É Tudo Verdade: Atravessa a Vida

Por João Pedro Faro

birds of prey

O novo documentário de João Jardim parte de uma ideia mais do que sedimentada no cinema documental das últimas décadas. Atravessa A Vida coloca uma câmera dentro de uma escola pública do interior de Sergipe, a fim de acompanhar os derradeiros dias pré-Enem dos alunos do terceiro ano. Desde High School (1986) de Frederick Wiseman até Últimas Conversas (2015), de Eduardo Coutinho, não faltam exemplos memoráveis (e, também, esquecíveis) de autores documentais que exploraram tanto o ambiente quanto os personagens do ensino médio público. Se há qualquer diferencial no filme de Jardim, ele está firmado em suas passagens mais propriamente intimistas.

A cidade pequena que dá palco à sua encenação é vislumbrada em segundo plano. Há, durante todos os diálogos, uma sombra da distância da capital e dos cursos que os alunos desejam prestar. Há uma sensação de isolamento, que percorre todo o filme, e que aponta para projetos de marginalização impostos à essas figuras adolescentes, mais do que conscientes de todo o processo por trás de sua sonhada incursão no ensino superior. Quando decide dar atenção direcionada a determinados personagens, Atravessa A Vida revela jovens em estado de elucidação e inquietação.

O que o filme não consegue carregar é, justamente, a complexidade dos sentimentos de seus personagens sendo resguardada pelo ambiente em que se encontram. Nada pode ser mais objetivo em demonstrar essa dicotomia do que alunos prestes a se formar, em correrias de estudos integrais impulsionadas por inseguranças e crises. Em seus momentos mais fortes, especialmente na primeira meia hora, integra um processo melancólico imersivo de desesperança e angústia, filmando livremente trechos de aulas, discussões e interações ordinárias carregadas de timidez e volatilidade. Já no terço final, o filme renega seus princípios e busca um encerramento mais comum e palatável, dando um nó de forca em sua integridade.

Atravessa A Vida é um caso curioso. De início, reconhece seu processo fílmico e produz imagens interessantes e ativamente relacionáveis em torno da experiência secundarista. Quando deixa de ser sobre a articulação entre a presença física da câmera e a reação desses adolescentes em crise à lente, busca os espaços mais confortáveis, conhecidos e desinteressantes. A forma como se encerra, em longos créditos que colocam o nome dos personagens ao lado do curso em que passaram ou pretendem passar, é um grande desrespeito à confiante aproximação que, inicialmente, parecia criar entre aquele grupo de pessoas. A partir do momento em que um filme age como um professor agiria, deixa de ter qualquer interesse pelos humanos em tela. Uma pena que ele não permita que esses alunos deixem de ser, por algum momento, algo além de alunos.

 

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