Nosferatu: O Vampiro da Noite (Werner Herzog, 1979)

Por Murilo Lopes

“Os rios prosseguem sem nós”

Vigésimo filme de Werner Herzog, Nosferatu : O Vampiro da Noite é uma adaptação livre da famosa obra de Bram Stoker, Drácula, romance do final do século XIX que conta a história de Jonathan Harker, um jovem que vai à Transilvânia fechar um contrato de venda de uma casa para um homem chamado Conde Drácula. Lá descobre que seu excêntrico anfitrião mora em um antigo castelo onde eventos estranhos acontecem e, pouco a pouco, percebe que é hóspede de um ser realmente maléfico. Entretanto, o ponto da adaptação de Herzog vai um tanto além da grande maioria dos filmes que tomaram a obra de Bram Stoker como base. Aqui, muito além da história de vampiro, Herzog costura, como já é costumeiro em seus filmes, algumas percepções próprias sobre a sociedade, a natureza e o desconhecido.

Tanto as coisas funcionam assim que Herzog não perde muito tempo com apresentações e construções de enredo ou personagens. O diretor pressupõe que o público está familiarizado com o personagem e o que vai acontecer durante a trama. Sendo assim, o filme se torna um belíssimo espaço aberto para o diretor exercitar seu estilo e filmar planos lindos usando apenas luz ambiente. Alguns momentos, como o primeiro encontro de Drácula com Lucy Harker, a chegada de um navio ao porto da cidade ou a macabra festa popular em praça pública, são de uma beleza estética ímpar e evocam a preocupação da geração de cineastas alemães a qual pertence Herzog para com o desenvolvimento de uma identidade cinematográfica nacional.

Cabe observar, ainda, a maneira como Herzog encara os eventos que o enredo desenvolve: muito mais que um vampiro, Drácula é um acontecimento que pode, ou não, ser apenas uma forma dos jovens Jonathan e Lucy encarar um evento muito maior, que foi a chegada da Peste Negra. O argumento de Herzog é que nem a fé, nem a ciência e nem coisa alguma neste mundo são capazes de abarcar todo o entendimento sobre certos fenômenos de ordem natural. Aos olhos do cético Dr. Van Helsing (aqui “diminuído” do costumeiro caçador de vampiros a um simples médico), Lucy está sendo ridícula ao permitir que seus preconceitos e superstições se sobressaiam perante a luz da ciência e da razão. Aos olhos de Lucy, é exatamente o contrário: Van Helsing e todos à sua volta são ridículos por não enxergarem o óbvio ululante, que é influência maléfica de Drácula sobre os eventos que ocorrem na cidade. Aos olhos de Herzog, por fim, os personagens estão apenas buscando explicações para aquilo que não se explica.

Em seu primeiro encontro pessoal com o Conde Drácula, Lucy Harker tem seu momento de lucidez inquestionável ao dizer que estão todos nas mãos de Drácula e que os rios continuam correndo sem eles, pois a morte é a única coisa certa. Neste momento, ela desvela a identidade de Drácula na visão de Werner Herzog: um fenômeno que, consciente ou não, acontece porque acontece, à completa revelia do que pensam os seres impactados por ele.

Com um Klaus Kinski devastador no papel de Conde Drácula, Nosferatu: O Vampiro da Noite é uma visão diferenciada e esteticamente valiosa para um gênero de filmes que, mesmo em 1979, já era saturado. Além disso, é uma fantástica demonstração do que a estética do Novo Cinema Alemão era capaz de proporcionar. Enfim, mais um filme de Herzog que, além de figurar nas rotineiras listas de “filmes obrigatórios”, nos revela um pouco mais daquilo que seu criador pensa, sente e é.

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