Olhar de Cinema: Sonhos de Damasco (Emilie Serri)

Por Camila Vieira

A partir de uma viagem de carro encenada com seu pai, Emilie Serri inicia e encerra Sonhos de Damasco. A estrutura circular envolve um percurso a ser feito, com a companhia da figura paternal que pode evocar a ideia de origem. O ponto de partida é a indagação ao pai sobre o que ele se recorda de sua vivência como jovem em Damasco, capital da Síria. Ele é um expatriado no Canadá e mantém o costume de falar árabe, da mesma forma que outros tantos personagens entrevistados ao longo do filme. De início, a imagem idealizada do pai nas filmagens domésticas em que a realizadora aparece criança, ainda em 1986, acabam por ser desmontadas e confrontadas com imagens da Síria em ruínas.

O filme faz uso de diferentes materiais de arquivo: desde vídeos de família a fotografias registradas em preto e branco em diferentes tempos. O procedimento documental recorre a depoimentos tanto de sírios que moram em outros países quanto de seus descendentes  que já assimilaram outras culturas. Um dos entrevistados afirma que todas as suas memórias estão em Montreal, no Canadá, e não mais em Damasco, porque a Síria como ele conhecia está completamente destruída e a guerra acabou por esfacelar as famílias envolvidas. A fala de Mohamad coloca em desequilíbrio toda a tentativa do filme de qualquer busca romantizada pelas origens: “Não há espaços para sonhos. Para nós, tem sido um pesadelo desde que a guerra começou”. 

Alguém apresenta a hipótese de que, no futuro, os países desaparecerão e já não existirão mais fronteiras. Em uma construção que também lança mão do uso da câmera que a realizadora enxerga como única âncora, a materialidade fílmica desmonta qualquer possibilidade de certeza sobre as raízes partilhadas. Sonhos de Damasco costura fragmentos de memórias em uma espécie de corda bamba, na medida em que possui consciência do trauma, mas ao mesmo tempo também deseja esquecer para construir lugares imaginados.

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