Valsa Brilhante de Chopin (Max Ophüls, 1936)

Por Fernando Mendonça

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Filmar musicalmente é um desejo nutrido pela expressão cinematográfica desde o período em que a captura de som era impossível. Dentro das vanguardas européias, inúmeras experiências conseguiram notáveis feitos de sincronização da imagem a partir de uma sensibilidade melódica, e com o surgimento do cinema sonoro, tais possibilidades apenas se acentuaram. Esta Valsa Brilhante de Chopin, pequeno tesouro de uma nova era, permanece não somente pelo olhar que lança a uma performance em si extraordinária, mas pela capacidade de fazer do cinema um ato performático de continuidade, de extensão e criação dos sons que se querem visíveis, plenos. Coisa palpável.

Longe de filiar-se ao nicho que encontraria sentido na simples sincronização audiovisual (núcleo de um gênero dourado e fundamental para Hollywood), Max Ophüls concentraria seus esforços num experimento que partisse simultaneamente do cinema e da música, sem privilegiar um ou outro domínio de percepção (nesse sentido, mais próximo a nomes como Eisenstein e Disney — este em seus primeiros trabalhos). Valsa Brilhante, no primor da encenação e na sinestesia dela proveniente, unifica os sentidos e as reações do público num crescendum de rara intensidade, pois ao mesmo tempo breve e perene.

Da série de planos que articulam a execução musical realizada pelo ucraniano Alexander Brailowsky, renomado especialista em Chopin, não se pode deduzir um cinema que registra o espetáculo, mas que em paralelo o constrói, o materializa. Notemos que não se trata de uma performance pública, mas de uma encenação para as câmeras, daí a liberdade do diretor em abstrair o espaço, criando uma plataforma quase surreal para o suporte do artista e seu instrumento. A sobreposição de palcos em que se assenta Brailowsky não deixa de ser um referente especular ao encadeamento dos motivos musicais e do próprio intercalar de planos fílmicos. Ophüls dilacera o pequeno ambiente, que parece crescer à proporção dos múltiplos planos, e converte a potencial artificialidade do gesto em um organismo vivo, de pulso igual ao ritmo do compasso entoado.

Importa observar que todo um universo de referências toma forma a partir daqui. Seja no aprendizado que o gênero musical assumiu com a devida autoconsciência (George Sidney praticamente refilmou este Ophüls numa antológica sequência de Marujos do Amor, 1945), seja no ecoar das técnicas diluídas pela indústria (documentação de shows, surgimento do videoclipe), a memória do elo entre cinema e música encontra na Valsa Brilhante de Chopin um dos mais belos episódios de sua história. Para se lembrar de que, mesmo numa arte de sons, é preciso aprender a ver.

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