O Amigo da Minha Amiga (Eric Rohmer, 1987)

Por Filipe Chamy

O que mais chama a atenção nos filmes de Eric Rohmer, o que salta aos olhos e parece seu definitivo testamento como autor de cinema, é como ele rege seus atores e como suas personagens são desenvolvidas. Os intérpretes de suas obras parecem encarnar pessoas sumamente tranquilas, que falam muito mas se exaltam pouco, sempre racionalizam o que sentem e são totalmente avessas a explosões emocionais. Isso é verdade apenas aparentemente: sob um verniz de calma e serenidade, toda a intensidade da vida é pintada por Rohmer com inesgotável segurança; e suas criaturas sofrem, choram, gargalham ou se enfurecem com naturalidade honesta e constante.

Aqui neste O amigo da minha amiga, última de suas “comédias e provérbios”, Rohmer também deixa claro outras marcas suas: o feminismo que o faz se interessar pelo retrato de mulheres (e não de estereótipos); a vida dentro dos quadros, pois toda a ação se passa dentro do enquadramento e nunca fora das paredes delimitadas em seus planos – a câmera mesmo se movimenta relativamente pouco -; a extrema nobreza e respeito que consagra aos dilemas e dúvidas das gentes de suas narrativas.

O aparente classicismo rohmeriano é apenas a roupagem de que o realizador se vale para demonstrar sua atenção a detalhes que realmente importam a sua concepção de cinema, e portanto sua encenação comporta elementos que se repetem de filme para filme, como um microcosmos que o diretor se dispõe a analisar um pouco mais a cada filme, variando apenas certos aspectos de ambientação estrutural, por exemplo. Este filme é uma peça urbana, assim como Os amores de Astrée e Céladon é um recorte histórico, O joelho de Claire é uma cena de campo etc.

O amigo da minha amiga interessa sobretudo pelas cirandas que rodeiam as personagens e o sentido que isso apresenta a elas e ao espectador, jogando muito habilmente com expectativas, com fatos e com surpresas, não permitindo conclusões e julgamentos antes do fim do filme, como de resto seguindo as pegadas da própria vida que filma com beleza e humor e leveza, mesmo quando tudo parece perdido ou arruinado, desamparado, desprotegido. No final das contas tudo se arruma, e os caminhos se vão modificando na mesma medida que nossas cabeças vão adquirindo novas percepções e nossos desejos, outras formas e vontades.

Em Rohmer, a moralidade das convenções aparece sublimada nas decisões que impelem os comportamentos a se sujeitarem antes a uma força de vontade que a uma inércia social. Em outras palavras, suas personagens procuram o que é bom para elas, pouco se importando com os efeitos disso e as adequações de seus atos na comunidade que habitam. São espíritos livres, que buscam a felicidade e para isso se movimentam ao encontro de suas chances, ainda que por vezes, como neste filme, pareçam resvalar para a volubilidade, para a imaturidade emocional, o egoísmo sentimental. Tudo engano: nas imagens que Rohmer tece, esses equívocos são apenas avatares, disfarçando na imagem a fundamental razão de tudo haver e pulsar.

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