Cobertura: Festival do Rio parte #3

Diário de bordo do Festival do Rio.

Por Pedro Tavares

PADRE PIO (Abel Ferrara, 2022)

Pio como receptador do mal que volta e meia nos assola. Ferrara coloca Pio como uma extensão e comentário vivo do que o filme de fato narra, um mundo prestes a curvar-se ao fascismo. E como Jesus chora ao contemplar Jerusalém e Jeremias escreve o livro de lamentações com tristeza, angústia e medo, Pio replica este gesto de desesperança no silêncio e na repetição de rituais que desembocam em uma das cenas mais potentes do filme quando Pio transparece, enfim, sua aflição.

CARVÃO (Carolina Markowicz, 2022)

Fábula rural interpelada por um pungente thriller de corrupção que dialoga diretamente com seu entorno. A realidade que instiga uma escolha corpulenta pela moral tipicamente brasileira e tão pulsante em pequenas comunidades. Por estas brechas o filme sustenta a linha de tensão e estilhaça argumentos puritanos conforme se aproxima das casas da região a lembrar que a necessidade é muito maior que os valores.

NIGHTSIREN (Tereza Nvotová, 2022)

Um bom filme para sessão dupla com Carvão. Tereza Nvotová também faz uma fábula rural interpelada por questões que envolvem valores e Nightsiren a parte da presença de bruxas num vilarejo. Bruxas estas que são estudadas pelo viés da subversão ao conservadorismo e não pelo lado mágico que geralmente são implicadas. A cólera geral criada pela vizinhança esboça um filme de vingança silencioso e de reapropriação do espaço criado para a liberdade e não para o medo.

EO (Jerzy Skolimowski, 2022)

Não é um exercício inédito ao colocar extremos opostos em representação para analisar seus comportamentos – a lembrar de Bresson, por exemplo – e EO, o burrinho que dá nome ao filme, é o observador das devastações humanas. Ele é uma espécie de Sr. Hulot do apocalipse e o que realmente instiga no novo filme de Skolimowski é a insinuação do valor da neutralidade do observador, de códigos não estruturados no comportamento do animal para que tenhamos qualquer insinuação de suas reações – o que de certa maneira nos remete aos filmes mudos que na ausência da palavra se esgueiram na linguagem corporal e nos gestos.

O JULGAMENTO DOS NAZISTAS DE KIEV (Sergei Lonitzsa, 2022)

Lonitzsa segue com a série de resgate de imagens e condensá-las sob um conceito. Este talvez seja o mais prático no sentido de uma lógica narrativa e que através dos depoimentos aborda a banalização do mal e como estes atos de horror parecem de um passado distante ou impossíveis de serem recriados pelo real. É um exercício que pela repetição coloca-se em xeque, porém aliado ao seu valor histórico, não cerceia o horror quando ele deve ser, de fato, exibido.

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