Festival ECRÃ: SINF0N14 (Raúl Perrone, 2022)

Amor pelas imagens

Por Chico Fireman (@filmesdochico)

Na sequência final de “SINFON14”, atração do Festival Ecrã, o veterano argentino Raúl Perrone parece tentar desconstruir seu filme. A trama, se é que alguma obra do cineasta pode abrigar esse conceito, já acabou e numa cena de bastidor, em preto-e-branco, ele conversa com seu protagonista, Edgardo Cozarinsky. Entre várias outras coisas, diz que as imagens mais belas que ele já captou são aquelas em que seus atores mal sabem que estão sendo filmados. Registros espontâneos de beleza pura. Pode até estar sendo fiel a seus sentimentos e ao que enfatiza (“imagens que captou”), mas se há um diretor atual que consegue fazer artesanato em seus filmes, este é Perrone. “SINFON14” é a prova disso.    

Como em “Casanova e a Revolução”, os personagens, nobres aristocratas, dividem uma carruagem, mas ao contrário do longa de Ettore Scola, em que uma fotografia clássica ilumina rostos conhecidos, aqui o cenário é noturno e a viagem, profana e lisérgica, ganha tons e representações fantasmagóricas. Em praticamente todas as cenas, Perrone explora essa atmosfera sobrepondo imagens, distorcendo, dilatando e multiplicando rostos, criando pinturas em composições exuberantes ao longo de todo o filme. É um caminho curioso porque esses quadros que partem da deformação, como se simbolizassem a perversão sexual daquelas pessoas, encontram resultados que se não negam, complementam a busca do diretor. São registros construídos, mas de beleza pura.

Essa construção reforça uma obra que se move entre onírico e o herege, que não tem intenção de ser decifrada, que existe pela força das imagens que consegue produzir.

A busca por dar significados extras às imagens é o motor de outro filme presente na programação do Ecrã, o colombiano “Testemunhas Silenciosas”. Neste caso, as imagens dos filmes são “roubadas” de outras criações, obras da época do cinema silencioso que o também veterano Luis Ospina decidiu resgatar sob a ideia de criar uma narrativa completamente nova a partir delas. Com sua morte, Jerónimo Atehortúa Arteaga assumiu a tarefa, adicionando uma nova camada de resgate ao projeto. Enquanto Perrone cria imagens para estabelecer o ambiente de seu filme, Ospina e Arteaga reagem a imagens criadas por outros para transformá-las e, em algum nível, honrar sua própria memória. Em ambos os casos, são dois filmes que olham para a matéria-prima no cinema apaixonados pelo poder que ela tem.

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