É Tudo Verdade: Fico te Devendo uma Carta sobre o Brasil

Por João Pedro Faro

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A cineasta Carol Benjamin narra e organiza imageticamente a trajetória da prisão de seu pai, nos anos 70, cometida ilegalmente pelo regime militar brasileiro. Fico Te Devendo Uma Carta Sobre o Brasil agrupa uma investigação feita por Carol pelo passado do seu pai e a participação de sua avó na campanha pela anistia política.

Seguindo uma tendência contemporânea pelo documentário que coloca o histórico na perspectiva do íntimo, o longa funciona quase como um filme-ensaio intimista. Carol apresenta um material de arquivo amplo e bem integrado à uma narrativa documental concisa. O texto escrito é incluso no plano das imagens, as leituras de cartas funcionam como seguimentos articulados e pulsantes que criam ritmo às imagens estáticas e valorizam todo o arquivo reunido como uma possibilidade de criação cinematográfica. O documento existe como espaço de memória viva, especialmente na primeira metade do filme, mais focada nos desdobramentos dos primeiros anos da prisão de seu pai. Carol atinge uma louvável comunhão entre os impulsos investigativos, informativos e fílmicos, formulando o processamento de descoberta de fotos, textos e vídeos como o próprio princípio de composição imagética e sonora em seu documentário.

Enquanto resguarda um apreço e uma força ao se debruçar sobre as difíceis memórias de sua família, o filme se movimenta de forma interessante e oferece uma firme cisão entre formas de perpetuação do passado. Porém, há uma constante e desagradável intromissão verborrágica, por parte da narração do próprio filme, que diminui as energias dos arroubos iniciais. O reconhecimento de um valor íntimo à documentação histórica já se mostra presente no longa quando é criado um contexto em torno da revelação dos arquivos pessoais da família, atingida pela ação criminosa de um governo terrorista. Mas o documentário não permite que isso fale por si só, intrometendo verborragias intimistas que parecem querer explicar o que já estava claro, repetir o que já havia sido feito, tudo de forma muito verbalizada e dissonante. A sensação é de que a atenção dada ao material é renegada por um fio textual que deseja esmiuçar e tornar ainda mais tocante um grupo de documentos que, da forma como haviam sido apresentados, já falavam o que é dito, já tocavam o subjetivo pelas vias históricas. Cria-se um ciclo de repetição que, aos poucos, aproxima o filme de uma dinâmica redundante. A fala narrada em primeira pessoa surge como a única possibilidade de formulação do subjetivo, tornando o projeto menos memorável e se aproximando mais de documentários contemporâneos que tratam de questões similares (não há como ignorar a semelhança do texto de Carol com o do último longa de Petra Costa).

A partir de um conjunto de personagens brilhantes, enriquecidos pela preservação de suas memórias, Fico Te Devendo Uma Carta Sobre o Brasil consegue realizar passagens marcantes e bem compostas que geram movimento a partir da abertura de cofres do passado. Carol tem uma boa inclinação sobre o uso de arquivos e sabe remonta-los dentro de uma estética condizente com seu projeto e com suas intenções históricas mais personalistas. O que não cabe ao longa é a desvalorização de seu próprio processo e sua determinação em dizer as mesmas coisas duas vezes, não deixando com que o método engrandeça a experiência da autodescoberta pelas vias da lembrança.

 

 

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