Die verliebte Firma (Max Ophüls, 1932)

Por Daniel Dalpizzolo

No cinema de Max Ophüls, a ilusão do espetáculo e as desilusões da vida caminham paralelamente, ora em sintonia, ora confundindo-se e conduzindo o espectador pelo braço por entre seus jogos de encenação. Pensando nisso, a abertura do primeiro longa-metragem do diretor não poderia ser mais genuína, mais legitimamente ophulsiana. Die verliebte Firma inicia com dois amantes entoando uma canção no topo de uma colina. Uma imagem muito bonita, muito romântica. Dão-se os créditos, e a cena desaba. “Corta”, grita o diretor. O que víamos, aqueles dois amantes perdidamente apaixonados, não passava de uma mentira; coisa do cinema.

Ambos os atores são marido e mulher que, no que se encerra essa encenação de um casal em êxtase de amor, desfazem-se das máscaras teatrais, discutem por causa do trabalho e rompem o relacionamento. Estamos, enfim, de volta à realidade. Exaurida, a mulher abandona as gravações e deixa o filme órfão de uma atriz. É o primeiro conflito de Die Verliebte Firma, e Ophüls, hábil manipulador de narrativas labirínticas e em constante movimento, nos lança muitas dúvidas: afinal, torcemos pelo que? Para o filme dar certo? Para o casal fazer as pazes? Ou por nada disso?

Logo à frente essas questões se perdem, e conhecemos a real protagonista do filme: uma aspirante que é convidada a ocupar o lugar deixado pela atriz. É a chance da vida dela, mas tudo tem um preço. No caso, o próprio corpo. A sedução pelo sucesso encontra-se com o desejo carnal, e, assim como todos os homens que a cercam, ao invés de concentrar-se nos seus esforços como atriz, Ophüls prefere priorizar os corredores e as salas do backstage para observar sua jovem personagem lutando contra as investidas dos membros da equipe, mais interessados em transar com ela do que em fazer o filme dar certo.

A comparação é uma sacada que, mesmo vinda lá de 1932, não poderia pertencer mais a nosso tempo (e qualquer passada de olho mais atenta por canais de televisão ou sites de entretenimento evidencia isso): a escalada para o sucesso neste meio, para Ophüls, é um ato equivalente à prostituição. Um olhar desiludido para o próprio cinema, para a arte e o entretenimento, que mais tarde seria desenvolvido em muitos outros filmes do diretor, chegando ao ponto máximo em seu filme-testamento, Lola Montès, quando construiria um espetáculo circense todo centrado nos relacionamentos e escândalos amorosos de uma condessa francesa.

A resistência sexual da garota acaba se tornando também uma abnegação da fama. É aí que os conflitos presentes lá no prólogo retornam à cena e se resolvem de uma forma um tanto quanto estranha. Já não nos importamos mais com eles, mas Ophüls traz de volta a atriz para o filme e para seu marido, fazendo com que a jovem aspirante, ao renegar o corpo aos domínios de seus superiores, também perca a chance de ser lançada ao sucesso, ganhando como consolo um parceiro para um pequeno romance em Berlin. Uma desilusão que ainda é pintada como salvação. “É por eu me importar com você que faço isso”, diz o diretor ao mandá-la embora, livrando-a do filme, do show business e dessa relação predatória que ele mantém com seus escravos — e lacrando um convite perfeito para viajarmos pela obra tão duramente apaixonante de Max Ophüls.

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