Por Camila Vieira
O dispositivo criado por Jonathan Perel para realizar Responsabilidade empresarial é muito simples: filmar as fachadas de empresas que tiveram papel ativo na repressão e na perseguição de trabalhadores durante a ditadura militar na Argentina, entre 1976 e 1983. Enquanto vemos as imagens, escutamos a voz over de Perel que lê trechos do livro Responsabilidade Empresarial por Crimes Contra a Humanidade, Repressão de Trabalhadores durante o Terrorismo de Estado, publicado em 2015 pelo Ministério de Justiça e Direitos Humanos, no final do governo da então presidenta Cristina Kirchner, hoje atual vice-presidenta da Argentina. As informações contidas no livro expõem o envolvimento de cada uma das empresas e de seus proprietários em ações criminosas contra trabalhadores, principalmente sindicalistas.
Filmados sem tripé, os planos assumem a leve flutuação da câmera na mão de quem registra – o próprio Perel – sem a possibilidade de pedir autorização às empresas (já que tal solicitação provavelmente colocaria tanto filme quanto o realizador em risco). As filmagens foram feitas dentro do carro do diretor, que acoplou os microfones na parte externa do veículo. Mas ao mesmo tempo em que há a instabilidade do take, a frontalidade de cada plano junto à narração objetiva dos dados do relatório de crimes faz do documentário um contundente documento histórico, bastante cru, incisivo, sem rodeios.
A sucessividade dos planos com detalhes de números de vítimas assassinadas, torturadas, presas, desaparecidas, sequestradas desloca o espectador do seu presumido conforto ao ver um filme em uma sessão de festival. O acúmulo de crimes relatados provoca vertigem e nos leva a pensar o que o desvelamento de um passado pode nos dizer sobre o que acontece no presente. Por mais que seja um filme que lança luz sobre o passado cruel de derramamento de sangue na Argentina e que é constantemente apagado pelas forças locais, Responsabilidade empresarial é a denúncia do jogo permanente de interesses entre Estado e empresas privadas. Diante da conjuntura de pacto neoliberalista e ascensão do reacionarismo da extrema-direita em vários países do mundo, seria interessante que o filme pudesse circular e ser distribuído para um público mais amplo e não ficasse restrito ao circuito dos festivais internacionais.