A princípio, O Enigma de Outro Mundo de 2011 não é um remake do filme de John Carpenter, e sim uma prequel, centrada nos acontecimentos da base norueguesa e que se conecta ao início do original, em que os dois sobreviventes, perseguindo um cão que se revela mais uma réplica criada pelo monstro alienígena que desenterraram, se encontram com o time de Kurt Russell. Partindo dessa abordagem, o que mais se destaca é o aspecto lúdico que Matthijs van Heijningen dá ao filme: trata-se de um jogo entre ele e os fãs da obra original, em que as peças vão sendo movidas pelo tabuleiro e posicionadas até que tudo esteja no lugar para o encaixe entre as duas histórias; assim, temos o encontro da nave, a retirada do bloco de gelo onde se encontra a criatura, uma longa sequência que serve para dar origem ao cadáver queimado grotesco que os americanos levam para a própria base, pequenas inserções aqui e ali que preparam o cenário da visita de MacReady ao local destruído.
Nesse sentido, Van Heijningen acaba realizando algo próximo ao que Martin Campbell fez em Cassino Royale: ambos partem da premissa de um status quo partilhado com o público e encenam a sua construção a partir de uma situação significativamente diferente, ainda que apenas na aparência. Isso, porém, já aponta uma das fraquezas do filme de Van Heijningen: se a informação compartilhada de Campbell é um personagem de status já mitológico que ele irá lapidar, através dos acontecimentos, tendo como matéria-prima um James Bond muito distante daquele com que estamos acostumados, no caso do filme de Carpenter não há nada nesse sentido, e o jogo proposto começa a perder a graça quando fica evidente que não se pode esperar fazer nada além de meramente preparar o cenário que os personagens da “continuação” visitam — a lista ali em cima não é casual. Fora isso, o novo O Enigma de Outro Mundo parece um filme feito apenas para preencher os 100 minutos antes das cenas dos créditos finais que conduzem ao original, e nesses 100 minutos não há nada que já não tivesse ficado evidente a partir das poucas cenas que Carpenter dedicou aos noruegueses; Van Heijningen não tem dimensões a acrescentar, e sua prequel acaba sendo pouco mais que uma brincadeira de fã.
Mas, ao mesmo tempo, e por mais que sob muitos aspectos não seja, O Enigma de Outro Mundo de 2011 também é um remake do filme original. De certa forma, não é nenhuma surpresa: temos a mesma criatura, a mesma situação de isolamento, no mesmo lugar, com poucas semanas de diferença — é claro que a coisa toda vai se desenrolar de forma semelhante. É um remake genuíno, porém, indo muito além de uma estrutura geral parecida: temos a clássica cena do teste para ver quem está infectado — e crédito às boas ideias: dessa vez, a prova de humanidade está nas obturações, já que o monstro não consegue replicar material inorgânico —, o clímax na nave, a cena em que um personagem finalmente entende o que está acontecendo, e até mesmo o lança-chamas falhando num momento crucial. Sendo um filme claramente feito por um fã do original, também funciona como homenagem, e Van Heijningen se aguenta bem nesse quesito, embora não se livre de fazer diversas concessões ao tipo de cinema comercial de terror praticado hoje em dia — o exemplo maior é que, por mais que haja uma tentativa séria de estabelecer a paranoia e a erosão da confiança do grupo que assombravam a versão de Carpenter, ela logo é sabotada pelo excesso de aparições da criatura, que a todo momento surta e destrói seu disfarce lançando tentáculos para todos os lados, aqui com muito menos paciência e, pelo jeito, ainda menos consciência de qual é, afinal, a vantagem de conseguir criar réplicas quase perfeitas de suas vítimas. E também estranhamente submetida a certos maniqueísmos e que-tais, que a levam a escolher como clone para o clímax justamente o personagem construído como uma espécie de vilão humano do filme, o cientista arrogante, irresponsável etc.
