Por Camila Vieira
A revivência do trauma em Conferência implica partilhas de silêncios e corpos quase imóveis, filmados em planos estáticos e frontais. A madre Natasha e sua amiga Svetlana são sobreviventes de um atentado que aconteceu em outubro de 2002, no teatro Dubrovka, em Moscou. Enquanto era apresentado um musical, um grupo de chechenos manteve como reféns artistas do espetáculo e pessoas da plateia, com o intuito de mobilizar publicamente o país para exigir a retirada das tropas russas da Chechênia. No filme de Ivan Tverdovskiy, a rememoração de tal evento que marcou a história política da Rússia só é possível por meio da ficção.
Por outro lado, a narrativa ficcional também precisa ser ancorada em lastros do real: a cerimônia de luto organizada por Natasha acontece no próprio ambiente do teatro onde o incidente de fato aconteceu. Entre as cadeiras, são dispostos manequins com três cores que representam quem estava no dia: branco para as vítimas que não sobreviveram ao ataque, preto para os terroristas e azul para os que não compareceram à cerimônia. Em uma longa sequência com personagens que relatam sobre suas lembranças do dia fatídico, o filme desenvolve-se a partir de um trabalho rigoroso de encenação das narrativas por atores e atrizes, que irão interpretar os relatos dos sobreviventes reais ouvidos durante a pesquisa do diretor. Apenas dois jovens – que hoje são atores – foram reféns na época e, na mesma sequência, ambos aparecem e relatam suas próprias experiências.
O modo como o testemunho se alia ao gesto ficcional ganha outra dimensão dentro do teatro: não só por ser o lugar onde tudo aconteceu, mas sobretudo por se tratar de um espaço cênico. Um microfone passa de mão em mão e alguns planos aproximam-se dos rostos dos personagens. Os relatos são prolongados e incomodam os proprietários atuais do teatro. Natasha insiste que os participantes não abandonem o teatro até encerrar a cerimônia. Ela defende ser importante não ter medo e não esquecer, em memória dos que morreram. “Precisamos encontrar a força dentro de nós para fazer isso. Sentamos e não falamos nada e acontece um desastre atrás do outro. Somos covardes para dizer algo”, afirma Natasha. Mas a personagem alimenta uma contradição dentro de si: apesar de querer falar sobre o que aconteceu, ela não sabe como lidar com sua filha Galya que a culpa por uma decisão drástica que ela precisou tomar para conseguir escapar da morte. Conferência é também um filme de embate entre o que é necessário lembrar e o que se deve esquecer dos traumas históricos.