Olhar de Cinema: Traverser (Após a Travessia)

Por Camila Vieira

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Na Costa do Marfim, uma reza coletiva acontece em volta do túmulo do patriarca de uma família. Uma mãe e sua filha rezam, choram e retomam o caminho para casa. Na Itália, rapazes acabam de chegar e um deles é o marfinense Inza Touré, conhecido por todos como Bourgeois. Ele esteve preso na Líbia, acaba de aterrissar em território italiano e precisa chegar até a França, onde almeja melhorar suas condições de vida e conseguir sustentar sua mãe e sua família que lá ficaram na Costa do Marfim.

O documentário Traverser, de Joël Akafou, acompanha os percalços de Touré em sua rotina de sobrevivência em território europeu. Ao fazer uma chamada em vídeo para sua mãe, ele chora e ela o consola: “Diante da adversidade, você deve ser forte”. Mais tarde, ele olha para a fotografia da mãe e diz em voz alta: “Sou seu herdeiro, seu filho, seu sucesso, sua evolução. Tenho que lutar por você, mamãe”. Mas a Europa expulsa Touré a todo instante: ele não encontra oportunidades para permanecer por muito tempo em um só país. Ele pula de casa em casa e depende da benevolência de mulheres – Aminata, que pagou três vezes sua fiança na Líbia; Michelle, que o hospedou na Itália; e Brigitte, que pretende o receber na França.

Um dos amigos de Touré pede para que tenha cuidado para não enganar as mulheres que aparecem em seu caminho. “Minha vida é difícil. Estas são as condições em que sou obrigado a sobreviver”, explica Touré. A rotina como imigrante não abre novas possibilidades de escolha para Inza Touré, que mal consegue dinheiro para fazer uma travessia segura até a França. Em uma roda de conversa com outros amigos imigrantes na Europa, um deles fala: “O que estamos vivendo aqui não é uma vida! Estamos todos em um mesmo ‘barco’ na África”. A promessa de uma vida melhor na Europa é um horizonte ilusório que explicita as marcas da colonização.

Com Traverser, o diretor Joël Akafou volta a acompanhar a jornada de Touré, que também foi o personagem principal de Vivre riche, seu primeiro longa-metragem. A filmagem em cinema direto torna visível a proximidade entre quem filma e quem está sendo filmado, sobretudo quando a vida de Touré encontra paralelos com a própria experiência de Akafou como imigrante africano na Europa. A direção propõe se colocar ao lado dos anseios e das incertezas de Touré, sem julgamentos de seus atos.

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