Holy Motors (Leos Carax, 2012)

Por Geo Abreu

n-1 (uma tal multiplicidade não varia suas dimensões sem mudar de natureza nela mesma e se metamorfosear)

Contemporaneidade pós-tudo, era da representação na época de sua memealidade técnica. Profanar o esquema de signos representativos e se perguntar em quais nano-espaços de tempo é possível respirar sendo apenas o cara sem roupa em frente a um gato que nos olha, como naquela parábola do Derrida. O animal que logo sou (e sigo sendo) anda sempre de coleira, e se encoleriza muito pouco.

Se o cinema pode ser uma fronteira do maravilhoso em tempos de cinismo, Leos Carax maneja suas ferramentas na direção da surpresa. Na apresentação do filme durante o Festival do Rio, no palco do Odeon, diz ele sereno que, se você não entender, tudo bem. Espere até amanhã de manhã. Logo em seguida somos lançados à multiplicidade de Denis Lavant, que dá a volta ao dia em 80 mundos: maquiagem, figurino, perucas e uma limousine branca.

Vigoroso em todos os contos que o filme apresenta, é possível reconhecer o ator pela lembrança de sua presença corporal em filmes como Sangue Ruim, Os amantes da Pont-Neuf., Sr Merda, etc. Mas só por isso. Em cena, ele representa vários personagens que inadvertidamente chegam em uma determinada realidade para lhe abalar as estruturas. Provocações, redefinição de papeis e de estruturas narrativas. Instigante até o osso. Holy Motors é desses filmes que te fazem sair do cinema pensando em como criar novas relações com a realidade e assim, talvez, construir subjetividades ainda não catalogadas.

São tantas as camadas apresentadas que é possível escrever textos muito particulares sobre cada uma. O ato performativo como empoderamento; a crise da representatividade – essa mesma que levou gente às praças para protestar em vários lugares do mundo, aqui trazida ao universo particular de um homem que vive 24h mudando radicalmente de perspectiva – até a crise dos valores de nossa sociedade hoje. Ou é a narradora aqui que vê essas questões em todo lugar, o tal do zeitgeist de uma época perpassando estética, política, redes sociais e o escambau de quatro.

Se não existe fora, qual o caminho pra dar um drop out? Inventar mundos. Nisso Leos Carax e Denis Lavant tão de parabéns.

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