Olhar de Cinema: Um Filme Dramático

Por Camila Vieira

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Na cartela final de Um filme dramático, explica-se que “as ideias, as histórias e as imaginações” do filme são das crianças e pré-adolescentes creditados e que também são estudantes do Colégio Dora Maar, em Saint-Denis, subúrbio de Paris. O longa-metragem foi realizado durante quatro anos de encontros com os alunos, dentro do que o realizador francês chama de processo colaborativo, a partir de uma encomenda feita pela comissão do distrito que construiu a escola.

No entanto, o que há na operação do filme que leva o espectador a crer que seja realmente fruto de um processo colaborativo? É certo que estão ali os planos filmados pelas próprias crianças. Elas filmam relatos feitos em frente à câmera sobre os acontecimentos cotidianos (como se fossem pequenos filmes diários) ou takes com passeios pelas ruas (em que muitas vezes, a grande diversão é descobrir o efeito de um zoom). A beleza dos planos criados pelos estudantes paira justamente na câmera que treme, na voz que titubeia, na incerteza do que filmar ou não. Mas em boa parte do filme, o que vemos é uma câmera controlada, a observar o que acontece entre os estudantes na sala de aula.

Essa câmera sempre atenta que não quer vacilar e que está ali a serviço da captura dos “melhores momentos” de interação entre os estudantes foi guiada por dois diretores de fotografia, Claire Mathon e Raphaël Vandenbussche. Eles fazem parte da equipe formada por Eric Baudelaire, que também contou com a participação da montadora Claire Atherton no processo de escolha de quais imagens caberiam ou não para o longa-metragem que se vende para o mundo com a chancela de “filme colaborativo com os estudantes”.

Nestes planos controlados, acompanhamos discussões até bem interessantes entre as crianças. Em determinado momento, elas repercutem sobre os imigrantes na França e se o governo do país é ou não racista. Em outro, elas falam sobre o que pode ser um filme ou o que caracteriza um documentário. Dentro de um debate acalorado sobre a importância do registro do som, um dos estudantes explica para os outros que, se um documentário perde o som, ele se torna dramático ou ficção científica. Na mesma sequência, vemos uma menina bater uma claquete e, no início, o som está sem sincronia com a imagem e, quanto mais a garota bate a claquete, o som começa a se sincronizar. No entanto, a brincadeira de disjunção sonora é proporcionada pela edição controlada de Um filme dramático.

Eric Baudelaire quer fazer com que os espectadores acreditem que seu filme seja colaborativo com as crianças, mas ele também faz questão de assinar sozinho a direção de seu próprio filme. O que se forja na construção de Um filme dramático é a roupagem do “filme fofo com crianças que filmam” e que tem muito pouco ou quase nada de colaboração efetiva dos estudantes no pensamento criativo do longa-metragem. Se Um filme dramático começa justamente com um plano instável de um céu escuro com uma estrela flutuante a ser filmada por uma criança com a câmera na mão que diz ser preciso estabilizar aquela imagem, o gesto de Baudelaire é tornar seu filme estável o suficiente para seu prazer individual como cineasta.

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