Festival de Brasília: Construindo Pontes

Diferenças conciliáveis

Por Camila Vieira

Em determinado momento do longa-metragem Construindo Pontes, a diretora Heloísa Passos esclarece que seu documentário partiu do interesse de filmar um lugar de conflito e de convivência. A partir da relação com seu pai, a realizadora não se furta em expor as diferenças entre os dois, tanto de visões particulares de mundo quanto do pensamento sobre a política do Brasil. O pressuposto parece ser um abismo que existe entre Heloísa e Alberto, engenheiro que trabalhou em várias obras de infraestrutura durante o período da ditadura militar.

De início, Heloísa procura entender no passado as raízes do abismo com seu pai. Seu ponto de partida visual é a cachoeira de Sete Quedas, por meio de imagens registradas em Super-8 e dadas de presente pelo pai. A queda d’água desapareceu com a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, uma das obras erguidas durante a ditadura, no final dos anos 70. Alberto não foi o engenheiro responsável pela construção da hidrelétrica, mas Heloísa toma o projeto como exemplo de um contexto histórico por meio do qual seu pai coordenou em 15 anos a criação de 22 obras espalhadas pelo Brasil que, segundo o olhar dele, se inserem dentro do único projeto político e econômico que trouxe benefícios para o país.

Enquanto Heloísa pede para Alberto traçar no mapa do Brasil a extensão das obras que participou e exibe imagens de arquivo com fotos da época, os conflitos entre ela e o pai vão surgindo, ainda que ela deixe claro que “a família é o não dito”. Ao tratar da situação política atual do Brasil, ela questiona a arbitrariedade de “um país sem lei”. Durante uma conversa em torno do mandato de condução coercitiva do ex-presidente Lula, Alberto insiste que ela “não se envolva emocionalmente” e reafirma que a ditatura tinha limites de corrupção, com regras rígidas de modernização a favor do sistema econômico.

Construindo Pontes 2

Na disputa de discursos entre pai e filha, Alberto aparenta impassividade e Heloísa mantém a postura de enfrentamento. Mas os desacordos entre os dois jamais são aprofundados e permanecem apenas na lógica do desequilíbrio perceptível de uso das palavras: “Ele fala moça. Eu falo presidenta. Ele fala revolução. Eu falo ditadura”. No momento em que Heloísa narra a história de sua saída de casa aos 22 anos, quando o pai descobriu que ela namorava uma menina, o filme parece apontar para uma ferida não conciliável entre ambos. No entanto, a presença da nova companheira, Tina, dentro da casa durante as filmagens é apenas periférica, sem resquício algum de que aquele acontecimento do passado ainda provoque qualquer incômodo ou dissenso.

Se mesmo a forma como Alberto quer interferir no filme não passa de sugestões como “ter um propósito” ou chegar a “uma concepção final”, as divergências entre ambos são sempre colocadas como exposição de pontos de vistas distintos, que jamais transbordam na constituição da cena. O propósito é a “boa sincronização” do lugar de conflito que até então tinha sido tomado como pressuposto do filme, mas que é inviabilizado pela felicidade estampada nas fotos do álbum de família e pela constatação do  “deixem que eu decida a minha vida” na voz de Belchior.

FacebookTwitter