Olhar de Cinema: Guia de Filmes – Parte #2

Por Pedro Tavares

uma corrente selvagemBANQUETE COUTINHO (Josafá Veloso)

“Eu fumo cigarros e às vezes faço uns filmes”. Coutinho como sempre parte do seu lado depreciativo mas que acha lacunas de admiração sobre seus filmes numa conversa tipicamente Coutiniana entre reclamações e dúvidas. O filme parte da ideia que Coutinho sempre fez o mesmo filme de maneiras diversas e com arquivos muito protocolares. Está longe da descoberta sobre qualquer particularidade do saudoso mestre, mas vê-lo novamente é sempre prazeroso.

uma corrente selvagemDIZ A ELA QUE ME VIU CHORAR (Maíra Buhler)

Buhler emula os filmes sobre instituições a partir de um suposto silêncio em que a presença da câmera não consegue suportar – e isto não levanta em nenhum momento qualquer questão sobre o comportamento de seus objetos de estudo. Não são corpos em performance e sim corpos disfuncionais em uma rotina de autodegradação, o que faz dessa observação um processo aterrorizante.

uma corrente selvagemDOMÍNIOS (Natsuka Kusano)

Filme-processo que cria tensões em ciclos. A cada novo ciclo, uma nova informação para este processo de construção de mise en scène e de uma narrativa. No alto de seus 150 minutos o filme lentamente torna-se um palanque de saturação para o próprio processo.

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A COR BRANCA (Afonso Nunes)

O filme é uma espécie de silogismo composto por distanciamentos incômodos que se justificam como dormência existencial-social num país guiado pela corrupção. Aos poucos Afonso Nunes transparece este raciocínio dialético inchado enquanto julga os limites do filme suficientes para uma crítica previsível.

uma corrente selvagemESTOU ME GUARDANDO PARA QUANDO O CARNAVAL CHEGAR (Marcelo Gomes)

O filme flutua entre extremos como uma retórica do controle. Há tamanha confiança em seus personagens que Marcelo Gomes entrega seu filme a eles e isso é um gesto e tanto na mesma medida em que o filme se coloca com o passar do tempo numa encruzilhada que se basta no cotidiano de ações modestas e depoimentos elásticos. Este paradoxo caberia numa simples análise de perfeito encaixe, mas há a ciência que em toda ópera há um protagonista e é nele, o diretor, que se hospeda o verdadeiro maestro.

uma corrente selvagemNONA – SE ME MOLHAM EU OS QUEIMO (Camila José Donoso)

Há entre as citações imagéticas a Brakhage um proto-thriller de encaixe de peças que tira a montagem como elemento técnico para entroniza-la como componente filosófico da construção de um estado de espirito da protagonista que reside entre a rebeldia e o pessimismo. Curiosamente ajustá-la à justificativa por um gênero cinematográfico emagrece o discurso de Camila José Donoso, que por alguns momentos toma o caminho da gratuidade e tem respostas mais imediatas.

casa_leticiasimoes-2CASA (Letícia Simões)

Um filme sobre consciência que caberia em diversos formatos – o mais pungente é um drama familiar – que Letícia Simões penetra com noções muito particulares de sua carreira como cineasta e artista, do documentário às artes plásticas. O que está em jogo é como toda frontalidade pode ecoar durante o filme e Casa é muito bem sucedido nos limites da intimidade para amplificar um sentimento geral.

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A MULHER DA LUZ PRÓPRIA (Sinai Sganzerla)

Espécie de filme-antítese involuntário: elucubração em torno da obra e legado de Helena Ignez que não permite o retorno ao passado mesmo com toda chancela dos arquivos e diagnósticos feitos pela própria Ignez em voz off. Há um abismo entre o que é exibido e o que é dito, com franca frieza de Ignez a narrar sua própria vida, o que é um elemento muito curioso e incômodo.

uma corrente selvagemENTRE DUAS ÁGUAS (Isaki Lacuesta)

Amálgama de três personagens – dois em cena e um fantasma – e a total suspensão da tensão sugerida de um possível thriller. O desgaste emocional serve como um córrego muito bem estruturado por Isaki Lacuesta para transformar o filme numa espécie de internalização da moral e o contracampo como extensão de consequências do passado.

uma corrente selvagemINDIANARA (Marcello Barbosa e Aude Chevalier-Beaumel)

Ainda que todo formalismo genérico do filme se justifique pela urgência do tema, o que realmente há de valor aqui é a força de Indianara como protagonista e como o filme registra esta força além da justificativa de um filme dedicado a tal persona. Outro grande trunfo é como Barbosa e Beaumel fazem do externo um monstro incansável que ganha uma face no terço final do filme.

61337048_2325752854377189_9112645576645672960_oCHÃO (Camila Freitas)

Entre a possibilidade de registro da câmera observadora e a intromissão autoral de um documento didático, residir entre eles não é das melhores ideias. A possível teia política torna-se extensiva quando o filme deixa de ser um retrato das ações – sempre intrinsicamente políticas – do MST para declará-las como atos oficiais, apresentando seus inimigos e seus modus operandi e suas consequências.

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