Festival de Brasília: Elegia de Um Crime (Cristiano Burlan, 2018)

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Por Pedro Tavares

Em certo momento de Elegia de Um Crime, Cristiano Burlan, diretor e protagonista na posição de investigador e emulador da câmera, diz que só consegue realizar filmes como forma de vingança. Aí está o ponto principal da trilogia do luto: como a realidade o serve melhor, portanto. Elegia de Um Crime encerra uma trinca que investiga as mortes de pai, irmão e mãe do diretor, respectivamente. É notável que a partir deste raciocínio o filme só tenha a ganhar na medida em que Burlan só tem a perder.

Elegia de Um Crime, portanto, é um thriller investigativo antes mesmo de um documentário sobre sua família. Apresenta seus personagens, rumina o crime e seus desdobramentos e vai atrás do desfecho. Nos primeiros planos de filme Burlan exibe a noção do macro: tenta, via telefone, iniciar a busca pelo assassino e é embarreirado pela burocracia. Quebra, portanto, o fluxo de uma narrativa de escusas a favor do ritmo e a conduz com a realidade. Involuntariamente, o diretor é incorporado a um enredo tipicamente brasileiro – a cultura da tragédia, nossa destreza para resolver interesses pessoais e principalmente como todos estamos entregues à insegurança. É uma forma expositiva de deslegitimar a ideia de filmes como vingança e se aproximar do ideal realista que o documentário propõe.

O compromisso de Burlan é com sua família e é dela que tira os momentos mais expressivos do filme, porém é inevitável que se construa um contraponto na análise do todo: para toda ternura e lamento que  Burlan registra com sua família, há um mundo nada receptivo além das grades. A invasão deste mundo para dentro do cômodo familiar se dá numa espécie de reconstituição que a câmera e seu emulador se recusam a completar. É o inevitável envolvimento do protagonista com sua história. Curiosamente, há um momento no qual é nítido o desconforto de Burlan para “atuar”, atestando a duplicidade que o filme carrega.

Elegia de Um Crime por mais que se recuse, faz da morte entre suas articulações o mote para um panorama da iniquidade que rege o país; Burlan é o iconoclasta de gêneros e o híbrido o símbolo de um antagonismo referente ao assunto. Quanto mais se busca em Elegia de Um Crime, menos se acha, pois sua mensagem está estipulada já nos primeiros quadros. Tampouco um thriller ou um documentário. O filme começa na utopia e se prolongará nela. Não se trata de um maneirismo, tampouco desobediência à procura de justificativa – é um reflexo comum a todos na busca pelo inalcançável, ou seja, pela justiça.

Visto no 51º Festival de Brasília

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