mais explícitos de desamparo e descaso social são colocados em um local seguro da mensagem a ser digerida, não me soa tão diferente de verdades expostas em outras mídias, sem usar o potencial da encenação para revelar aquilo que um relato de rede social não o faria. São diagnósticos que revelam sobretudo uma atenção ao afeto por parte de realizadores e entrevistados que buscam estar à par do que acontece num momento explosivo de crise e desafios múltiplos, com promessas de destruição, e talvez só por isso já valham à visita. Ao teste do tempo acredito que o caminho tenha mais obstáculos, e nessas estéticas que pouco desafiam é difícil que a linha tênue entre o específico e o universal seja mantida com harmonia.

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