Festival de Brasília: Os Sonâmbulos (Tiago Mata Machado, 2018)

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Todos estão dormindo

Por Pedro Tavares

O cinema é um fenômeno idealista. A ideia que os homens fizeram dele já estava armada em seu cérebro, como no céu platônico, e o que impressiona, acima de tudo, é a resistência tenaz à matéria da ideia, mais do que as sugestões da técnica à imaginação do pesquisador.

(André Bazin em O Mito do Cinema Total, 1946)

Algumas informações são importantes para a compreensão mais categórica de Os Sonâmbulos, e a principal dela é que é um filme interpelado pelas mudanças no cenário político brasileiro principalmente entre os anos de 2013 e 2016. Portanto é um filme despudorado quanto às mudanças de abordagem, ainda que nunca se perca o senso de unidade, justamente por ser um filme de impavidez.

É curioso que sua pauta seja exatamente o risco quando ele é verbalizado. Das ações às reações, das analogias visuais e de um mundo performático que reverbera Serge Bard e, claro, Godard. Notória é a capacidade de síntese do filme quando justamente ele se debruça sobre retóricas que necessitam de prolongação para apuração de seus signos. Conforme os conjuntos de códigos são cada vez mais claros na superfície da imagem, o que resta desse governo arriscado? Tiago Mata Machado não responde e tampouco desce a guarda, da síntese ao simples desempenho, Os Sonâmbulos é imutável.

Se há o que podemos chamar de “desvio”, é quando o filme coloca seus andarilhos-militantes em cheque – o rendimento, em duplo sentido, a favor de interesses próprios. É o mais próximo que podemos de chamar de palpável no filme que sempre está em estado de suspensão, como uma espécie de catarse transcendente sobre o mais pragmático dos assuntos. É política o que está nas ruas e dentro dos apartamentos. A chama que queima lá fora pode queimar dentro do quarto. Se o alcance dos efeitos é incalculável, Os Sonâmbulos se apodera da aparência, do ilusionismo que leva à consciência de uma mobilização, mesmo que esta seja parcial. É o caso da inversão dos fins a favor de um discurso, mesmo que seu maior suporte, a realidade, não esteja em congruência e que a reconciliação é dispensável.

Ao abortar a consciência realista como forma avessa de chegar ao humanismo, o que Tiago Mata Machado procura, ao menos nessa primeira visão do filme, é o ajuste intelectual. Antes de ações profundas, é o momento de alinhar juízos e traçar acordos – mais um espaço para a dicotomia do pensamento político – e a reconciliação geral com o senso político, como o motor necessário para passos maiores e atrair para o real toda utopia vista em tela.

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