Breves apontamentos sobre alguns filmes em cartaz: L’Apollonide, Sleeping Beauty e Slovenian Girl

Acompanhar o circuito de estréias de nossos cinemas nos permite empreender uma relação entre alguns filmes que nos últimos cinco, seis meses foram lançados nas telas brasileiras tendo o tema da prostituição como eixo principal. Ainda que sejam filmes distintos, nem sempre coincidentes nos tons e personagens, ou na maneira de olhar/filmar o espaço, certos pontos em comum podem ser encontrados nos seus desejos de utilizarem-se das sagas bastante particulares de suas personagens femininas para refletir a maneira como o cinema enxerga valores (ou a falta de) no sexo e nas relações entre homens e mulheres quando pautadas pelos encontros amorosos (se é que podem ser chamados assim) quando estes são decorrentes do trabalho e obrigação.

Isso vale para L’Apollonide – Os Amores da Casa de Tolerância  − o melhor dos filmes em questão, diga-se −, Beleza Adormecida e Slovenian Girl, todos filmes relativamente comportados, em que os homens não raro são vistos como doentes ou pérfidos, e as prostitutas frustradas, com um clima pesado se impondo em cada um deles pela recorrência dos momentos mais sórdidos (um pouco menos em Beleza Adormecida, filme mais amorfo, e consequentemente mais inofensivo). Eles giram numa busca e consolidação de um desconforto muito grande pensados como um fim, não como um meio, e com um desconforto existindo de fora pra dentro, não ao contrário, como ocorre em obras de críticos implacáveis das relações sociais como as de um Claude Chabrol. Pensemos aqui, por exemplo, na empregada doméstica interpretada por Sandrine Bonnaire em Mulheres Diabólicas, encarada quase como um bicho perto de seus patrões, mas que vai se impondo como personagem tridimensional e com vontade própria, o que intensifica a plenitude de sua presença, sem que isso signifique escapar da tragédia, que afinal ocorre porque ela assim o quis e decidiu, ao invés de uma protagonista como a de Slovenian Girl que só se move unicamente presa dos fios que seu diretor-titereiro engendra.

Curioso também pensar como o sexo é tratado nessas produções mais recentes citadas acima. São filmes assexuados que por mais que exponham peles e suas mulheres ao natural, tratam de reduzirem-nas a seios e bundas como pedaços de carnes expostos como mercadorias, como se não houvesse possibilidade de sensualismo em ambientes em torno do meretrício (somente um louco se excitaria com as cenas de nudez ou de sexo em L’Apollonide ou no Slovenian Girl, especialmente). Nisso se reconhece um moralismo na escolha de pintar certos ambientes e contextos como degradantes ou doentes. Os filmes de Mizoguchi sobre a prostituição tampouco eram defesas ou apologia desse meio, e se suas personagens pertencessem a ele certamente não era porque o quisessem, porém o cineasta jamais recusou tratá-las com dignidade, em seus filmes não a sentimos como seres inferiores por estarem numa escala mais baixa do quadro social, em nenhum momento é forçado um sentimento de pena, nojo ou desprezo diante delas (não é por nada que eles resultam em alguns dos mais belos filmes feministas já feitos). Enquanto o tal Slovenian Girl está mais para um filhote do cinema do dogma dinamarquês no verniz com que modela suas imagens para torná-lo respeitável e legitimar o vazio com que lida em relação a sua suposta crueza e brutalidade do mundo. Não há descanso ou respiro no filme, e o trabalho da atriz (Nina Ivanisin) que faz a personagem-título é unicamente o de sustentar a mesma expressão trágica e coitada o tempo inteiro. No final das contas o cinema é que sai perdendo.

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