Mostra Internacional de Cinema de São Paulo: Mamãe, Mamãe, Mamãe

Por Camila Vieira

Mama_Mama_Mama_STILL_1

Apesar de ser um filme que toma a morte como ponto de partida para o desenvolvimento de sua própria dramaturgia, não há qualquer desconforto nas imagens de Mamãe, Mamãe, Mamãe (Mamá, Mamá, Mamá, 2020), da argentina Sol Berruezo Pichon-Rivière. Os planos são todos muito bem controlados. O uso da paleta de cores fica restrito à instrumentalidade tautológica: são frias quando remetem à melancolia da perda e são quentes quando mostram o passado feliz das irmãs. Nem mesmo o fora de campo produz algum mistério, já que ele só é usado como mera ilustração da ausência que já acontece desde o início da narrativa.

A encenação da perda parece ser um subterfúgio para abordar uma história que só é possível ser narrada com mulheres: a mãe solo e sua filha Cleo; a tia e as três primas; a vizinha; a cuidadora da avó e sua filha. Mas as representações das mulheres aqui são reduzidas às imagens mais genéricas e cristalizadas de uma idealização do feminino: as crianças estão sempre calmas, dóceis e bem educadas; a mãe chorosa e reclusa no quarto; a fantasmagoria da irmã se manifesta como presença angelical; a tia é a protetora sempre preocupada com o bem-estar da sobrinha e de suas filhas. Tem até uma coelha fofinha entre as meninas que vai gerar filhotes – qualquer metonímia simplória da relação mãe e filha é bem-vinda nesse filme.

Não é de se estranhar que todas as mulheres – crianças, adultas e idosas – estão aqui restritas ao espaço da casa e, mesmo quando há um breve momento de fuga, elas sempre retornam ao lar. Nada vai perturbar esse espaço apaziguado, nem mesmo a necessidade de inserir na trama a menina Aylin, que vem do Paraguai, pelo simples exotismo de que ela está ali apenas para narrar histórias de sequestros e desaparecimentos. A jornada das crianças pelo desconhecido em um caminho fora do espaço doméstico nem chega a ser ameaçadora – um contrassenso com a própria ideia de morte que o filme quer aludir. Desta maneira, Mamãe, Mamãe, Mamãe limita-se a ser um filme fofinho, palatável, que não desconcerta, nem foge das expectativas do conforto da audiência.

Visto durante a 44a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – 2020

FacebookTwitter