Lições das Trevas (Werner Herzog, 1992)

Por Robson Galluci

A vida sem fogo torna-se insuportável para os bombeiros ao final de Lições das Trevas, para grande surpresa e consternação do espectador, depois de o filme investir tempo considerável retratando os esforços necessários para apagar as chamas em um único poço de petróleo — e, como vários planos impressionantes filmados de helicóptero nos mostraram, há muitos deles, muitíssimos, centenas ou até milhares: em um gesto que o narrador consegue conceber apenas como loucura, vários grupos se asseguram de que terão de novo “algo para extinguir”. O público sabe que os poços de petróleo estavam em chamas em primeiro lugar também como resultado de agência humana, por mais que a faceta documental nunca seja assumida explicitamente e o filme se desenrole como um híbrido de narrativa e ensaio de ficção científica (num procedimento não muito diferente do que rege Fata Morgana, e com a mesma carga de radicalismo estético); Herzog se utiliza dessa camada de conhecimento que o espectador acrescenta ao texto da obra para, nesses movimentos de incêndios criados, contidos e recriados pelo homem orquestrar sua sinfonia da destruição — porque, no fim das contas, é isso que Lições das Trevas representa, tanto em si próprio quanto como um certo ponto de chegada de vários temas e procedimentos cultivados pelo diretor ao longo de sua carreira.

O choque de realidade que a presença da natureza causou em tantos personagens e em nós é aqui amplificado, de modo que não é apenas uma natureza ameaçadora, indiferente e desconhecida que se coloca diante da câmera, mas todo um mundo cuja familiaridade desaparece sob um olhar peculiar, uma sensação de estarmos contemplando uma paisagem totalmente alienígena e no limite inapreensível; o narrador tem tantos problemas para estabelecê-la e entendê-la com clareza quanto nós, e tudo se dá por aproximações e metáforas, até que uma direção histórica geral — o fim — se torna evidente, e com ela um padrão de comportamento apareça entre seus habitantes: eles estão nesse planeta desolado sem que isso lhes gere algum tipo de conflito do qual os sonhadores e loucos de Herzog não escapariam sob nenhuma hipótese. Estão, diferente da maioria dos protagonistas da obra do diretor, em paz, ou harmonia, com o mundo que os cerca, mas, ironicamente, essa harmonia se concretiza nos termos apocalípticos e destrutivos que dominam todo o filme: a harmonia, quando enfim dá as caras no universo herzoguiano, vem como caminho para a aniquilação e para o colapso.

Colapso este que a epígrafe faz notar que se dará, como a criação, em grandioso esplendor, e é sem dúvida de forma majestosa que Herzog retrata os poços incendiados, o que levou-o a ser acusado de estetizar o horror da guerra. O horror que Lições das Trevas busca, porém, é muito mais vasto e fundamental (embora não deixe de se contaminar por terrores mais próximos e concretos, como a história de uma mulher e seu filho, que invade a narrativa de forma inesperada, e, significativamente, imediatamente antes de testemunharmos toda a quase inacreditável extensão das chamas, do desastre de proporções cósmicas que Herzog já mencionou ao falar sobre o filme), embora, como a obra pregressa do diretor se encarregou de mostrar vez após outra, esse horror primordial não venha sem seu lado inegável e terrivelmente belo; e o texto recitado pelo narrador, com reverberações apocalípticas (e em muitos momentos com paráfrases ou citações diretas do Apocalipse), não deixa dúvida de que o que nos está sendo mostrado é, de maneira poética mas também literal, o fim desse mundo, ou uma imagem possível dele. O homem herzoguiano finalmente encontra uma síntese para resolver seu embate milenar com a natureza, mas é na forma de uma simbiose destrutiva. Quando os fogos se apagam, há que acendê-los de novo para continuar, uma dança da morte que se estende para todo o universo.

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