Existe atualmente na comédia televisiva americana uma espécie de “política do constrangimento”. É através dela que programas como Curb Your Enthusiasm, The Office e, em menor escala, Parks and Recreation encontraram seu modo operante característico. Aos poucos, vão sendo dadas pistas de como se desenrolará a situação que causará vergonha alheia no espectador, onde inevitavelmente estarão envolvidos os personagens principais das respectivas séries. A quase totalidade do episódio se dá na prática dessas ações, muitas vezes já antecipadas pelo público, mas que deverão gerar os momentos de maior deleite cômico na série em questão. Não que isso tenha sido “inventado” por essas séries, mas elas servem como um exemplo atual do funcionamento de tal lógica. E o sucesso desta “política” começa cada vez mais a ser difundida para o cinema, mas não necessariamente perdendo a linguagem da televisão contemporânea. Bridesmaids é a síntese perfeita dessa constante.
Dirigida por Paul Feig, diretor conceituado de séries, inclusive de vários episódios da extinta Arrested Development (outro bom exemplo dessa comédia da vergonha), além das já citadas Parks and Recreation e The Office, além de ser co-roteirizada – e estrelada – por Kristen Wiig, uma das mais relevantes atrizes do grupo atual do Saturday Night Live, Bridesmaids é filho da televisão, até o último frame fotografado. O produtor executivo, Judd Apatow, um dos expoentes mais representativos da comédia americana cinematográfica atual, também veio da TV, onde produziu a genial Freaks and Geeks, e de onde veio parte do seu séquito de amigos que hoje em dia é responsável pelos melhores produtos cômicos vindos dos EUA (entre eles, Paul Feig). Acontece que a diferença entre Apatow ou Greg Mottola, pra citar outro membro do grupo proveniente de Freaks and Geeks, e Paul Feig é que os dois primeiros se graduaram verdadeiramente no cinema, desenvolveram e foram aguçando um tipo de linguagem conceitual para além do sistema cômico da TV, e podem ser tidos como cineastas “autorais”, mesmo quando fazem filmes irregulares (como é Funny People, por exemplo). Feig não detém do mesmo controle sobre sua obra, depende mais da graça da situação que de um bom desenvolvimento da mesma; depende mais de seus atores que de uma construção mais elaborada da mise-en-scène, que não esteja estritamente ligada ao constrangimento absoluto.
Certas situações do filme deixam uma nítida impressão de que ficou perdido dentro delas o tempo do corte, onde a dilatação de algumas cenas que buscam as gargalhadas por um tempo maior perdem, em si mesmas, suas funções dentro do todo narrativo. O maior desses exemplos é a seqüência do avião, em que a personagem de Kristen Wiig, bêbada e descontrolada, executa uma série de atos abomináveis que geram a expulsão de todo seu grupo de amigas da aeronave. Em algum momento da longa série de situações, a graça deixou de existir e a sensação de repetição se instaurou, e o que resta é somente aguardar o final da “esquete”. Existe também uma necessidade praticamente irrelevante em transformar o último ato do filme em uma catarse muito bem delimitada, seguindo a natureza superficial das comédias românticas triviais, que faz com que se perca um pouco da admiração pelo que vinha sido realizado até então.
Mas não se engane com esses poréns, pois Bridesmaids está muito acima da média e é terrivelmente engraçado. Ainda que não consiga escapar do seu berço de televisão, Paul Feig conta com o auxílio de atores afiadíssimos, ou melhor, atrizes. Esse é o maior trunfo do filme, ser um produto quase que totalmente protagonizado por personagens femininas, mas com um perfil masculinizado, destemidas, muitas vezes toscas, perdedoras assumidas e que são constantemente colocadas em situações nada dignas (não existe essa piedade, por serem mulheres, portanto o filme não é nem feminista, nem machista), uma delas especialmente escatológica: a já antológica seqüência da prova do vestido de noiva. É o cinema dos Farelly encontrando a humanidade natural da turma de Apatow e que, mesmo seguindo um sistema articulado pela linguagem de televisão, dispõe de alguns dos momentos mais engraçados do cinema nos últimos anos. Se for sobre isso que comédias devem tratar, Paul Feig segue bem!
Valeu a dica, gostei pra caramba também, não pode passar batido mesmo…
E, por exemplo, na cena do avião como citou, talvez essa repetição servisse até como pretexto pra “aprofundar” [entre aspas] em algumas coisas, porque no intervalo que a loira vai-e-volta tem o beijo entre duas madrinhas daqui, outra situação que explora a chama sexual da gordinha acolá… Mesmo isso não me incomodou não.
Não vi Parks e Curb (apesar de ter visto vários trechos desta numa entrevista que o Gervais fez com o David, e dá pra notar bem esse tom), mas quanto a The Office (à versão americana, pelo menos), essa fórmula da comédia pelo constrangimento é sacada já nos primeiros dois ou três episódios (há aquela cena seminal quando o Michael finge despedir a Pam, acho que no primeiro ainda), e cansa muito, sinceramente. Acho que não só pela antecipação, que é inevitável, mas porque a estrutura da comédia parece um molde único de onde são gerados todos os episódios. Não há problema em utilizar como estratégia, mas é preciso imprimir uma variação sobre, não apenas “Michael faz algo vergonhoso em público e seus funcionários ficam com cara de tacho” (aliás se não ouvesse esse espelhamento entre o público e os funcionários – que são o público do Michael – nada em The Office funcionaria). Arrested por exemplo chega ao constrangimento diversas vezes, mas raramente pelo mesmo caminho. Você pega um “I’m afraid i just blue myself” e um “i’m so glad i didn’t cry”, ambos ditos pro Michael Bluth, e o constrangimento é só um efeito secundário diante da genialidade do texto.
Mas comentei pra falar disso mesmo, não vi esse filme ainda, hehe.