Hill of Freedom (Hong Sang-Soo, 2014)

Por Felipe Leal

Duas palavras parecem ”encantar” o cinema de Sang-Soo Hong, no sentido mais amplo de tornar vivo, emprestar magia: olhar e prazer. A primeira, como condição mais básica da arte cinematográfica; a segunda, como força motriz que movimenta e encadeia todos os seus personagens e narrativas. Duas palavras que, no entanto, são escorregadias, na medida em que podem simplificar algo que já toma para si uma aparência de informalidade, de pouco polimento. Sou de opinião contrária: poucos se vestiram com trajes tão enganosos, pois tal cinema não poderia ser mais calculado ou referencial.

Com Hill of Freedom (2014), Hong prova estar mais próximo de nomes como Shohei Imamura – ”Pergunto-me se outros cineastas são tão interessados nas pessoas como eu” – e Eric Rohmer do que apresenta traços tarantinescos. Os zooms incisivos que o caracterizam pedem nada mais que olhemos mais de perto; mais de perto para o que cimenta nossas relações, assim como para aquilo que as norteia. Com planos de reencontrar Kwon, coreana com quem teve um caso, Mori (um japonês) acaba passando por e causando pequenas provações morais nas pessoas que habitam a pousada onde se hospeda e o café que frequenta – cujo nome dá título ao filme.

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A partir das cartas que deixou a Kwon, que, com o passar das tentativas, não tinha mais esperanças de encontrar, revivemos – nós e ele – seus pequenos encontros, aparentemente seguindo uma ordem narrativa que pertence a dois. Mas não é por acaso que Hong parece questionar a quem pertencem aquelas histórias. Parte do que vemos teve vida a partir das cartas, decerto, mas quem pode conferir confiabilidade ao resto? Ou seja, tudo o que aqui é proposto parece pertencer a uma retomada. Voltamos, então, à pergunta basilar: é possível, ou mesmo necessário, conferir confiabilidade ao cinema em si? Que porção de mentira ou ocultamento há nas narrativas que contamos?

Mas o movimento de retorno ao início, buscando eixos de ação, também vibra no interior dos personagens. ”Você tem um cheiro tão gostoso”, diz Mori, ao que sua amante responde ”Você é tão, tão bonito”, e isto parece definidir sua aproximação. Não são simplesmente homens e mulheres adorando aspectos superficiais um do outro: aqui, Hong parece mais dotar seus personagens de um arquético infantilizado – gesto arriscado e consciente, num país onde pensar o coletivo e refrear os impulsos está acima de tudo. Pois se é raro que encontremos crianças em seus filmes, apresenta-se aqui um segundo ardil. Elas estão lá, mas intrinsecamente, sempre guiadas pelas satisfações do corpo.

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Três vezes é perguntado ao protagonista se a sua viagem à Coréia tem fins de negócios ou prazer, três vezes ele não sabe respondê-la. Retomamos, então, o prazer. Ao passo em que o álcool está sempre presente, incitando afetos sexuais e discordâncias emocionais, é somente em Hill of Freedom que é possível trazer à luz o núcleo que faz pulsar o cinema de Hong. Aquilo que gostamos, que nos faz buscar prazer no outro e no mundo é a bússola desses encontros, assim como da nossa relação com o cinema. Prazer visual, do olhar, se afinal juntamos as duas palavras-chave. Não seria esse o fim do cinema? Como nos filmes de Sang-Soo, talvez não caiba a nós responder.

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