Olhar de Cinema – Guia de Filmes #1

Por Pedro Tavares

uma corrente selvagemUMA CORRENTE SELVAGEM (Nuria Ibañez)

A tensão sexual como mediadora – ou corrente – da observação do cotidiano de dois pescadores que Nuria Ibañez recorta de forma bastante interessante: estes homens podem estar sozinhos no mundo ou criaram um antro à parte onde a vida mecanizada do trabalho serve mais como uma performance, de corpos contra sua própria natureza.

uma corrente selvagemDANIEL (Marine Atlan)

É admirável todo poder que Marine Atlan dá a corpos infantis à câmera. Nunca subestimados, sempre no limiar do fim da inocência e do abrupto horror da vida adulta, Daniel seria o equivalente ao filme infantil de Brisseau. É um filme que se distancia da morte mas nunca para um tipo de celebração da vida e sim para lamentar perdas precoces.

espero tua (re)voltaESPERO TUA (RE)VOLTA de Eliza Capai

Aqui um óvni intrigante sobre as manifestações de 2013 e seus desdobramentos até a posse de Jair Bolsonaro. É um filme ideal para exibição na MTV ou compartilhamento em redes sociais pela sua vitalidade, dinamismo e por todo seu didatismo jovial, embora se saiba que a grande rede o guardará como um registro histórico e não como um filme – no caso, a Globo, produtora do filme. A impressão é que o filme está deslocado, mesmo com a urgência do assunto e que levanta a questão sobre o significado de “urgência” e se ela já se transformou em “estado”.

uma corrente selvagemCINZAS E BRASAS (Manon Ott)

Entre duas formas, se destacam as ações ante à palavra para exibir como o trabalho suga e rege a vida das minorias na França. Certamente um filme que apesar de referenciar a Sylvain George, é muito menos histriônico e condensado e justamente por toda essa simplicidade de realização tende a criar veracidade às imagens colocadas em consideração.

um-filme-de-verão-jo-serfatyUM FILME DE VERÃO (Jô Serfaty)

Leia o texto completo sobre o filme.

espero tua (re)voltaNÃO PENSE QUE VOU GRITAR de Frank Beauvais

Os filmes de pesquisa/arquivo hoje chegam ao ponto de se pensa-los como um protocolo. Beuvais faz um recorte de sua vida – nunca se sabe da veracidade do que é narrado – e a partir dela utiliza imagens de filmes como um analogia de sua segurança na própria pesquisa, como se a contingencia nunca fosse possível num mundo imerso em imagens e a pensar em Farocki, é possível sempre criar novos significados. O que não é bem o que Beauvais faz aqui nessa espécie de filme de encaixes.

espero tua (re)voltaPAHOKEE (Patrick Bresnan e Ivete Lucas)

Ecos da metodologia de Frederick Wiseman na observação de uma instituição que reflete um microcosmo que sempre está às escuras: uma comunidade na Flórida composta majoritariamente por negros e imigrantes. Bresnan e Lucas registram usam o último ano de alunos no colégio como instrumento de reflexo social de um costume tipicamente americano: o fim de uma era e a hora da mudança para um novo estado.

uma corrente selvagemSETE ANOS EM MAIO de Affonso Uchôa

Três blocos performáticos para entoar a violência do estado que partem de uma simplicidade atroz. Do jogo do plano/contra-plano ao uso do corpo em função óbvia, surpreende que Uchôa use corpos e palavras para objetivos tão frontais e consequentemente inocentes.

happy-family-1548902TEL AVIV EM CHAMAS de Sameh Zoabi

Buscar um tipo de mensagem acessível pela luz que se joga na discussão sobre a opressão implícita. O filme de Sameh Zoabi parte de um bom argumento, mas o coloca em dimensões e campos tão maleáveis que seria possível tirar diversos filmes dali. Há essa noção tanto que o filme em certo momento brinca com a possibilidade de ser um “filme infinito”, justificando pela sua matéria-prima, uma novela sobre um amor improvável entre um judeu e uma palestina.

A031_C011_0812KDA NOITE AMARELA (Ramon Porto Mota)

O filme de horror dO Som e a Fúria. Exemplar de credo na exequibilidade da imagem e seus efeitos conforme a mesma se dissolve – literalmente – em outras formas, principalmente em glitches. Na mesma medida, a atmosfera de horror vai de um proto-slacker nos minutos iniciais a um suspense juvenil do cinemão americano no terço final. É notável a versatilidade de Ramon Porto Mota para domar tantos fios, ainda que a objetividade do todo se resuma a estes exercícios.

um-filme-de-verão-jo-serfatyA PORTUGUESA (Rita Azevedo Gomes)

Um trabalho impressionante de distanciamento que torna a culpa masculina como uma miragem para toda eternidade; filme muito coeso para transferir toda historicidade embutida em seu tema como reflexo e comentário assertivo sobre a masculinidade através de uma personagem de contornos complexos sempre justapostos ao panorama histórico.

happy-family-1548902SEGUIR FILMANDO (Saeed Al Batal, Ghiath Ayoub)

Começar o filme com análise detalhada de um plano de Resident Evil de Paul W.S Anderson e com um corte parar na guerra da Síria elimina um longo caminho de argumentações e discussões sobre guerra e espetáculo – principalmente como suas emulações deixam de ser assertivas. Ainda que o norte seja de nunca desligar a câmera – que no acaso arrematam sequências brutais que inevitavelmente se justificam dentro de uma “normalidade” difícil de digerir. Batal e Ayoub gastam tempo com olhares além dos limites da zona de guerra que tiram a ideia de que todo filme dado à câmera é experimental e sobre seu alcance.

uma corrente selvagem

ILHA (Ary Rosa e Glenda Nicácio)

Leia o texto completo sobre o filme.

happy-family-1548902ÉTANGS NOIRS (Pieter Doumolin & Timeau De Keyser)

Um fiapo narrativo que parte da desconfiança geral – dos personagens ao espaço filmado – para compor uma sobreposição de gêneros cinematográficos muito interessante, guiada principalmente por um thriller fantasma composto de corpos e luzes. Talvez o mais próximo que o cinema independente chegou de um filme de Michael Mann.

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