Por um lado, esse tipo de comparação não é dos melhores critérios — é preciso ver o filme pelo que ele é independentemente do de Carpenter —, mas o problema central é que, diferente de um Planeta dos Macacos: A Origem, O Enigma de Outro Mundo de Van Heijningen não assume nunca uma postura com relação a si próprio que não seja uma função do de Carpenter; o filme de Wyatt é tanto uma prequel do de Schaffner quanto de uma eventual continuação que se estabeleça por si mesma, assumindo o original de maneiras indiretas — tendo, por assim dizer, diante de si um horizonte em que o filme de 1968 pode ter sua existência ignorada. O horizonte de Van Hejningen nunca prescinde do original, e cria um elo concreto com O Enigma de Outro Mundo de John Carpenter, mas o situa justamente no entrelaçamento entre um remake que não faz mais que apontar para sua inspiração — é quase uma performance, apresentando o clássico de 1982 para a geração atual —, mas que nunca alcança o mesmo nível, e uma prequel que nunca se afasta do óbvio.
Temos, portanto, um filme que até é, em muitos aspectos, eficiente, mas exatamente no que não se propõe, pois seus méritos terminam ofuscados pela insistência em não deixar que o de Carpenter saia da vista ou da memória. Resta a questão de como uma obra tão dependente de outra se apresenta a um público que não tenha assistido ao original (o filme acabou sendo um fracasso de bilheteria, o que é sintomático, não de uma estética provocativa ou de timing ruim, mas de seu encapsulamento e horizonte referencial mínimo). Poderia ter sido diferente, porque não se deve negar que a ideia e a intenção — um remake que não é bem um remake e ainda por cima tenta levar os espectadores a assistir ao filme que o inspirou — são boas, e o próprio Carpenter já tinha dado, em Assalto à 13ª DP, a lição de como fazer uma refilmagem que não é bem uma refilmagem (e de um filme de um grande cineasta). Não se pode negar também que temos aqui algo acima da média quando se trata de remakes de filmes do diretor, mas isso não quer dizer muita coisa. Nem é suficiente.
A força do filme do Carpenter sempre foi uma tensão mais minimalista que nascia dos atritos entre a equipe, confinada e com medo, que implodia com um acusando o outro sem saber qual o momento em que a cabeça do seu melhor amigo vai se abrir ao meio e te devorar vivo. É tudo o que conduz ao “who goes there?”, essência e título inclusive do livro do Campbell no qual os filmes de 51, 82 e 2011 foram baseados (apesar de a versão do Nyby/Hawks não trazer esse elemento, o que é incrível).
O fato do van Heijningen ignorar a potência desse aspecto leva a uma série de especulações inúteis. Não sei o motivo, talvez ele realmente quis pôr ênfase na ação, questão de escolha, talvez seja necessário um toque muito refinado para equalizar a tensão constante e a iminência incansável do perigo com base na simples presença de pessoas numa mesma sala. O que eu sei ao certo é que o resultado é um suspense pirotécnico ordinário, na mesma esteira de qualquer outro que partilhe elementos similares (isolamento, grupo em perigo, caçada).
Acredito em você quando fala que o filme é acima da média atual das refilmagens, mas não confio no filme. Quer dizer, confio na proposta dele, que pelo visto deve ser bastante simplista, e é justamente por ser simplista que não confio no filme. Não quero ver… não nego que tenho certos preconceitos.
E mesmo assim (com um fracasso de bilheteria), Hollywood não aprende e continua sua saga de remakes.
Este eu preciso conferir. Sou fã da versão de Carpenter e, assim que soube da “nova versão”, torci o nariz. Com sua resenha, fiquei curioso. Excelente texto!
Assisti ao filme e realmente é fraco em seus pontos de clímax, mas, eu o considerei mais uma homenagem ao filme de Carpenter,do que um filme independente. Como fã do primeiro filme, acho válida a idéia, mesmo como eu disse, com seus pontos fracos. Vale a pena assistir,sem compromisso! Grande abraço!!!