DAWSON CITY – TEMPO CONGELADO (Bill Morrison, 2016)

cine-op

Por Gabriel Papaléo

Como traçar um passado através da referência, do gesto e do antropológico? O filme nasceu como explosivo, os mecanismos dele como indústria se confundem com a própria história americana, e em Dawson City – Tempo Congelado o efeito corrosivo do tempo é visível desde a arquitetura da cidade filmada e fotografada até as marcas de deterioração das películas ali encontradas.

O viés experimental da superfície da imagem no cinema de Bill Morrison ganha aqui uma dedicação historiográfica bem oportuna na exploração da investigação da origem dos mais de 500 rolos de filme encontrados enterrados num local onde era uma piscina. A partir disso a montagem de Morrison exibe essa paixão pela historia e informação, disposta a investigar o máximo de elementos possível nas fotos para representar visualmente historias esquecidas que foram tornadas mitos apenas nas artes, e cujas memórias são fósseis não desejados por revelar estruturas ambíguas na construção da cidade -e do país.

Nesse sentido é interessante o uso do didatismo como uma ferramenta de curiosidade historiográfica, como se a tradição oral do relato esquecido da Busca do Ouro fosse adaptado à apresentação focada em texto de Morrison – mesmo que a música constante e a ansiedade de traçar um panorama atrapalhem pontualmente. A concentração em observar a influência antropológica e as situações que se repetem nos filmes encontrados são as matrizes do manifesto da importância de salvar a memória e o potencial antropológico e emocional de influência do cinema, um diálogo de sombras palpável na película deteriorada que exibe o diálogo de um homem com uma figura irreconhecível pela corrosão completa de sua parte no quadro. 

Perto do encerramento, o texto de Morrison faz questão de lembrar que as marcas de corrosão das películas encontradas na cidade são singulares, que guardam um aspecto especial pela exposição à água. É como se o tempo fosse contemplado pela forma que ele imprime sua influência, ode à mudança dos tempos em um filme tão focado justamente na preservação da memória – algo que poderia ser contraditório mas impede o filme de ser reacionário politicamente, para reforçar a fé na memória como motor de transformação. O filme nasceu como explosivo e permanece como tal, de fato.

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