Olhar de Cinema: Uma Noite de Inverno (Jang Woo-jin)

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Por Gabriel Papaléo

O som do táxi é das primeiras coisas que ouvimos, um casal dentro dele, e o marido conversa com o motorista. A esposa perdeu o celular e por isso pede um desvio na rota, tira a conversa do lugar comum, e o carro dá meia volta. Essa situação se repetirá no filme, mas muito antes disso várias outras circularidades são mostradas na estrutura de Uma Noite de Inverno, um realismo fantástico contido, sobre as formas que tomam os relacionamentos amorosos com o tempo, com o contexto, com o lugar no qual eles se inserem.

Os ambientes aqui contam do isolamento desses personagens, dos silêncios, especialmente na figura da pousada na qual os personagens vagueiam. Ao longo dessa noite, visitam os lugares novamente com alguma constância, sempre com cenas pacientes, para entender que o drama daquelas pessoas pode ter ocorrido diversas vezes naqueles mesmos lugares, como se acessando a arquitetura dali, seja dos humanos ou da natureza, algumas respostas poderiam aparecer.

O uso das cores e luzes é importante na assimilação dessa dimensão quase fantástica dessa noite branca. Lembra o cineasta chinês Bi Gan no tratar da locação como um espaço dotado de memórias a ser conjuradas através do tempo, num jogo de cenas longas para reforçar o papel da natureza no quadro, a passagem das coisas comentando diretamente a encenação – mas enquanto Bi se concentra nas especificidades da região na qual filma, sua cidade natal, aqui o diretor Jang Woo-jin abraça ideais mais universais, que ao retirarem contexto do lugar conferem a ele um teor menos realista, mais alegórico, mas não menos dotado de memórias e momentos guardados.

Esse peso da neve e o que esconde é evidenciado no legado da relações com a mulher de branco e o soldado, quase uma versão mais jovem do casal protagonista. Através deles muito da juventude dos mais velhos é intuída e comentada, até em cenas mais didáticas como o diálogo das duas mulheres, perto do final. E assim se ensaia o que despertou a paixão entre aquelas duas pessoas, e a passagem do tempo que as levou à distância que vemos nesse presente. O confronto então é retratado numa cena mais pacata, com a luz vermelha em movimento por conta de um ventilador, um lembrete visual, mesmo que dos menos sutis, de que o tempo sempre está acontecendo e se modificando, e nas relações em crise é preciso pensar nele com carinho e cuidado para o dia amanhã nascer.

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