Por Camila Vieira
“Imagens e sons como pessoas que se encontram em uma jornada e não podem mais se separar.”
Robert Bresson – Notas sobre o cinematógrafo
No cinema, a escuta é tão importante quanto o olhar. A percepção dos sons de um filme acontece com a percepção das imagens. Em um filme, imagens e sons constroem dinâmicas e fluxos. Ao analisar filmes por meio de textos, raramente abordamos algo a partir das nossas percepções sobre o som e, no entanto, imagem e som fazem parte da integralidade fílmica. Como críticos de cinema, somos bastante oculocêntricos e deixamos de lado considerações pertinentes ao som dos filmes. Colocamos a visualidade em primeiro plano de análise e esquecemos a sonoridade.
Ao final do longa-metragem português “Aquele querido mês de agosto” (2008), o realizador Miguel Gomes questiona o diretor de som Vasco Pimentel sobre sons fantasmas que foram registrados em alguns planos e que não deveriam existir no filme. “Como é possível haver sons que não estão lá?”, pergunta Miguel Gomes. Vasco responde que tecnicamente isso é impossível, porque ele registra os sons que quer. “Eu sou diferente de você”. O embate entre os dois alude à forma como a materialidade sonora de um filme envolve a escolha entre sons desejáveis e descartáveis.
Em determinados filmes, as dinâmicas da escuta tornam-se elementos constitutivos da narrativa, como é o caso da franquia Um lugar silencioso, que Felipe Leal analisa em um dos textos desta edição da Multiplot. Os sons podem acentuar ou reforçar o que é visto nas imagens, mas efeitos sonoros e temas musicais também podem criar tempos e espaços imaginados apesar da tela, como argumenta Chico Torres em texto sobre Blue (1993), de Derek Jarman.
Nem sempre o acoplamento do som à imagem resulta em uma codificação unívoca de sentidos dentro da estrutura narrativa. A fala como elemento sonoro não se sustenta apenas por meio do diálogo, mas sobretudo a partir de seus instantes silenciosos. No ensaio “Por um cinema falado” – traduzido nesta edição pelo Bernardo Moraes Chacur -, Éric Rohmer afirma ser “necessário que a palavra desempenhe um papel condizente à sua natureza de signo, ao invés de figurar apenas como um componente privilegiado entre os elementos sonoros, mas de importância secundária com relação ao elemento visual”.
É possível também pensar o som fora da ideia de correspondência à imagem ou de vínculo com a representação por uma forma propositiva de disjunção entre olhar e escuta. A partir dos anos 50, Stan Brakhage recusa o uso do som em seus filmes experimentais, por afirmar que as imagens em si mesmas já continham sonoridades. A sugestão sonora estaria na cadência, no ritmo, na pulsação das imagens. Pensar as frequências sonoras de um filme teria a ver com pensar a montagem das próprias imagens.
Em suas múltiplas possibilidades, o som no cinema pode estabelecer vínculos diretos com as imagens ou pode transbordar os limites da visualidade. A nova edição da Multiplot propõe aguçar nossos sentidos para as escolhas das sonoridades dos filmes que escolhemos falar.