Notas do Eremoceno (Viera Čákanyová)

Visto no Olhar de Cinema 2023

Por Geo Abreu

Um álbum de imagens perdido no sotão

Dizer que este filme é mais um a trabalhar com a ressignificação de imagens de arquivos públicos e privados e também com a ideia de ficção distópica é fazer uma leitura rasa dele. Acredito que essa profusão de filmes que pensam o mundo pós humanidade ajudam também a refinar o argumento, e é assim que Notas do Eremoceno se apresenta.

Viera Čákanyová cria um universo em que o humano e o analógico estão desaparecendo, enquanto a imortalidade via memórias digitais se configura como num jogo de multientradas. Nesse processo, a protagonista, um ser bastante curioso, percorre seus arquivos pessoais em busca de rastros da língua eslava e sobre a civilização botomori, aquela que deu lugar a humanidade. 

Considerando um tanto piegas que Eremoceno seja traduzido como a civilização da solidão, podemos passar por cima disso enquanto observamos a forma como algumas imagens de paisagens e animais são ampliadas e reconfiguradas dimensionalmente, explorando uma realidade desconhecida e suas possibilidades de preenchimento de um espaço tridimensional na realidade bidimensionalizada dos dados, nos pondo no lugar daquela protagonista que já não possui conhecimento sobre a existência de um corpo, do mar ou de um sapo. Tudo são apenas imagens que podem ser tratadas plasticamente e a partir de vários artifícios sem com isso conseguir materializar a experiência de um banho de mar ou do naufrágio de um barco. 

A ideia da comunicação via bastões de cristal nos lembra os universos comunicacionais de Ursulla K Le Guin e a ampliação do estatuto de humanidade a outros seres mais que humanos. Essa humanidade ampliada pela ideia da imortalidade virtual ao mesmo tempo em que o humano perde a soberania sobre o mundo é uma das possibilidade aventadas por esse pequeno filme, que joga com apenas alguns fatores possíveis de um futuro cada vez mais automatizado e nossa terceirização das memórias. No fim podemos pedir que a assistente virtual toque nossa música predileta enquanto nos perdemos mais uma vez no universo de dados que chamaremos um dia de eu.

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