Festival de Brasília: Pendular

Oscilar e mudar

Por Camila Vieira

Usado como instrumento para estudar o tempo e o movimento, o pêndulo é composto por dois elementos mecânicos: uma superfície imóvel e uma linha que oscila. Talvez uma forma de aproximação inicial para pensar o longa-metragem Pendular (2017), de Julia Murat, é perceber as diferentes forças que emergem de um ponto fixo. A situação já posta é a relação de um jovem casal e será desta aparente estabilidade determinada que algo irá se modificar, oscilar e produzir movimento. Os personagens sem nome já trazem em si e no próprio ofício a dinâmica do tensionamento pendular: o homem é escultor e trabalha com objetos pesados, grandes, sólidos e rígidos; a mulher é dançarina e dispõe seu corpo ao movimento, à instabilidade, à leveza.

Dentro da existência de uma desigualdade que já está colocada como base da constituição dos dois protagonistas, há um espaço que necessita ser ocupado: o galpão abandonado de uma estamparia. Para estar junto e conseguir trabalhar, o casal necessita estabelecer regras de ocupação a partir da delimitação do território por uma faixa laranja que divide o espaço. É a partir daí que a narrativa de Pendular irá se desenvolver em quatro partes, que estruturam o roteiro (escrito em parceria com Matias Mariani, marido de Murat): A Chegada de Alice, O Ímpeto, A Ação e A Contra-Ação.

Na primeira parte, a relação entre os dois parece ser iluminada e solar. Esta sensação se materializa formalmente nas cenas iniciais pela incidência de luz branca nos rostos dos dois, enquanto estão juntos na cama. Cada um é instigado pela curiosidade de observar o trabalho criativo do outro: ela o vê suspender um objeto pesado de madeira e segue a linha de aço que sai do galpão até o poste de luz. Ele diz para os amigos que não colocou uma lona para dividir o espaço, porque “a graça é poder ver ela”. A cumplicidade faz parte do jogo de olhar e ser olhado.

Pendular 2

O segundo momento já inicia com a redistribuição do espaço: ela precisa ceder uma parte para que ele possa ampliar seu trabalho, com o argumento de que aquele pequeno território negociado “não vai fazer falta” para ela. Enquanto fica evidente em Pendular que a estratégia de etiquetação é “passível de renovação segundo o bom comportamento”, a invasão do espaço aponta não só para quem tem o poder de ocupar em prol da sobrevalorização do próprio trabalho – o homem deseja renovar suas bases criativas, ainda que não saiba direito o que está fazendo –, mas também incide sobre quem pode dominar o corpo do outro – ele quer ter filhos e ela não quer.

Julia Murat preenche seu filme de momentos intensos da relação do corpo com o espaço (as coreografias das danças performadas por Raquel Karro), do corpo com os objetos (as vibrações sonoras no contato com objetos metálicos, o barulho de máquinas de ar e ventiladores) e dos corpos com outros corpos (as cenas de sexo). É na ênfase do próprio corpo que se coloca a questão do que fazer diante do desequilíbrio de poder e da dominação na relação a dois. A terceira parte do filme já começa com as inseguranças de cada um ao ouvir as críticas negativas de seus trabalhos artísticos. A crise criativa se mistura à ocultação de segredos, em que ele parece querer desvelar a todo custo e ela esconde para tomar decisão por conta própria. O embate irá se prolongar na última parte de Pendular e, mesmo com a tentativa de querer compreender a subjetividade do outro, há algo que se transformou pela intensidade do que foi vivido. A ruptura da estabilidade entre os dois acena para um enigma do que poderá acontecer.

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