Olhar de Cinema: Um Céu Tão Nublado (Álvaro F. Pulpeiro)

Por Camila Vieira

Composto por planos noturnos e crepusculares, Um céu tão nublado alterna sequências da paisagem venezuelana, quase sempre em lugares de passagem, como estradas e portos; ambientes onde trabalhadores circulam, em navios cargueiros e porta-aviões ou territórios ocupados por atravessadores de gasolina e câmbio, além de soldados que cercam determinadas regiões do país. A sensação inicial é de terra devastada: uma Venezuela que alimenta o desejo de um plano de integração de nação e, ao mesmo tempo, seus habitantes parecem estar à deriva. 

O azul escuro do céu e do mar no cais contrasta com o fogo expelido das chaminés das fábricas. As travessias de carro pelas rodovias são substituídas pela espera de militares por helicópteros nos navios. As sequências de controle e vigilância na saída das fronteiras são seguidas por outras em que cantores populares pedem carona às margens das estradas. A montagem de Um céu tão nublado procede por acúmulos, oposições, diferenças que complexificam a experiência venezuelana, sem recorrer ao procedimento fácil da explicação didática.

O mesmo acontece com a ambiência sonora do filme, que é marcada por transições em que uma voz over masculina interpela como “filho da pátria” a se sentir órfão. Os noticiários da Rádio Nacional, tratam da reeleição de Nicolás Maduro, a oposição de Juan Guaidó e a interferência diplomática de Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos, por meio de sanções ao governo venezuelano. O choro insistente de um bebê transportado dentro de um carro é amplificado com o som dos mesmos noticiários ao fundo. Em outra sequência, diversas vozes de atravessadores se superpõem em planos de detalhe com bocas falantes e as mãos cheias de dinheiro. A composição mais impactante do filme apresenta jovens e crianças que enchem barris de gasolina e descarregam dos caminhões. Com vários galões empilhados ao fundo, o rosto de um menino aparece em primeiro plano a olhar para o céu. É a imagem do futuro aprisionada à contundente crise do presente.

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