De costas para o mar
Há entre os limites de Um Filme de Verão uma reflexão sobre o verdadeiro significado de um feel good movie. Os fins que a diretora Jô Serfaty traça colocam o filme num caminho muito significativo sobre a representação do jovem periférico – o verão para eles é completamente diferente daquele vendido pelo cinema, de praia e diversão despudorada.
E como estes limites são muito bem estabelecidos, o filme vem numa espécie de fluxo de cenas, sem obedecer a uma ordem cronológica e sim numa representação fugaz dos momentos que nada mais são que a espera para um novo período de aulas. Em Rio das Pedras, próximos à praia da Barra, o acesso a ela é só no fim da tarde para estes jovens; o dia é feito para procurar empregos, sonhar com uma vida melhor e aproveitar seus dispositivos eletrônicos, no qual Serfaty usa como um registro muito peculiar de momentos intrínsecos ao verão, como as chuvas fortes, enchentes e falta de luz.
Entre eles, a imaginação destes jovens, de gostos voláteis e longe de qualquer certeza, faz de Um Filme de Verão o que mais próximo chegamos a Prazeres Desconhecidos de Jia Zhang-Ke até o momento, com a orquestração da liberdade cênica, da noção de dominância do espaço e como ele é capaz de oferecer novas procedências, inclusive estéticas – a sequência do sonho japonês fica como maior exemplo por ser a mais explícita, porém há diversos momentos no filme no qual as vielas e lajes ganham novas representações.
Permeando este mundo de signos, há o princípio do que é de fato um filme de verão no Brasil, muito mais próximo do calor do asfalto e de piscina de plástico do que praias paradisíacas e quartos luxuosos. É prazeroso ver como estes signos se complementam nas associações – ao exemplo das fugas deste ócio como os tipos diferentes de endeusamento, às figuras religiosas aos músicos e às drogas. E na mesma medida, Um Filme de Verão martela sempre uma realidade distinta do que é vendido, numa analogia simples à beleza do Rio de Janeiro que em suas costas esconde zonas periféricas e uma rotina de caos – pouco comentada no filme explicitamente, mas pulsante na relação com a cidade – e se complementa como um grande filme político.
Visto na 22ª Mostra de Cinema de Tiradentes