É Tudo Verdade: Segredos de Putumayo

Por João Pedro Faro

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Em seu novo documentário, o cineasta Aurélio Michiles percorre os caminhos da histórica expedição do irlandês Roger Casement pela floresta amazônica no início do século 20. Marcada pelo testemunho da escravidão e do genocídio indígena, cometidos por empresas extrativistas inglesas que invadiram a Amazônia, o diário de Casement é a base estrutural do longa, que remonta a história através de entrevistas, arquivos e reconstituições em locação.

Surge, desde os primeiros minutos de projeção, uma tentativa de trazer um escopo épico ao projeto. É embalado por uma trilha incessante e fortemente dramática, acompanhada por imagens que firmam o preto e branco como potencializador de sua intensidade sombria. Assim, entram os recorrentes trechos de reconstituição, feitos por um ator vestido de Casement, que não vão muito além de filmar pessoas de costas e criar ilustrações imediatas e desinteressantes para acompanhar a narração do diário. Nesse quesito, o filme remete muito às produções históricas feitas por alguns canais de TV por assinatura, e essa sensação televisiva e desconjuntada não casa com as intenções mais sóbrias do projeto. Um outro exemplo de como a reconstituição desmonta algumas cenas, em um momento mais pontual, é quando Michielis decide ilustrar um trecho de entrevista que detalha algumas atrocidades cometidas contra o povo indígena na região e cria, com próteses falsas, uma sequência de imagens de esqueletos e pedaços de corpos humanos na mata. Trabalhada de forma pobre e carente de algo que a justifique, a reconstituição não serve bem ao longa, tornando momentos de temáticas fortes em apelos dignos de televisão barata.

Em contrapartida, a reunião dos arquivos é vasta e enriquecedora. A seleção de imagens, parte delas fotografadas pelo próprio Casement em sua viagem, trazem à luz uma realidade histórica severa. São intrínsecas a esses frames uma carga de revolta e inconformismo, pois expõem de forma objetiva e estática os horrores concretizados do imperialismo em estado bruto. Nem sempre o filme consegue se debruçar sobre esses arquivos sem trata-los com certa mediocridade, sendo pontualmente rebaixados à uma exibição de slides, sem que essas incríveis e tortuosas memórias gráficas sejam exploradas em toda a sua complexidade. Muito se deve a forma como o filme enxerga suas imagens como meras ilustrações do que está sendo ouvido, sem que elas integrem um mesmo plano mais bem trabalhado. Como nas entrevistas, especialmente as dos peruanos descendentes das gerações escravizadas, que são realmente bem realizadas e trazem diversas falas relevantes, mas que nem sempre são acompanhadas por imagens que buscam um diálogo maior com o processo fílmico. A quantidade de vezes que ouvimos algo e, logo em seguida, somos expostos à uma imagem diretamente correspondente às palavras que foram ditas, não é pouca. Parece que o filme não deseja construir uma operação que seja plural em sua linguagem, e tratando-se de um tema tão rico e poderoso, esses fatores pesam na experiência.

Segredos do Putumayo é um projeto de alcance informativo e que movimenta alguns dos trechos mais absurdos e revoltantes da história da América Latina. Infelizmente, não há grande interesse em complexificar seu processo de composição fílmica, renegando o documentário a uma estética empobrecedora e pouco condizente com seus escopos épicos. Suas informações tem valor inestimável, mas não deseja apresenta-las em um arranjo que esteja à sua altura.

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