Por Camila Vieira
Depois de vários planos fragmentados que aludem ao que irá acontecer ao longo da narrativa, as primeiras cenas de Nova Ordem (New Order, 2020), do mexicano Michel Franco, apresentam uma aglomeração de pessoas brancas, ricas, bebendo, dançando e se divertindo na confortável e intocável mansão da abastada família Novelo. O local recebe convidados para a cerimônia de casamento da jovem Marianne com um “jovem e promissor arquiteto”, segundo as palavras de Victor, amigo influente que mantém vínculos corruptos de trabalho com o pai da moça. Do lado de dentro da casa, organizam a cozinha os empregados não-brancos de ascendência ameríndia.
Aos poucos, acontecimentos estranhos começam a desestabilizar a teatralização da elite na mansão: a juíza ainda não chegou para realizar a cerimônia, as torneiras jorram tinta verde, uma convidada aparece com o pescoço esverdeado. Até que chega Rolando, antigo empregado da família, para conversar com sua ex-patroa, mãe de Marianne, e pedir dinheiro para a cirurgia de Elisa, sua esposa que está doente. Ela foi expulsa da enfermaria de um hospital público, que evacuou as vagas para acolher manifestantes feridos. Aqui já conectamos as pequenas irrupções já vistas com um grande fora de campo: vários protestos invadem as ruas, enquanto a elite permanece alheia ao que acontece lá fora.
É óbvio que a ex-patroa coloca dificuldade para dar o dinheiro e, a partir daí, explicita-se de forma gritante a desigualdade entre as classes. O filho mais velho quer logo expulsar Rolando. Marianne enfrenta os homens da família para ajudar o antigo empregado (curioso notar como há sempre uma jovem branca, loira, bela, que se coloca como a alma caridosa dos pobres oprimidos pelo sistema). E claro que o enfrentamento dela não será suficiente para romper a estrutura de poder hierárquica mantida pelos homens da família. Mas ela será a mocinha capaz de sair do conforto de sua casa para “fazer alguma coisa”, enquanto sua mansão acaba sendo logo depois invadida pelos manifestantes.
A primeira meia hora até chegar o momento da invasão e do saqueamento da casa dá a impressão de que Nova Ordem quer lançar alguma possibilidade de inversão de poderes dentro das cristalizações sócio-econômicas ordenadas pela máquina capitalista neoliberal. Mas é só um jogo de aparências: Michel Franco orquestra as cenas de forma pomposa e grandiloquente, como se o chamado para a luta armada contra o opressor devesse ser filmado como um espetáculo. Quando a cidade passa a ser sitiada pelo exército, a mesma lógica espetacular é exigida para explicitar a violência tanto em opressores quanto em oprimidos. A direção não se compromete com absolutamente nada que encena e se esvazia tanto em sua indiferença que só entulha cenas pretensiosamente chocantes para sua audiência internacional.
Visto durante a 44a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – 2020