CORINGA: DELÍRIO A DOIS (Todd Phillips, 2024)

Atrações às avessas

Por Pedro Tavares

Cunhado pelo teórico Tom Gunning, o termo “cinema de atrações” relacionava o desenvolvimento do chamado “primeiro cinema” com forças além da narrativa, ou seja, além dos fomatos de contar uma história. Números musicais, música ao vivo, performances ou cenas extraordinárias que ressignificavam o espaço da sala de cinema e do tempo nos filmes. O termo passou por atualizações e seu grande estudo se dá em Cinema of Attractions Reloaded (2006), livro organizado por Wanda Strauven com textos de André Gaudreault, Thomas Elssaesser e do próprio Gunning. A atualização do termo de Gunning passa pela noção que o espectador garante o ingresso esperando por um momento específico do filme quando falamos do cinema “de gênero”. Uma sequência de ação com perseguições, tiroteios, cenas de brigas e explosões estão no cardápio daqueles que vão ao cinema para ver um filme de ação ou os efeitos especiais daqueles interessados pelo sci-fi, por exemplo. O mesmo serve para os números musicais ou a morte do vilão em musicais e em filmes de horror, respectivamente.

Coringa: Delírio a Dois é um caso minimamente curioso do que chamamos de “atração”. À priori, o longa de Todd Phillips aparenta uma postura subversiva principalmente se lembrarmos de seu início de carreira do realizador com Hated (1993) e Frat House (1998). Num primeiro encontro com o filme, além da ideia de alteração de forma e levantando possíveis relações com filósofos que desenvolveram questões sobre forma inteligível, infraestrutura e afins, o que parece mais interessante, porém, é como o filme parece um interlúdio. Naturalmente o que se espera de seu personagem virá, mas por vias completamente incalculáveis para os que seguem as normas das “atrações”.  

Àqueles que esperavam uma linha de moderação narrativa que implicitamente carrega exigências comerciais, um filme anódino como este, a julgar sua fanbase, é um desgosto. Porém, aos interessados em questões comportamentais e psicológicas além de costurar referências da HQ e buscar “veracidade” nas comparações entre filme e gibi, o filme de Phillips tem uma sustentação: o hino do triunfo. Da mesma maneira que Arthur Fleck desce as escadas a dançar no primeiro Coringa, neste, com o protagonista apaixonado, se dá num estado de espírito que coloca a autoestima como impulsor. É pelo desejo que o homem canta, dança, imagina e cria um universo onírico e muito particular depois de anos de escuridão. E aqui o termo de Gunning ganha um peso singular, afinal, o que se espera de Fleck é o caos tantas vezes traduzidas em imagens, porém Phillips toma caminho inverso.

Desde sua estreia em Veneza se fala sobre “sabotagem” com o próprio universo, de decepcionar os fãs gratuitamente e como a franquia perderá forças. No entanto, o atravessamento de um sentido tão extremo quanto as aparições do Coringa feito à base de um sentido excluído deste universo – ainda que estes homens possuam fragilidades, elas logo são contornadas ou transformadas em alguma forma de violência como estudo – é no mínimo interessante como preparação para uma próxima jogada, afinal falamos de uma “franquia”. Por mais que Lucrecia Martel e sua trupe tenham premiado o primeiro filme em Veneza ou nas incontáveis comparações com Scorsese e até Chantal Akerman e que este novo tenha levantado comparações a Demy e A Star is Born, musical de Bradley Cooper estrelado pela própria Lady Gaga, esta noção segue intacta. O deslocamento inesperado é como um interlúdio, um recorte muito específico de tempo da vida de Fleck, uma espécie de respiro antes de uma nova ação – que Phillips sabiamente deixa em aberto. No antro de filmes pasteurizados feitos em piloto automático, atravessa-los vulgarmente como irônico comentário acerca da leitura deste subgênero é interessante. É jogá-lo numa caixa destoante e igualmente incômoda para muitos e com lacunas suficientes para infinitas comparações, referências e levantá-lo novamente à estante de “filme de arte” – o que só parece interessante para aqueles que faturam com isso. Falamos de indústria, novamente. Eis a grande piada de Todd Phillips para colocar “um sorriso no rosto”.

FacebookTwitter