Mostra de Cinema de Tiradentes: O Dia da Posse

Por Geo Abreu

A tradição do encontro com personagens documentais comuns e extraordinários, que muito deve ao cinema de Eduardo Coutinho, é resgatada por O Dia da Posse, de Allan Ribeiro. O cineasta nos apresenta Brendo, rapaz de fala fácil que cruza diversas referências pop em suas preleções, indo desde pronunciamentos políticos a discursos de eliminação em reality show, alimentando assim um sonho de infância: ser presidente do Brasil. 

Ribeiro e sua câmera tiram partido do confinamento ao expor uma das características desse período: a crescente importância da relação com telas na vida da cidadã comum. Tevês, monitores, telas de dispositivos móveis, visor de câmera, olho mágico, janelas. A imposição desse regime de economia da atenção traz consigo a necessidade de manter uma imagem íntegra de si para ser mostrada, enquanto os rostos de Allan e Brendo expressam a dificuldade disso. A vida entre frestas e a imposição desse contato mediado por telas como as únicas possibilidades de comunicação com o fora nos últimos dois anos. 

Nesse ponto é que se misturam dispositivo e personagem, com Brendo mostrando desenvoltura diante do confinamento e do excesso de exposição frente às diversas possibilidades de enquadramento, como alguém que passou a vida inteira sendo treinado pela cultura audiovisual até este momento. 

O diretor desempenha bem o papel de provocador, estabelecendo alguns jogos para que Brendo ganhe desenvoltura e, brincando, produza discursos dignos dos personagens que deseja ser. Ele conta histórias de quando se descobriu pobre ou de como pretende cursar medicina, logo após a graduação em direito. Esse gancho é puxado a partir do encontro da câmera com vestígios de uma pequena cirurgia de extração de dente feita pelo próprio Brendo no apartamento em que ambos estão confinados. 

Entre os blocos de apresentação e adensamento do personagem principal, o diretor também se expõe, em tomadas na praia, construindo assim episódios que promovem uma quebra na narrativa, suavizando a monotonia da locação única. Marcando o caráter de externalidade desses trechos em relação a linha

narrativa principal, Ribeiro elabora jogos de dentro/fora, mostrar/esconder, a partir dos quais reforça a diferença entre as subjetividades expostas no filme, mantendo o foco e o zoom no rosto de Brendo, enquanto brinca na areia sozinho com sua câmera. 

Entre o experimental e o vídeo caseiro, duas categorias que o próprio filme aventa sobre si, Ribeiro explora as possibilidades dessa multiplicação de telas. O comportamento de Brendo, que parece ter nascido pronto para o momento em que – quase – todas as casas tenham se tornado o palco de um show com transmissão via web,produz pontos de contato com o filme Alvorada, de Anna Muylaert e Lô Politi, quando, por exemplo, o vemos despedir-se de seu pequeno Palácio da Alvorada e de todos nós, ao fim de um mandato curto e ainda assim marcante. É nesse ponto também que (re)conhecemos um cineasta maduro, capaz de tirar um filme do bolso como quem brinca de fazer cinema.

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